terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Reino Unido toma hoje sua mais importante decisão desde a Segunda Guerra, por Américo Martins

O parlamento britânico vai tomar hoje a sua mais importante decisão desde a Segunda Guerra Mundial.
Os parlamentares terão que decidir se aprovam ou não o plano que detalha os termos do "brexit", o divórcio do Reino Unido com a União Europeia.
Negociado durante meses pela primeira-ministra conservadora Theresa May, o plano não agradou a quase nenhum grupo político e é praticamente certo que será rejeitado.
Tanto que a maior discussão aqui em Londres é sobre o tamanho da derrota da primeira-ministra.
Caso perca por algo como 100 votos, May vai perder sua autoridade e pode renunciar.
Uma derrota menos acachapante pode até mantê-la no cargo, mas o Partido Trabalhista já prepara uma moção de desconfiança que também pode apear May do poder.
Mas a importância do voto vai muito além do destino da primeira-ministra.
A decisão dos parlamentares hoje vai ter profundas repercussões sobre o futuro político e econômico do Reino Unido por muitas décadas. A improvável aprovação do plano consumaria de vez a saída do país da União Europeia, o mais bem sucedido projeto de integração econômico e político da história.
A sua rejeição, no entanto, apenas vai aumentar a incerteza política no país, já profundamente dividido por causa do próprio "brexit".
Afinal, não existe um "plano B" definido e ninguém sabe o que poderá acontecer até o dia 29 de março, quando o Reino Unido tem que deixar a UE.
O próprio Parlamento aprovou na semana passada uma lei obrigando o governo a apresentar um plano alternativo em três dias, caso a proposta de May seja rejeitada.
Mas é inviável renegociar qualquer coisa nova com os 27 países da UE nesse período curtíssimo de tempo. Assim, sobram outras alternativas —todas problemáticas.
Muitos defendem a realização de um novo referendo sobre a questão. Alegam que se os políticos não sabem o que fazer, então o povo tem que ser chamado para tomar uma decisão.
A tese faz sentido. Mas o problema é que os britânicos já tomaram uma posição no referendo original de 2016.
May, por exemplo, diz que um novo referendo seria uma traição ao povo e que causaria uma desconfiança enorme no sistema político amplamente democrático do país.
Outros defendem que é melhor sair da UE sem plano nenhum, numa espécie de divórcio litigioso. Este talvez seja o pior cenário já que terá sérias consequências econômicas negativas para os britânicos —de acordo com todos os dados do próprio governo.
Há ainda a possibilidade de novas eleições, que poderiam levar o líder trabalhista Jeremy Corbyn ao poder. Mas ele também não conseguiria resolver a parada com a UE até 29 de março.
Por último, existe a possibilidade de se adiar a saída do bloco europeu —ou até mesmo cancelar o "brexit", o que poderia ser aprovado pelo Parlamento. Isso aumentaria muito o radicalismo político. E muito rapidamente.
Neste cenário, o maior perigo seria o provável fortalecimento da extrema-direita. Isso ampliaria o nacionalismo e poderia levar a ações políticas violentas.
Como se vê, nenhuma das alternativas é fácil. Mas o parlamento britânico vai ter que tomar uma decisão e fazer história. Mais uma vez.
Américo Martins
Jornalista escreve sobre a vida em Londres, onde mora pela terceira vez --num total de 15 anos