Sergio Moro foi à sua primeira entrevista ministerial como uma espécie de omelete da qual os repórteres se serviriam. Transformou o encontro num bufê. Numa exposição inicial, selecionou os pratos mais indigestos que estavam no noticiário. Antes que soasse a primeira pergunta, ofereceu respostas por conta própria. Não deixou de ser espremido. Mas privou os inquisidores do prazer de quebrar os ovos. Com suas declarações, colocou para rodar a Operação Lava Jato 2.0.
De saída, Moro declarou que não poderia pautar sua vida pelo “álibi falso da perseguição política” criada pelo petismo. Realçou que Lula foi “condenado e preso porque cometeu um crime, e não por causa das eleições”. E disse que não vai à Esplanada como uma “recompensa”. Mostrou-se seduzido pela ideia de implantar “num nível mais elevado” o modelo de sucesso da força-tarefa de Curitiba. “Pretendo chamar pessoas altamente qualificadas, inclusive pessoas da Lava Jato —tanto por sua eficiência como por sua integridade.”
Confirmou a intenção de desembrulhar o pacote de 70 medidas anticorrupção organizado sob a coordenação da Fundação Getúlio Vargas e da Transparência Internacional. Mas será cirúrgico. Pinçará do embrulho apenas as medidas mais estratégicas, numa quantidade que possa ser digerida pelo Congresso em seis meses. Enquanto testa a disposição dos parlamentares de colaborar, planeja levar a tecnologia da Lava Jato para o combate ao crime organizado.
Moro reconheceu as divergências que o distanciam de Bolsonaro em temas ligados à segurança pública. Sem brigar com o óbvio, disse ter plena consciência de que manterá com o novo presidente uma relação de “subordinação”. Num exagero retórico, tachou o futuro chefe de “ponderado”. Quando necessário, tentará convencê-lo. Se for possível, ajustará suas posições. Deixou no ar a hipótese de pedir o boné na hipótese de surgir divergência insanável.
O futuro ministro parece soar sempre um tom abaixo de Bolsonaro. Mas não se mostra insensível à agenda defendida por ele durante a campanha. Concorda, por exemplo, com a liberação da posse doméstica de armas, desde que haja clara definição quanto à quantidade e ao tipo de armamento. Aceita a tese segundo a qual integrantes de movimentos sociais não são inimputáveis. Mas defende o direito à manifestação. E refuga o rótulo de terroristas.
Moro não se mostrou refratário nem mesmo à pregação de Bolsonaro sobre o chamado “excludente de ilicitude”. O que não aceita é que o confronto policial seja convertido em estratégia. Avalia que a melhor operação é aquela que termina com o bandido preso e policial voltando para casa são e salvo. Mas reconhece que, diante da inevitabilidade do confronto, não é razoável que o policial espere pelo tiro do bandido antes de reagir. Considera aceitável o debate sobre eventuais ajustes na legislação, para proteger policiais e militares.
A certa altura da entrevista, Moro afirmou que atravessou os quatro anos e meio de Lava Jato com medo de que uma “virada de mesa” comprometesse todo o esforço anticorrupção. Trocou Curitiba por Brasília por achar que, ocupando um lugar na mesa, pode obter avanços que tornem a virada impossível. Se vai consegui, é outra história.
Uma das ambições de Moro é impedir a reversão da jurisprudência do Supremo que autorizou a prisão de larápios condenados em segunda instância. Se obtiver feitos desse porte e ainda conseguir aplicar um redutor de bom senso na agenda tóxica de Bolsonaro, o quase novo ministro completará com sucesso sua transição do papel de estilingue para o de vitrine.
Se há uma coisa que a Lava Jato ensinou a Moro é que não se faz uma omelete sem quebrar os ovos. Nos últimos quatro anos e meio, o personagem tomou gosto pelo crec-crec. Resta agora saber até que ponto a gestão Bolsonaro conseguirá conviver com o padrão da República de Curitiba sem cair na tentação de abafar o barulhinho das casas se quebrando.
Com Blog do Josias, UOL