sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

"Muda a cultura rentista no mercado financeiro", por Celso Ming

Enquanto os juros se mantiveram lá em cima, para quem tinha um patrimônio financeiro a administrar, foi moleza manter um perfil conservador. Com os juros à altura do carpete, fica mais complicado tanto preservar o valor de uma carteira de ativos financeiros como viver de rendimentos.
O que significa, por exemplo, ser um administrador conservador de um patrimônio ancorado no Tesouro Direto, em caderneta de poupança, em títulos e fundos de renda fixa, quando esse rendimento real (descontadas a inflação e as taxas) tende a ser negativo?
Repetindo o que tem sido observado há muitas semanas pelos analistas, a inflação nos próximos 12 meses tende a 3,86%, como apontam os prognósticos do mercado, aferidos pela pesquisa Focus, do Banco Central, junto com 121 consultores, analistas e diretores financeiros. É quanto será desvalorizado um patrimônio financeiro que sofrerá diluição adicional pela cobrança do Imposto de Renda e de tarifas de administração, custos que os juros deixaram de compensar.
Os bancos e administradores de portfólio vêm classificando seus clientes em vários perfis, do tipo conservador, moderado e agressivo – e suas subdivisões. Mas como continuar a manter um perfil conservador na administração de um patrimônio familiar que está sendo desvalorizado em termos reais? 

Investidor e juros baixos
Será inevitável realizar uma grande transformação na cultura rentista, 
que prevaleceu nos últimos 50 anos no Brasil. 
Foto: Marcos Müller/Estadão

Por aí já dá para entender que esses conceitos só valem se forem entendidos como dinâmicos, digamos assim, e que possam variar conforme as circunstâncias. Em outras palavras, o aplicador deve dançar a música que estiver tocando no salão. Se é um rock, tem de ser ousado; se é um minueto, aí sim é preciso ser superconservador.
O aplicador tem de estar preparado não só para identificar o tipo de som que vai ser tocado pela orquestra, mas também para trocar rapidamente o passo da dança sempre que necessário. O momento está a indicar que uma carteira deva ter mais participação em renda variável. Mas a qualquer momento o mix recomendado pode mudar.
Falta falar de mais duas opções: aplicações em imóveis e em negócio próprio. 
Até mesmo em consequência da derrubada dos juros, é possível que a compra de imóveis ou sua manutenção voltem a apresentar bom retorno. O problema aí é a baixa liquidez. O proprietário nem sempre consegue vender seu imóvel rapidamente, especialmente quando precisar do dinheiro e não quiser se desfazer dele a preços baixos. Mas é falsa a ideia antiga de que imóvel é pedra, cimento e cal e, portanto, fator de segurança. Imóvel sempre tem custos (mensalidade do condomínio, impostos, necessidade de reformas). E está sujeito a perdas de valor.
Outra opção é investir em negócio próprio. Pode ser abrir uma lanchonete, tocar uma papelaria, produzir uma sobremesa ou se dedicar a um empreendimento mais alentado. Com juros baixos, pode valer a pena tomar um empréstimo ou colocar recursos próprios em alguma coisa assim. O desemprego levou muita gente a partir para iniciativas assim. Mas elas exigem dedicação e um mínimo de competência.
Se os juros baixos vêm para ficar, como se espera, será inevitável realizar uma grande transformação na cultura rentista, que prevaleceu nos últimos 50 anos no Brasil.

CONFIRA

» O consumo está mais robusto
O setor de serviços, que andava prostrado, mostra recuperação. Cresceu 0,8% em outubro (sobre setembro) e dá sinais de que continua bem em novembro e dezembro. O gráfico mostra como evoluiu em 12 meses.

» Melhora do poder aquisitivo

Esse avanço da demanda é consistente com dois fatores relacionados entre si: com a queda da inflação, que melhorou o poder aquisitivo; e com a queda dos juros, que barateou o crédito.

O Estado de S.Paulo