quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Paulo Kramer e a eleição presidencial

Com a realização das convenções partidárias;
o registro das chapas de presidentes e 
vices no Tribunal Superior Eleitoral (TSE);
 a oficialização dos planos e propostas de 
governo; o início das campanhas nas ruas 
e na imprensa; e, a partir de 31 de agosto, 
na televisão e no rádio, finalmente foi 
dada a largada ao mais volátil, pulverizado 
e imprevisível pleito presidencial desde 1989.
Para ajudar os  nossos internautas a 
compreender a singularidade desta 
conjuntura política, entrevistamos o
 cientista político e consultor da
 Fundação Ivete Vargas Paulo Kramer
docente aposentado da Universidade de 
Brasília (UnB) e analista de risco político.
Na sua opinião, o que singulariza esta 
eleição presidencial em relação às
 anteriores?
– Para começo de conversa, em 1994, 
1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, o
 país se acostumou à bipolarização 
PT X PSDB. Em 2018, pode até ser que 
ela se repita no segundo  turno – dado
 o grande número de candidaturas 
competitivas, dificilmente a disputa 
será decidida logo no primeiro –, mas
 considero isso menos provável. Há
 dois anos, na  época do impeachment
 de Dilma Rousseff,  havia uma 
suposição quase unânime de que os 
tucanos seriam os grandes 
beneficiários da derrocada do 
governo lulopetista, mas as 
investigações sobre o envolvimento
 do senador Aécio Neves em esquema
 de corrupção de Furnas e a 
divulgação de conversa gravada
 em que  o senador Aécio Neves, 
derrotado por uma estreita margem
 em 2014, pedia R$ 2 milhões ao 
megaempresário Joesley Batista 
para pagar advogados, alienaram 
parcela significativa da opinião pública
 até então favorável à volta do PSDB
ao poder. 
Procurando responder objetivamente
 à sua pergunta, a conjunção de um 
megaescândalo de corrupção com 
a pior recessão da história econômica 
da história brasileira diferenciam o 
pleito deste ano de todos os 
anteriores. A conjuntura é tão, 
digamos, singular e volátil que  os 
dois nomes que lideram as pesquisas
 de intenção de votos são, de um lado,
 um ex-presidente populista de
 esquerda cumprindo pena de prisão
 de mais de 12 anos, por corrupção 
passiva e lavagem de dinheiro e, 
de outro, um obscuro e veterano 
deputado de direita, capitão 
para-quedista da reserva do Exército, 
sem respaldo nas máquinas políticas
 tradicionais, porém imensamente 
popular nas redes digitais.
A seu modo e a despeito das 
abismais diferenças que os separam,
 Luiz Inácio Lula da Silva e Jair 
Bolsonaro são a mais completa 
tradução da perplexidade do 
eleitorado e também da demanda
 difusa por messianismo que 
reemerge na sociedade brasileira em 
momentos de profunda crise, como este.
Então, V considera que a Lava 
Jato e outras operações em curso
 impactam profundamente  o estado
 de espírito do eleitorado…
– Sem dúvida alguma! Como 
gostava de proclamar um famoso
 ex-presidente agora hóspede da 
carceragem da Polícia Federal em 
Curitiba, “nunca antes na história
 do Brasil” esteve  o povo, em seu 
conjunto, tão bombardeado  com
 revelações minuciosas de múltiplas
 e graves ilicitudes cometidas por 
seus representantes eleitos, 
empresários ‘amigos do rei’ e 
altos burocratas. Números
 recentemente divulgados pelo 
Ministério Público Federal servem 
para dimensionar isso melhor. 
Desde as fases iniciais da Lava
 Jato até julho último, foram abertos 
1.765 processos, emitidos 962 
mandados de busca e apreensão, 
115 ordens de prisão preventiva, 
121 de prisão temporária, seis de 
prisão em flagrante e 78 acusações
 criminais contra 305 pessoas. Já 
foram pronunciadas, também, 43 
condenações por corrupção, crimes
 contra o sistema financeiro
 internacional, organização criminosa,
 lavagem de ativos e até tráfico de
 drogas. Duzentas e quatro 
condenações contra 134 pessoas 
somam 1983 anos, quatro meses e 
20 dias de prisão.
As denúncias até agora envolvem  
6,4 bilhões de reais em propinas,
 e os ativosbloqueados já chegam 
a  3,2 bilhões. Considero que, por 
mais chocantes que seafigurem, 
esses números têm um aspecto muito 
positivo, pois mostram que instituições
 como Justiça Federal, Ministério 
Público, Polícia Federal, tribunais de
 contas etc estão funcionando, 
cumprindo sua missão de fiscalizar
 e punir.
O grande problema reside nas
 instituições proativas, dos poderes
 Executivo e Legislativo, 
deslegitimadas, paralisadas ou
 funcionando com dificuldade ante
 o descrédito generalizado.
E quanto à crise econômica?
– Entre 2014 e 2016, a atividade 
econômica geral sofreu uma contração
 seriíssima: 0,5%, menos 3,5% e, 
outra vez, menos 3,5% do PIB, 
respectivamente. A recuperação de
 1% verificada em 2017 foi insuficiente
 para dar uma sensação de alívio.
Afinal, o desemprego ainda não 
parou de avançar: 6,8% (2014); 
8,5% (2015), 11,5% (2016); 12,7% 
(2017) e 13,7% da população 
economicamente ativa (PEA) até
 março deste ano, o equivalente
 a mais de 13 milhões de 
trabalhadores ‘oficialmente’ 
desempregados. Os números do 
IBGE divulgados agora em agosto, 
relativos ao segundo trimestre de 2018,
 não são exatamente animadores: 
apesar da ligeira queda do 
desemprego (13,1% para 12,9% da 
PEA), a chamada taxa de desalento
 aumentou para 4,4%; trocando em 
miúdos, mais de 4,8 milhões de 
pessoas simplesmente deixaram 
de procurar emprego, pois perderam 
a esperança de encontrar uma vaga. 
E 23% dos desempregados são
 chefes de família! Somados 
desempregados, desalentados,
 subempregados (por subocupação
 e insuficiência de horas), hoje no Brasil
 falta trabalho para 27,64 milhões de 
pessoas!
Depois de um começo que parecia
promissor, a recuperação 
econômica sob o governo 
Michel Temer resultou truncada.
 Avanços iniciais como a 
promulgação da Emenda 
Constitucional n° 95/2016 (teto dos
 gastos federais,  que só poderão
 ser corrigidos pela inflação do 
exercício anterior) e a reforma 
trabalhista (redução da intervenção 
da Justiça do Trabalho nas 
negociações entre patrões e 
empregados, fim do imposto sindical
 obrigatório, regras mais 
flexíveis para novas relações 
laborais resultantes do 
desenvolvimento tecnológico, a 
exemplo do teletrabalho e dos 
contratos intermitentes, porém 
mantidos todos os direitos dos 
trabalhadores inscritos na Constituição 
Federal, tais como férias 
remuneradas, 13° salário, licenças
 maternidade e paternidade, Fundo 
de Garantia por Tempo de Serviço, 
seguir desemprego e assim por diante) 
foram interrompidos desde maio de
 2017, quando o presidente viu-se 
obrigado a redirecionar o foco das
 suas articulações com o 
Congresso e gastar capital político 
para cuidar de sua sobrevivência no
 cargo, defendendo-se de  denúncias 
formuladas pelo então 
procurador-geral da República, 
Rodrigo Janot.
Exatamente um ano depois, em maio
 último, veio a greve nacional dos 
caminhoneiros que paralisou o país 
por vários dias e provocando uma 
queda de 3,34% na projeção do 
 PIB para aquele mês. Resultado, 
agora em junho a rejeição ao 
presidente bateu um novo recorde:
  82%, segundo o Datafolha! 
Mesmo assim, não dá para esquecer
 que, graças à credibilidade da equipe
 econômica comandada até pouco
 tempo atrás pelo ex-ministro da 
Fazenda Henrique Meirelles, a taxa 
básica de juros (Selic) caiu de 
14,25%, em 2015, para 6,5%, em
 março deste ano. A inflação também
 sofreu redução significativa: 10,67%
 (2015), 6,29% (2016) e 2,95 (2017).
O descontrole histórico das contas
 públicas é o grande vilão:
 turbinados pela Constituição de 1988, 
os gastos federais em relação ao PIB
 saltaram de 10,8% para 19,5% no 
ano passado. O déficit da previdência
 chegou a R$ 182, 4 bilhões em 2017, 
no chamado Regime Geral do INSS 
(trabalhadores do setor privado), com
 cerca de 35 milhões de 
segurados, um aumento de 21,8% em 
relação a 2016. Proporcionalmente, a 
situação e as perspectivas dos ;regimes 
próprios; (funcionalismo público) são
 ainda mais alarmantes: somente no 
caso  dos servidores federais
 (1 milhão de segurados, civis e militares), 
o rombo em 2017 foi de R$ 86,3 bilhões,
 11,9% a mais que no ano anterior. 
À medida que Temer perdia força no 
parlamento, as chances da reforma
 previdenciária
– uma mudança, insisto,  absolutamente
 indispensável e urgente – evaporaram.
Além do já referido desemprego de mais 
de 13%, as projeções econômicas para 
este ano eleitoral são as seguintes: 
crescimento do PIB de 1,5%; inflação de 
4,1% e – atenção!
–87,3% na relação dívida pública/PIB, 
uma proporção insustentável no caso de 
países emergentes.
E como esse eleitor vai reagir em face 
do duplo choque ético-político e 
econômico?
– Acredito que, sobretudo,  com muita
 raiva. E com muita alienação, também,
 uma alienação que se reflete na 
escalada do chamado não voto (nulos,
 brancos e abstenções): 25,6% dos 
sufrágios em 2006; 26,76% em 2010; 
e 29,03% em 2014. Em 2018, as 
projeções dos institutos de pesquisas
 para esse não voto oscilam em torno
 de um terço do eleitorado, com outros
 10%, ou mais, admitindo não saber 
em quem irão votar.
Tivemos duas recentes ;prévias; do
 que pode vir por aí, com as eleições
suplementares para os governos do 
Amazonas no ano passado e no 
Tocantins em junho último.
No primeiro caso, o não voto bateu 
em 36,32%; no segundo, impressionantes
51,83%. É bem verdade que eleições;
solteiras; como essas duas tendem a
 exacerbar a tendência. Mesmo assim, 
acredito que podemos prever uma 
avalanche de brancos, nulos e 
abstenções. O eleitorado, repito, está
 raivoso e descrente na sua 
avaliação da classe política, dos 
partidos e, o que é pior, da atividade 
política em si.
A seu ver, como isso impacta as 
perspectivas de renovação, 
admitindo que, se o eleitor 
está com tanta raiva dos 
mandatários atuais, provavelmente
 vai querer derrotá-los e substitui-los
 por caras novas?
– Vejo nisso um  paradoxo, ou
 aparente paradoxo. A avalanche
 do não voto acabará frustrando as 
expectativas de renovação. Desde a 
redemocratização, a taxa de rodízio 
nas cadeiras do Congresso são 
relativamente altas: 40%, em média, 
a cada quadriênio, na Câmara dos
 Deputados, uma taxa 
consideravelmente mais elevada
 que a da Câmara dos 
Representantes dos Estados Unidos, 
onde o turnover  raramente ultrapassa 
um dígito, à exceção das épocas 
em que toda uma geração de políticos 
mais idosos resolve se aposentar ao 
mesmo tempo. Aqui, apesar do alto 
turnover, o perfil dos substituídos é
 extremamente semelhante ao 
daqueles que os substituem; não 
raro, o ocupante resolve se retirar 
ou concorrer a outro cargo, legando  sua
 cadeira a parentes ou a aliados
próximos do seu clã.  
Agora mesmo, a Folha de S. Paulo
 publicou levantamento segundo 
o qual mais de 60 candidatos das 
principais “dinastias políticas” 
concorreram a estas eleições gerais.
Penso que esse fenômeno vai 
se exacerbar em 2018, em razão 
das restrições ao financiamento 
de campanhas. Em 2015, decerto
 reagindo aos descalabros revelados
 pela Lava Jato e outras operações,
 o Supremo Tribunal Federal (STF) 
declarou inconstitucionais as 
contribuições financeiras de pessoas
 jurídicas (empresas). Desde então,
 as únicas doações privadas que a 
legislação admite são de pessoas 
físicas, limitadas a um pequeno
 percentual da renda tributada do 
doador.
Ora, como essa cultura de pequenas
 contribuições dos cidadãos não existe
 no Brasil e tão cedo não deverá;
 vingar, até mesmo em função do 
clima reinante de repúdio aos políticos 
e à política, o financiamento das 
campanhas, agora e durante muito
 tempo, vai depender quase 
exclusivamente de recursos públicos,
 dinheiro do tradicional Fundo Partidário
 (R$ 757.140.712)  e do novo Fundo
 Eleitoral (R$ 1.716.209.431). Ora, a
 legislação em vigor, dentro de
 limites genéricos,  confere 
substancial  latitude aos dirigentes e 
à burocracia das máquinas  
partidárias na alocação dessas 
quantias entre candidatos aos mesmos
 cargos.
A tendência é confirmar-se a famosa lei;
 farinha pouca, meu pirão primeiro. 
Essa mesma tendência é ainda reforçada 
pelo encurtamento do tempo de 
campanha na TV (agora 35 dias contra
 45 nos pleitos anteriores).
Para resumir, tudo parece 
favorecer aos candidatos de
 estimação das burocracias 
partidárias, das religiões organizadas 
e das corporações em geral.
Mas vamos ao que interessa,
professor: quem vai ser o próximo
(ou a próxima) presidente?
– (Risos) Desde junho de 2013, 
quando amplas manifestações 
nas ruas de todo o país, 
reivindicando punição para os
 corruptos, fim do desperdício de
 dinheiro do contribuinte e serviços 
públicos padrão-Fifa, derrubaram
 Dilma do confortável patamar de 
popularidade registrado por todas 
as pesquisas até a sua destituição, 
por impeachment, três anos depois, 
brinco dizendo que a bola de cristal 
da análise política prospectiva 
embaçou de vez.
E, agora, acabou de rachar!… 
Eu diria que os resultados das 
pesquisas, que vinham se mantendo 
estáveis nos dois ou três últimos 
semestres, passarão a sofrer 
maiores flutuações com a abertura 
da temporada de entrevistas e 
debates  e também, obviamente, 
com o começo das  campanhas — 
 primeiro na rua e na imprensa e, 
como já foi dito aqui, na TV e no 
rádio, a partir de 31 de agosto, até
 4 de outubro, três dias antes do
 primeiro turno, marcado para o dia 7.
Na média dos prognósticos de intenção
 de voto dos principais institutos, 
obtidos em julho, portanto já passado 
o efeito-Copa do Mundo, Lula da Silva, 
do PT, lidera, com 31%, seguido de Jair
Bolsonaro (PSL, 22%),
Marina Silva (Rede, 8%), Geraldo 
Alckmin PSDB, 7%), Ciro Gomes
(PDT, 6%), Álvaro Dias 
(Podemos, 4%) e Henrique Meirelles 
(MDB, 1%).
Quando o questionário exclui Lula, 
colocando em seu lugar o companheiro
 de chapa e mais que provável 
substituto Fernando Haddad, Bolsonaro
 sobe para 24%; Marina, para 13%; 
Ciro, para 10%; Alckmin, para 9%; 
Álvaro, para 5%; e Meirelles permanece
 com 1%. Haddad fica com 4%, mas
 já vi pesquisas que lhe dão até 15% 
quando o entrevistado é informado 
de que o ex-prefeito paulistano será
 o candidato de Lula. E, de acordo com 
uma sondagem Datafolha de 24 de
 junho último, o não voto vai a 33%, 
caindo para 22% com a inclusão do
nome de Lula.
Os cenários para o segundo turno 
variam de instituto para instituto. 
Em junho passado, o Datafolha 
calculou que, favorito num primeiro
 turno sem Lula, o Bolsonaro 
perderia para quase todos os 
adversários no segundo, ganhando
 do Alckmin por empate técnico e 
derrotando o Haddad ‘de 
lavada’. Interessante que, no mês
 seguinte, o instituto 
DataPoder360 publicou pesquisa 
mostrando que o Bolsonaro, também 
na ausência do Lula, ganharia em todos 
os cenários de segundo turno: 36% a
 26% contra o Ciro; 36% a 31% 
contra a Marina; 36% a 23% contra 
o Haddad; e 35% a 25% contra o Alckmin.
A que poderíamos atribuir essa
 divergência entre os institutos?
– Bem, o DataPoder360 usa uma
 técnica de coleta  relativamente
 nova no Brasil, embora de ampla
 utilização há muito tempo nos Estados
 Unidos e em outros países: entrevistas
 telefônicas.
Isso é interessante, pois  metaestudos
 científicos — avaliações comparativas
 de várias pesquisas — já demonstraram
 que, pelo telefone, sem encarar o 
entrevistador, a tendência de muitos
 informantes é ficarem mais à vontade
 para revelar o que pensam e o 
que sentem. Faz sentido: apesar de sua
 ampla popularidade, inclusive nos 
segmentos de jovens de classe média 
 com nível superior etc, o ex-capitão,
 por suas declarações desabridas, 
pelo seu jeito estouvado, às vezes até 
mesmo truculento,  é claramente alvo
 das antipatias de estamentos já 
acostumados  a considerar-se 
os árbitros da opinião pública, como
 jornalistas e acadêmicos.
É só lembrar o ‘susto’ que esse
 pessoal, lá na América, levou com
 a vitória do Donald Trump, em 
2016…. Outro achado importante 
do mesmo instituto: eleitores do 
Jair Bolsonaro têm o voto mais 
consolidado, isto é, afirmam que não
 mudarão de opinião até a eleição
 — 79% contra os 46% dos eleitores
 de Marina Silva; 49% de Álvaro
 Dias; 56% de Geraldo Alckmin; e 61% 
de Fernando Haddad.
Agora, mudando  um pouco 
de  ângulo, quero insistir no seguinte
 ponto, independentemente de qual 
venha a ser o tal veredito das urnas:
 aprendemos desde a infância que
 tempo é dinheiro; pois bem, tempo,
 dinheiro e internet serão  os três 
recursos políticos-chave  neste pleito presidencial.
Poderia explicar melhor?
– Tempo na TV — não podemos
 esquecer o rádio! — e dinheiro para 
as campanhas (fundos eleitoral e 
partidário) variam na razão direta
 do tamanho das coligações, mais 
precisamente do número de 
parlamentares dos partidos políticos
 que as constituem.
Por exemplo, a candidatura do
 Alckmin (PSDB), apoiada por PP, 
DEM, PRB, PTB, PR,PSD, PPS e 
Solidariedade, ficará com 48% do 
tempo de propaganda televisiva 
(6 minutos  e 3 segundos diários), 
e as nove siglas da sua coligação, 
entre fundo partidário e fundo 
eleitoral, somam quase R$ 1 bilhão. 
O MDB, de Meirelles, com cerca 
de R$ 281 milhões, vai ter 13% do
 tempo de televisão (1 minuto e 38 
segundos); o PT, de Lula/Haddad, 
R$ 270,6 milhões e 2 minutos e 7 
segundos (17%), respectivamente. 
Em contraste com essas legendas 
e alianças maiores, os outros 
candidatos competitivos terão muito 
menos dinheiro e tempo de exposição 
na TV: Ciro (33 segundos; e 
aproximadamente R$ 93,5 milhões, 
na soma dos fundos do PDT com 
os do Avante), Álvaro (também com 
33 segundos; e cerca de  R$ 104,4, 
com os fundos de Podemos +PSC +
PTC + PRP), Marina (16 segundos;
 e quase R$ 47,2 milhões de Rede + PV).
E, na, 'lanterna’ do tempo e do 
dinheiro, o fenômeno Bolsonaro, 
com apenas 9 segundos de TV e 
R$ 19,2 milhões (fundos PSL + PRTB). 
Uma inovação importante da propaganda
televisiva dos presidenciáveis são as
 chamadas inserções (spots de 30 
segundos), que vão ao ar fora dos 
‘blocos’ verspertino e noturno,  com
 12 minutos e meio cada, apresentados
 às terças, quintas e também aos
sábados.
Distribuídas pela programação ‘normal’ 
ao longo do dia, elas pegam  o
 telespectador ‘de surpresa’, por assim
 dizer. O número dessas inserções, mais 
uma vez, é proporcional ao tamanho 
parlamentar das legendas em cada 
coligação: 12 spots diários para o
 Alckmin; cinco para o candidato do 
PT (Lula ou Haddad); quatro para o 
Meirelles; três a cada dois dias para o 
Ciro; outro tanto para o Álvaro; dois 
spots a cada três dias para a Marina; 
e um a cada três dias para o 
Bolsonaro. As demais candidaturas
 terão direito a uma inserção a cada 
três ou cinco dias.
Vale recordar  que, de acordo 
com estudo recentemente divulgado
 pelo Ipespe, sob encomenda da XP 
Investimentos, a TV ainda é 
apontada como principal fonte de 
informações e esclarecimentos sobre 
a eleição por 35% dos entrevistados.
E a internet (redes sociais), professor?
– Segundo essa mesma pesquisa, a
 internet, sobretudo as redes, são 
a principal fonte para a decisão de
 voto de 20% dos informantes, seguida
 de 10% que afirmam tomar essa 
decisão com base em conversas com
 familiares e amigos. Jornais e rádio
 foram apontados por 2% cada um. 
Na prática, muitos eleitores se definem 
baseados num mix dessas fontes. 
Veja só: outro estudo, este do Ibope,
 informa que 97% dos domicílios 
brasileiros possuem televisão, sendo
 que 53% dos entrevistados afirmam 
confiar na TV para se manter 
informados. No tocante à TV por 
assinatura, seu alcance médio 
abrange 51% dos telespectadores 
(17,2 milhões de pessoas). À 
população conectada à internet 
corresponde a 67% do total, com 
120,7 milhões de usuários, e 42,1 
milhões têm acesso à banda larga.
A classe A tem 96% de domicílios 
conectados; a classe B, 89%; a 
classe C, 74%; as classes D/E, 42%.
 Somos ao todo 208 milhões de 
habitantes, mas o número de linhas 
de internet móvel (celulares) já
 chegou a 240 milhões. O Facebook 
tem 102 milhões de usuários; o
 WhatsApp, 100 milhões; o Instagram,
 35 milhões; e o Twitter, 33 milhões. 
Mesmo assim, ainda existem no Brasil
 27 milhões de residências 
desconectadas da rede mundial de
 computadores. Todos os 
presidenciáveis com tempo de TV mais
 longo procurarão conquistar a maior
 fatia possível de votos desses eleitores 
sem internet.
Está claro que aquelas candidaturas 
competitivas que dispõem,
 comparativamente, de escassos
  recursos, estruturas pequenas e
 pouco tempo na televisão, procuram
 compensar essas deficiências com 
a intensificação da sua presença 
nas redes: Bolsonaro tem 8,1 milhões
 de seguidores; Marina tem
 4,3 milhões; Alckmin fica bem atrás, 
com 2,1 milhões; Álvaro, 1,5 milhão; 
Ciro, 652 mil; e Meirelles, 263 mil.
A ‘pegada digital’ de cada candidatura
 varia conforme a capacidade de produzir
 engajamentos, ou seja, com a maior 
ou menor disposição de seus 
seguidores para interagir em apoio aos
 respectivos presidenciáveis, 
defendendo-os ou atacando/contra-
atacando os adversários no ciberespaço, 
na blogosfera etc.
Uma das minhas maiores curiosidades
 nesta eleição, já tão ‘curiosa’ sob 
vários aspectos, é o peso político 
específico daquelas três 
dimensões-chave (tempo, 
dinheiro/estrutura e internet) 
nos resultados saídos das urnas de
 outubro. Creio que, de antemão, 
ninguém é capaz de estimar isso com
 segurança.
Pelo menos dá  para prever se Lula
 concorrerá, ou não?
– Olha só, estou cada vez mais convicto 
de que a opção preferencial do
 lulopetismo pelo confronto com a 
Justiça, requerendo ao Tribunal 
Superior Eleitoral (TSE) a candidatura 
de um presidiário condenado em segunda
 instância, portanto inelegível com base 
na lei da ficha limpa, revela a estratégia
 de manter as chamadas bases unidas
 e garantir a hegemonia do PT nos 
arraiais da esquerda.
Reafirmo aqui o que tenho assinalado
 em vários artigos e anteriores entrevistas:
 a prioridade número um do Lula e
 da cúpula partidária é a sobrevivência
 política e  organizacional da legenda.
Eles buscam reverter ou, no mínimo, 
atenuar o processo de encolhimento
 iniciado há dois anos, quando, no 
rastro do impeachment, o PT perdeu 
cerca de 60% das prefeituras que 
havia conquistado em 2012 — 
redução de 644 para 261 municípios, 
entre as quais a joiaabsoluta de 
todas as coroas, a capital paulista, 
terceiro maior orçamento público
 do país.
Com as prefeituras, o PT perdeu
 também 50 mil cargos de confiança,
 fonte do dízimo companheiro, muito
 importante para as finanças
 partidárias, ainda mais agora que o 
partido está afastado dos cofres das
 empresas estatais e dos bancos
 públicos federais.
Ora, a confirmar-se a ‘escrita’ 
segundo a qual eleições municipais
 armam o palanque para as eleições
 gerais, dois anos depois, é bem
 provável que o PT venha a
 experimentar agora uma drástica
 lipoaspiração nas suas bancadas
 do Congresso Nacional e das
 Assembleias Legislativas, para não 
falar nos governos estaduais. 
Se o interesse primordial do 
lulopetismo fosse mesmo a 
vitória na eleição presidencial deste
 ano, a alternativa aparentemente 
mais razoável para um Lula já 
quase desenganado de suas 
chances de manter a candidatura
 perante o Judiciário seria ungir
Ciro Gomes o seu delfim. Afinal,
 o ex-governador do Ceará 
despontou nas pesquisas dos dois
 últimos semestres como a segunda
 opção dos eleitores do PT, com 
boa probabilidade, portanto, de 
não só conservar o mais possível
 intacto o latifúndio eleitoral da
 esquerda na Região Nordeste
 (39.222.155 votantes, segundo
 maior eleitorado do Brasil, 26,62% 
de todos os votos), mas também quem
 sabe até recuperar uma parcela do
 voto centrista e centro-direitista  que,
 com Lula, o PT tinha conquistado no 
começo deste século, mas acabaria 
perdendo sob o impacto do Mensalão
 e da Lava Jato, na voragem da 
indignação das classes médias,
 em face das lambanças fiscais, 
políticas  e morais cometidas no 
governo Dilma, ou reveladas durante 
ele.
Como ficou demonstrado pelas 
manobras que Lula comandou
 diretamente  da cadeia com a 
finalidade de isolar a candidatura 
do Ciro, o PT até aceita o risco de
 perder a eleição, mas não o de 
fomentar o surgimento de uma 
liderança esquerdista alternativa 
ao seu guia único.
Certamente, o PT ainda pode 
acalentar a expectativa de chegar 
ao segundo turno com Fernando
 Haddad. Agora mesmo, veio a 
público mais uma sondagem 
Ipespe/XP Investimentos em que 
Haddad, com apoio de Lula, 
conquistaria  15% dos votos
 válidos no primeiro turno, 
empatando tecnicamente com 
Bolsonaro (21%), de vez que a
 margem de erro é de 3,2%, para 
mais ou para menos.
Daí os contorcionismos da defesa 
de Lula no sentido de levar ao limite
 do juridicamente possível a sua
 candidatura fake (com direito 
ao seu nome continuar constando
 dos questionários das pesquisas etc).
Tudo para ganhar tempo de modo a
 operar uma significativa 
transferência de votos para o 
ex-prefeito. Alguma transferência
 ocorrerá, sem sombra de dúvida, 
mas numa proporção imprevisível.
De sua parte, no TSE, a nova
 presidente daquela corte, ministra
 Rosa Weber, e o seu colega de 
Supremo Luís Roberto Barroso, 
encarrregado de analisar o registro 
da candidatura Lula e os recursos 
para impugná-la, agirão com 
celeridade para barrá-la até o fim de 
agosto, bem antes do prazo fatal de 
17 de setembro; se a questão não 
estiver decidida até lá, assim esperam  
os advogados de Lula, não haverá 
mais tempo hábil para remover a 
 foto do ex-presidente das urnas 
eletrônicas (depois do TSE, 
recorrerão ao Supremo). Isso 
produziria uma insegurança jurídica 
e um caos político de consequências 
gravíssimas para a democracia
 brasileira.
Lula e o PT sabem que a maior
 vitória  hoje ao seu alcance 
consiste em manter partido e 
militância unidos, a fim de
 assegurar-se um papel relevante
 no quadro político que emergirá
 das eleições de outubro, seja ele qual for.
Nesta nossa conversa, V já ‘dissecou’ 
uma grande massa de números, 
estatísticas, indicadores etc, mas 
sabemos que a política, de maneira 
geral, e as eleições, em especial, são
 arenas psicológicas, onde as
 emoções jogam um papel tão 
ou mais importante que a razão . . .
– Concordo totalmente.  E acrescento,
 relembrando o que eu disse logo no 
começo deste papo: o eleitorado está 
em estado de choque com todos os 
desmandos e roubalheiras de 
dinheiro público que têm sido 
revelados pelas operações 
anticorrupção; está entre revoltado 
e desalentado com a contratação da 
sua renda, pra não falar do 
desemprego; também está apavorado 
com a escalada da insegurança, da 
criminalidade da violência.
Dia desses, o Ipea e o Fórum Brasileiro
 de Segurança Pública lançaram o
 “Atlas da Violência-2018”, com dados
 relativos 2016. Naquele ano, o Brasil
 bateu o triste recorde de 62.517 
homicídios, e na última década 513 mil
 pessoas morreram vítimas de violência
 intencional no país! Como isso tudo vai 
se traduzir em termos de voto é algo 
impossível de se prever com precisão 
‘científica’. Ao que parece, pelo menos 
até agora, o Bolsonaro é o 
presidenciável que melhor aproveitou
 essa ‘onda’, esse sentimento difuso, esse
clima de opinião e de insegurança. Mas 
note que nem ele nem o Lula ganham do 
não voto.
Como não existe não voto ‘a favor’, a gente
pode estimar que o vencedor, ou 
vencedora, do pleito presidencial será 
quem conseguir atrair a maior parcela 
desses eleitores desiludidos e indecisos.
A campanha na televisão vai influenciar o
 resultado? Vai. A militância digital vai
 influenciar? Também vai. Já deveríamos
 estar acostumados a flutuações 
drásticas na corrida presidencial: 
em 2014, a duas semanas do primeiro
 turno, as sondagens de opinião sugeriam 
fortemente que a Marina Silva estava com
 um pé no segundo…. Um tênue 
prognóstico que se frustrou logo de 
antemão —  e nós já discutimos isto aqui
 — é que a tal ‘renovação’ que se poderia 
esperar de um ‘climão’ indignado como o
 atual não vai ser tão dramática assim. 
Outra expectativa que desde já não vingou 
foi a da irresistível ascensão  de um 
outsider, candidato estranho ao ‘sistema’, 
pronto para capitalizar o repúdio universal 
à classe política. Pelo caminho ficaram os 
projetos presidenciais do 
empresário-entertainer Luciano Huck e do
 jurista e ex-ministro do STF Joaquim Barbosa.
E como na política —  já ensinava Maquiavel — 
o “parecer” é mais importante que 
o “ser”, o anseio pela novidade, 
pelo outsider, pelo antipolítico, até agora
 está sendo capitalizado por um ex-capitão
 para-quedista já no  seu sétimo mandato
de deputado federal…. 
Outro número que costumava funcionar como
 preditor mais ou menos seguro do resultado
 de uma eleição para o Executivo — o grau 
de rejeição acima de 50%  — mostra-se 
agora de pouca utilidade; isso porque 
TODOS os presidenciáveis competitivos 
são fortemente rejeitados: Bolsonaro 
(65%), Alckmin (62%), Lula, Ciro e 
Marina (60%), Haddad (57%).
Mais uma vez, refiro-me ao DataPoder360
de julho último.
Pelo menos, V poderia apontar 
aqueles ‘imponderáveis’ aos quais 
jornalistas, analistas políticos e o 
público em geral deveriam ficar atentos?
– (Risos). Xiii!… A lista é bem longa, 
mas vamos aos principais.  Primeiramente, 
quanto do seu universo de votos, sobretudo 
no Nordeste, Lula será capaz de transferir 
ao Haddad? (A estatística aplicada às 
eleições mostra que essa transferência
de padrinho pra afilhado raramente 
supera o ‘teto’ de 65%.) 
Em segundo lugar, até que ponto vai 
‘colar’ com o eleitorado a promessa 
do Ciro de “limpar” os nomes dos 
63,4 milhões de inadimplentes hoje
 negativados no SPC/Serasa? 
(O comentariado político tende a levar
 esse tipo de proposta na gozação, 
mas o meu amigo e ‘guru’ Paulo 
Guimarães, professor titular de 
Estatística, aposentado, da Unicamp, 
com mais de 30 anos de experiência em
 campanhas, explica que as propostas
 com maior potencial impulsionador 
do voto são aquelas que prometem 
melhorar uma situação que até pouco
 tempo antes era boa e rapidamente 
piorou — mais do que as que prometem
 melhorar um quadro tão cronicamente 
ruim que o eleitor já desesperou da 
capacidade de qualquer candidato 
para resolver o problema, a exemplo
 da violência criminal no Rio.)
Em terceiro lugar, será que  o
 Alckmin poderia ser ‘ajudado’ pela 
sua companheira de chapa, a senadora
 do PP gaúcho, Ana Amélia, a tirar do 
Bolsonaro votos até agora ‘seguros’ 
no agronegócio, no Sul e à direita do
 espectro ideológico? Outra para o
 Alckmin: até  que ponto sua candidatura, 
respaldada pelos partidos que sempre 
participam na base parlamentar de 
qualquer governo — inclusive no atual
 governo, o mais rejeitado de toda a 
história —, poderia se beneficiar de
 uma ligeira melhora na competitividade 
e na ‘visibilidade’ do candidato Meirelles?
Explico: se o Meirelles continuar 
patinando em números  tão baixos de 
intenções de voto, caberá ao tucano 
o incômodo papel de bola-da-vez, de ‘mico’, do sentimento anti-Temer. 
Em quarto e último, uma questão
 tremendamente decisiva: Bolsonaro,
 que há muito tempo  já quase 
monopoliza o sentimento anti-Lula,
 anti-PT e antiesquerda, será capaz 
de se projetar, também, como o 
grande anti-Temer? Se não o Bolsonaro, 
quem? O professor Paulo Guimarães 
afirma  que o candidato que conseguir 
isso, vai vencer esta eleição.
Na minha percepção, o Bolsonaro pode
 até não ganhar, pode até nem chegar
 ao segundo turno (cenário que, hoje,
 considero improvável), mas estou certo
 de uma coisa: a balança da opinião
 pública, nos últimos anos, passou a
 pender para a direita. Isso pode 
ser comprovado, por exemplo, no
 fenômeno da desidratação do Fora, 
Temer! nas redes sociais.
Hoje, pra cada cibernauta que surge 
defendendo valores e propostas de 
esquerda, logo surgem quatro ou 
mais, de direita, para desmenti-lo 
 e, quase sempre, escrachá-lo.
No ano passado, quando o que eu 
chamo de intentona Janot-Joesley 
parecia desencadear uma irresistível
 ‘onda’  para afastar Temer, essa
 militância eletrōnica de direita,
 temendo que o Fora, Temer! 
pudesse  trazer Lula e o PT de 
volta ao poder, reagiu vigorosamente
 para frustrar tal possibilidade. 
(A habilidade do presidente para 
comprar sua salvação na Câmara 
dos Deputados, Casa que já presidiu 
por três vezes, fez o resto.)
É por isso, também, que eu 
discordo quando ouço colegas, 
comentaristas, colunistas dizerem 
que o Brasil está “rachado ao meio”. 
Dividido, sim; polarizado, sem dúvida, 
mas partido ao meio, não, porque, 
hoje em dia, direita e centro-direita 
são mais influentes que a esquerda.
E nem tanto em termos de liberalismo 
econômico, pois o brasileiro em geral 
ainda ama o Estado de paixão etc. Falo
 em termos de valores conservadores.
 (Você pode apostar que essa preferência
  nacional pelo Estado-papai, ou 
mamãe, herança duradoura do 
patrimonialismo burocrático, com
 profundo vinco aristocrático, preencheria
 o espaço de outras duas, três ou mais 
entrevistas nossas!…)
Afinal, dá pra prever alguma coisa? 
O quê?
– Aquilo que é possível prever,
 porque vai continuar mais ou menos
 como tem sido, infelizmente, é a 
permanência  do chamado 
presidencialismo de coalizão 
(ou cooptação). Desde a 
reconstitucionalização  do país, 
nenhum presidente —  nem FHC- I, 
com o Plano Real, eliminador do dragão
 hiperinflacionário; nem Lula-I, o Lulinha 
Paz & amor; Amor, que fez “a esperança
 vencer o medo” — obteve para o seu
 partido (PSDB ou PT) mais de 20% 
das cadeiras da Câmara.
No parlamentarismo clássico, 
a maioria legislativa forma o 
governo. No presidencialismo 
à brasileira, é o governo que precisa
 construir a maioria no Congresso, 
utilizando como ‘argumentos’ 
emendas orçamentárias, distribuição
 de cargos aos afilhados dos
 parlamentares da ‘base’ e, como 
vimos no Mensalão e no Petrolão, 
dinheiro vivo.
O sistema político, pelo menos a curto 
prazo, seguirá fragmentado. Atualmente,
 são 25 partidos na Câmara e 18 no 
Senado. A gente poderia até pensar — 
e com sólida fundamentação nos fatos — 
que esse presidencialismo disfuncional
 já tenha chegado ao seu derradeiro
limite fiscal, moral e político; ou seja, as 
condições objetivas para superá-lo 
estão dadas, estão aí, plantando 
bananeira à vista de todos nós.
O problema é que a sua efetiva
 superação exige condições subjetivas
 indispensáveis, como a vontade dos
 governados e, sobretudo, liderança
 dos governantes, tradutores dessa 
vontade. Duas mercadorias 
dolorosamente em falta no mercado 
político….
Nutro moderada esperança em duas 
inovações recentes para atenuar essa 
pulverização ingovernável: a primeira 
— cláusula de desempenho,  ou de 
barreira — começa a vigorar já na eleição
 deste ano, elevando progressivamente
 o mínimo de votos válidos obtidos pelos 
partidos em pelo menos um terço das 
unidades da federação para que a 
legenda tenha direito a eleger e empossar 
deputados e partilhar do fundo partidário 
e do horário gratuito de rádio e TV.
Assim, a partir da eleição de 2018, só 
terão direito a esses preciosos recursos 
políticos, aqueles partidos que elegerem,
 pelo menos, nove deputados federais 
(ou 1,5% dos votos válidos para a Câmara); 
esses votos deverão vir de, pelo menos, 
nove estados, com 1% dos votos válidos 
em cada um.
A cláusula de desempenho tem 
aplicação progressiva, e, até a eleição
 de 2030, serão exigidos 3% dos votos
 válidos para a Câmara dos deputados,
 distribuídos em nove estados, com 
mínimo de 2% dos sufrágios válidos
 em cada um deles. Pessoalmente, 
eu preferiria a barreira em vigor na 
Alemanha desde 1949 (5%), mas já é 
alguma coisa e vai reduzir o número
 de partidos no Congresso, nas 
assembleias legislativas e nas câmaras
municipais.
A segunda inovação, começará a 
vigorar da eleição municipal de 2020
 em diante: a proibição de coligações
 proporcionais para vereador, deputado
 federal e deputado estadual. Mais
 uma vez: não é nenhuma maravilha,
 mas também ajudará a reduzir essa
 absurda quantidade de partidos e
 candidatos a cargos proporcionais.
Para terminar, quais os maiores
desafios que o próximo, ou a 
próxima, presidente terá que enfrentar?
– Serão, a meu ver, três ordens de 
complexos desafios,  em meio a 
um clima geral de opinião pública
 caracterizado pelo rechaço à classe 
política (partidos, parlamento), por
 uma longa e profunda recessão 
(desemprego), por extrema incredulidade
 quanto à capacidade das autoridades para 
controlar a escalada da insegurança, 
do crime.
A primeira ordem desses desafios
 é econômica, mais precisamente 
fiscal, as contas públicas: como 
reverter o perfil da dívida pública, 
que, em breve, deverá atingir 87,3%,
o que exigirá reformas fiscais
 impopulares, a começar pela da 
previdência. Só pela via reformista,
 o Brasil vai poder reconquistar a 
confiança dos investidores, daqui e 
de fora, de modo a abrir caminho para 
uma retomada econômica em bases 
sustentáveis.
Com uma carga tributária que chega
 ao dobro daquela vigente em outros
 países emergentes, não dá mais 
para fazer a ‘mágica besta’ do ajuste 
aumentando imposto.
O segundo grande desafio consistirá 
em mobilizar apoio político a essa
 agenda reformista de um Congresso
 que continuará muito fragmentado, 
partidariamente pulverizado, sensível
 ao lobby de corporações burocráticas
 influentes e poderosas na defesa dos 
seus privilégios. (Quero lembrar que
 numa série de recentes reportagens
 sobre “Os Donos do Congresso”, 
o jornal O Estado de S. Paulo 
mostrou que 25% dos deputados federais 
— 132 — representam o funcionalismo
público.)
Por último, mas não em último, 
o elevado potencial de conflito 
e instabilidade jurídica presente
 em um sistema de Justiça e de
 Controle empoderado por recente 
geração de leis anticorrupção 
(em especial a de número 12.846/2013)
 e pela acentuada deterioração do 
prestígio e da legitimidade social da 
classe política: Poder Judiciário, 
Ministério Público, Polícia Federal, 
o TCU, a Advocacia-Geral da União 
e a Controladoria-Geral da União (CGU).
Por favor, explique melhor esse
 terceiro desafio.
– Um aspecto que me parece muito 
sério é a fragmentação interna desse 
sistema de Justiça. Tomemos,  por
 exemplo,  o baixo grau de 
colegialidade do processo decisório 
judicial, começando pelo topo do 
sistema, o STF: no ano passado, 
90% das 113.600 decisões do Supremo 
foram tomadas individualmente pelos 
11 ministros, sob a forma de liminares, 
como aquela do ministro Ricardo 
Lewandowski suspendendo a venda 
de participações da União em refinarias
 da Petrobras localizá-las nas Regiões 
Sul e Nordeste.
Outro aspecto que me preocupa 
são os choques políticos, ideológicos
 e até mesmo geracionais entre 
diferentes instâncias judiciais ou
 esferas do sistema de Justiça: 
tribunais regionais federais contra
 tribunais superiores; Poder Judiciário
 versus Ministério Público versus
 Polícia Federal versus órgãos de
 controle (os desentendimentos 
acerca dos acordos de leniência 
com empresas que participaram 
de episódios de corrupção revelados
 pela Lava Jato ilustram bem esse ponto).
Enquanto a Justiça Federal, com 
merecido destaque para o juiz 
Sérgio Moro, em Curitiba, já condenou
134 pessoas com penas de prisão que 
somam 1983 dias, quatro meses e 20 
dias, o único parlamentar em 
exercício de mandato, deputado Nelson
 Meurer (PP/PR), condenado pelo STF 
a 13 anos, em regime fechado,  
por participação no escândalo do Petrolão,
 continua batendo ponto diariamente na
Câmara e ‘recorrendo’ em liberdade.
A Constituição Política do Império
 do Brasil (1824), em sua ‘sabedoria
 sociológica’, estabeleceu o Poder
 Moderador — privativo do 
imperador, sempre ouvidas, mas não
 obrigatoriamente acatadas, as 
sugestões do vitalício Conselho de Estado
 —, com a missão de arbitrar os conflitos
 entre os demais poderes e, assim, evitar 
paralisias decisórias prejudiciais ao 
sistema. O fato de a República ter 
riscado o Poder Moderador do texto 
constitucional não suprimiu, na prática, 
a sua periódica necessidade; daí as 
frequentes intervenções militares, 
um poder moderador fardado, ao longo 
do século passado, para cortar, a fio de 
espada, o nó dos impasses do poder civil.
Hoje em dia, surgem novos candidatos
 a esse poder ‘informal’: juízes, 
procuradores, enfim, segmentos do
 sistema de Justiça e Controle. E por 
quê? Porque, infelizmente, na nossa
 cultura política  patrimonialista, 
permanece forte a tendência ao 
exercício imoderado do poder, em
 outras palavras, as pessoas ‘físicas’ 
das autoridades públicas costumam 
considerar-se ‘maiores’ e mais 
importantes que as posições que
ocupam.
O saudoso deputado e vice-presidente
 Pedro Aleixo, da UDN mineira, 
confessava que, sob o draconiano 
Ato Institucional nº 5/1968 (AI-5), o 
que ele mais temia não era o 
arbítrio do presidente da República, 
mas o abuso de autoridade do guarda
 da esquina…. Enfim, a tentação de
 ultrapassar limites formais a todos os 
poderes constituídos, em benefício 
próprio e em benefício do clã familiar, 
corporativo e político, é enorme.
E dela não escapam nem mesmo
os novos candidatos a poder moderador…. 
Daí a permanente atualidade da questão: 
quem nos protege dos nossos 
protetores? Uma pergunta que 
mereceria meditação cuidadosa 
e madura durante esta quadra eleitoral  
— e, claro, depois dela, também.
Por Hellen Mendes, Fundação Ivete Vargas

Matéria publicada originalmente em