sábado, 19 de janeiro de 2019

Reforma da Previdência precisa ser "impactante" e incluir militares, diz Arminio Fraga

13 PERGUNTAS PARA ARMINIO FRAGA

1. O que acontecerá se não for feita a reforma da Previdência?
Com uma dívida pública perto de 80% do PIB, com a Previdência respondendo por metade dos gastos e a tendência de que cresça, o problema é maior. Além disso, a situação fiscal, tanto no governo federal quanto na maioria dos estados, é muito preocupante. Estamos com déficit primário e dívida chegando a 80% do PIB, os estados estão com suas folhas de pagamento estourando todos os limites, e, quando se incorporam os inativos, caminha-se para gastar a receita toda. A saúde financeira recomenda um caráter emergencial e uma reforma impactante. Não é uma reforma qualquer, não. Não dá para ajustar 5 pontos do PIB sem os resultados oriundos da reforma da Previdência.

2. Um corte de 5 pontos do PIB (R$ 335 bilhões) nas despesas do governo não é alto demais?
Seria para cobrir 2,5% de déficit (rombo atual nas contas públicas) . E mais 2,5% do PIB para ter um superávit primário (economia para reduzir a dívida pública). Se, no passado, vivíamos com uma dívida de 50% do PIB e um superávit primário de 3,5%, hoje em dia precisamos de mais primário para reduzir a dívida. Se tudo der certo, se houver um sucesso enorme em outras reformas, a economia começar a crescer mais de 3%, juros reais caírem para 4%, a conta muda um pouco. De qualquer maneira, com a dívida tão grande, é preciso reduzi-la como proporção de PIB, para isso é necessário fazer um ajuste de 5 pontos ou mais. E fazer isso sem uma colaboração relevante da Previdência me parece inviável. Quando se agrega a isso uma decisão política aparentemente forte de não aumentar a carga tributária, aí nem se fala.

3. Como vê a condução do tema pelo governo?
Esse quadro realmente está me deixando preocupado. Não tanto pela demora, que é natural. Governo chegando, para vários atores, inclusive o presidente, é uma novidade. Mas há uma certa hesitação e certa cacofonia com relação ao tema que me preocupam sim. Até há pouco tempo, havia grupos dentro do governo se digladiando pela imprensa. O presidente ainda não se posicionou. Ele já sinalizou que a reforma precisa acontecer e tudo mais, mas vem fazendo comentários que sugerem que a reforma pode não ser tão impactante. A cena para quem está fora é bastante confusa. Será preciso adotar uma linha, definir uma rota e seguir. É isso que falta. É preciso ter o presidente comprometido. Quando ele der o sinal, o resto tende a acontecer. Na sequência, o plano tem de ser executado em sua dimensão política, mas respeitando as necessidades prementes, urgentes, da economia e da sociedade. Isso não é uma coisa abstrata. A reforma é condição para tirar o Brasil desta situação de desemprego, de crescimento baixo. Quem tem capacidade de dizer isso à população? O presidente, pois ele tem peso, tem mandato.

4. O senhor se refere às falas sobre fazer a reforma fatiada?
Reforma fatiada, transição mais lenta, idade mínima menor, tudo isso dilui o impacto, A importância da reforma é imensa. É positivo que ganhe mais e mais peso na lista das prioridades dos governadores, das pessoas, dos observadores, da imprensa. Essa prioridade é claríssima.

5. Tem falado com o governo?
Tive uma excelente conversa com o secretário (de Previdência Social do Ministério da Economia) Rogério Marinho. De certa forma, o que eu tenho a dizer está lá (na proposta de reforma enviada por Arminio Fraga e outros sete economistas ao governo) . Passamos um ano fazendo esse trabalho, fiquei muito próximo da equipe que o redigiu. A proposta tem essas características de impacto e justiça. Recomendo fortemente não fatiar o trabalho, pois temo que as etapas posteriores não ocorram. Tudo bem essa Medida Provisória à parte, para combater fraudes. Seria um subproduto da reforma que nós desenhamos. Ela vai dar resultado, e isso é bom. O restante, seria melhor fazer de uma vez. É difícil mobilizar os parlamentares para abordar esse assunto mais de uma vez. Se não for feita essa reforma e se ela não for impactante, isso atrapalhará muito nosso futuro.

6. De que maneira? 
Gerando uma perda de confiança grave. Como nossa situação é de fato precária, estaríamos correndo risco grande. E isso não faz sentido.

7. Que riscos? 
Perda de confiança. Perda de confiança significa economia menos dinâmica, piora a trajetória da dívida do país. É semente para outra crise.

8. Na proposta que o senhor ajudou a montar, o valor dos benefícios previdenciários e assistenciais é desvinculado do salário mínimo. Não é algo difícil de aprovar? 
Mais difícil é quebrar. No mundo inteiro é assim, na maioria dos países. Não é nenhum crime. É uma questão aritmética, a conta não fecha. A carga tributária brasileira é de 33%, se forem eliminadas as desonerações vai a 35%. É alta de fato. Não defendo nada além disso, não. Defendo que seja mais bem desenhada, mais justa.

9. A crise econômica pode voltar? 
Se não for aprovada a reforma, pode voltar rapidamente, depende do que acontecer no mundo, aqui e em outras áreas do governo, nas outras áreas de nossa vida. Vamos deixar desigualdade e pobreza no topo da lista das prioridades, que é onde merecem ficar, com a saúde financeira do país logo a seguir. Quebrar periodicamente tem um custo social enorme. Em três anos, a renda per capita caiu 10%. Vivemos uma minidepressão.

10. O ministro Paulo Guedes, em seu discurso de posse, falou de um plano B, que seria aprovar a desvinculação total do Orçamento. É viável?
Ele está tecnicamente correto, seria um processo muito mais doloroso, mais difícil, menos racional. A pergunta que fica é se, nessas circunstâncias, o teto sobrevive.

11. O governo consegue passar uma desvinculação total do Orçamento, se não consegue passar uma reforma?
Escrevi sobre desvinculação em 2015, Orçamento base zero. Pensei nisso na época não como uma forma de fazer o ajuste fiscal, mas de racionalizar um pouco a atuação do governo. Para fazer o ajuste, uma desvinculação dessas teria de ter o poder de mexer na própria Previdência. Quem não pode menos, não pode mais. Se não conseguiu fazer a reforma da Previdência, dificilmente o Congresso vai dar autorização, carta branca, para que se faça mais.

12. Os militares têm de entrar na reforma?
Acho que seria muito bom que fosse todo mundo junto.

13. E se não for?
Pega mal. Acredito que os próprios militares vão olhar e dar a contribuição deles, proporcional. É uma discussão que tem de acontecer.

Cássia Almeida, Epoca