segunda-feira, 4 de março de 2019

Ibama tem início de ano com menor quantidade de multas aplicadas desde 1995. Havia uma 'indústria da multa'

A quantidade de multas aplicadas pelo Ibama por crimes ambientais no primeiro bimestre de 2019 foi a menor nos dois primeiros meses de um ano desde 1995. O sistema do órgão acumulou, até o fim de fevereiro, 1.139 autuações. No ano passado, no mesmo período, foram registradas 1.581; em 2017, 1.630 e, em 2016, 1.810.
Em todo o intervalo analisado, o ano em que o número de autuações no primeiro bimestre mais se aproxima do anotado em 2019 ocorreu em 2013, com 1.397.
Os crimes ambientais que mais receberam multas em 2019 foram os relacionados à flora (346), seguidos dos de fauna (210) e de pesca (174). O Ibama também fiscaliza atividades poluentes e contaminantes, empreendimentos e atividades licenciadas, organismos geneticamente modificados e o 
patrimônio genético.
São Paulo lidera as autuações, com 203. Na sequência aparecem Espírito Santo (71), Rio Grande do Norte (65), Roraima (61) e Amazonas (61). No outro extremo aparece o Acre, com apenas uma multa no período.
As autuações são realizadas por fiscais do Ibama a partir de operações desencadeadas nos estados e têm como objetivo de reprimir e prevenir a ocorrência de condutas lesivas ao ambiente.
No quesito valores, excluindo-se a excepcionalidade do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), que levou o Ibama a aplicar cinco multas totalizando R$ 250 milhões, o total até o fim de fevereiro foi R$ 200,5 milhões, o menor valor desde 2014.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL), em diversas oportunidades, antes e depois de eleito, mencionou a existência de uma suposta “indústria da multa” no órgão.
Fazendo coro à posição presidencial, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou à Folha, logo após de ser escolhido para o cargo, que “existe uma proliferação das multas” e que muitas delas seriam aplicadas por caráter ideológico.
Na visão de técnicos da área ambiental ouvidos pela reportagem, declarações dessa natureza acabam provocando um clima intimidatório entre os fiscais e pode estar levando à não lavratura de autos.
Procurado, o Ibama afirmou que “as ações executadas ou em execução no primeiro bimestre deste ano representam 91% das ações previstas para o período no Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental aprovado em dezembro de 2018”. Além do planejamento do órgão, denúncias não previstas ou passíveis de estimação prévia são, conforme o próprio Ibama registra em sua página oficial, “importantes formas de detecção das infrações ambientais”.
Segundo o órgão ambiental, “considerando que existe um lapso temporal entre a emissão de autos de infração e a disponibilidade dessas informações no Sistema de Cadastro, Arrecadação e Fiscalização (Sicafi), os números extraídos do banco de dados podem não refletir a totalidade dos autos aplicados em campo”.
O tema das multas ambientais tem sido uma das prioridades de Salles. Na semana passada, a Folha revelou o conteúdo de uma minuta de decreto elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) que cria um “núcleo de conciliação” com poderes para analisar, mudar o valor e até anular cada multa aplicada pelo Ibama por crimes ambientais no território nacional —esvaziando, na prática, o papel do fiscal.
A reportagem também mostrou que a minuta teve aval da autarquia ambiental sem ter recebido pareceres técnico e jurídico. O procedimento, embora não seja ilegal, é considerado incomum, sobretudo no caso de uma proposta que altera políticas centrais do órgão.
A agilidade do ministério para propor alterações nas regras de aplicação das multas contrasta com a lentidão na montagem da própria equipe. Até o momento, dois postos chave do MMA, as secretarias de Biodiversidade (a maior da pasta) e a secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável estão sem titular.
O mesmo ocorre com cargos de diretoria e de coordenação-geral de algumas áreas.
No caso da secretaria de Biodiversidade, a dificuldade para emplacar um nome já gerou até um quiproquó público. O indicado para ocupar a secretaria, o ambientalista José Truda, saiu atirando nas redes sociais após ter seu nome vetado pelo Planalto.
Num postagem, Truda afirmou ter trabalhado como “voluntário” no ministério por mais de um mês. “Volto para a planície para tentar me refazer financeiramente do desastre de ter fechado minha consultoria e deixado trabalhos remunerados pela metade para atender a uma missão que levou 34 dias de descaso burocrático para ser revogada”, escreveu no dia 4 de fevereiro. 
Já dentro do Ibama, Salles promoveu na última semana uma inédita exoneração em massa de superintendentes regionais do Ibama, sem, no entanto, indicar os substitutos. O ato deixou vago quase todos os comandos estaduais do órgão.
As superintendências são responsáveis principalmente pelas operações de fiscalização, além de atuarem em emergências ambientais e na prevenção e no controle de incêndios florestais.
O MMA tampouco escapou da onda militar que tomou a Esplanada dos Ministérios. Hoje, um general, três coronéis e um capitão ocupam postos no ministério, entre eles o de chefe de gabinete do ministro e o de subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração.

Fernando Tadeu Moraes, Folha de São Paulo