sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Paulo Hartung: "Por que vou pendurar as chuteiras"

Aos 61 anos, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, 
pretende deixar o MDB, desistir de disputar eleições e voltar à 
militância sem cargos - Lucas Aboudib / Agência O Globo


Comecei a militância na época da faculdade de economia pelo Partidão (Partido Comunista Brasileiro), em meados da década de 70. Foi minha porta de entrada na política, além de ter sido um período de formação de grandes lideranças políticas do país, que militavam contra o regime autoritário e a favor da democracia. Passamos por um treinamento de vida, aprendemos sobre a operação da política e da articulação, sobre convencer as pessoas e mobilizá-las na direção do que você acredita.

Isso me levou para as disputas eleitorais. Concorri pela primeira vez a deputado estadual no Espírito Santo em 1982 e fui eleito pelo MDB. Na época, meu slogan era “Madeira de dar em doido” — uma criação do Mário Lago, que eu conheci na militância. Eu não era propriamente uma “madeira de dar em doido”, mas era uma liderança que entendia a democracia como valor social humano e um movimento estratégico nacional. Fui reeleito deputado estadual e depois me elegi para a Câmara dos Deputados, no mandato pós-Constituinte, já pelo PSDB.

Fiquei só metade do mandato e me elegi prefeito de Vitória, numa eleição muito dura contra o Luís Buaiz, que era candidato pelo PFL. Quando saí, era um dos prefeitos mais bem avaliados do país. Eu e Jarbas Vasconcelos (MDB), do Recife. Ainda não havia reeleição, então, quando deixei a prefeitura, em 1996, fui convidado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para assumir uma diretoria do BNDES, onde fizemos uma reestruturação da área social.

Deixei o cargo para disputar a eleição ao Senado, no qual fiquei por quatro anos e saí porque fui eleito em 2002 ao governo do Espírito Santo pela primeira vez. Reelegi-me e fiquei oito anos na administração.

Depois fiquei quatro anos fora da política — fui trabalhar na iniciativa privada, uma ótima experiência. Em 2014, fui eleito no primeiro turno para o governo e, apesar de ninguém ter me levado muito a sério, disse que não me candidataria à reeleição. Quando peguei o estado, as contas estavam muito ruins e havia um quadro fiscal bastante grave. Consegui ajustar a situação a ponto de entregá-lo agora a meu sucessor com recursos livres disponíveis em caixa, algo raro no quadro nacional hoje. Nunca perdi uma eleição, o povo sempre foi muito compreensivo comigo. Talvez por isso houvesse sempre aquela esperança de eu mudar de ideia na última hora e concorrer.

No ano passado, o Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central) e algumas outras lideranças se lembraram de meu nome para concorrer ao governo do Rio de Janeiro. 

Lucas, meu neto, é carioca, mas eu tenho de cuidar dele de outro jeito. É muito honroso ter sido lembrando, mas acho que as questões do Rio precisam ser encaminhadas pelas lideranças do estado. A situação do Rio é muito grave para vir uma pessoa de fora, não daria certo.

Estou muito desapontado com a degradação da estrutura política do país. A gente lutou pela livre organização partidária, mas isso virou um sistema de caça ao Fundo Partidário, de caça ao tempo de televisão. Há 28 partidos com representação no Congresso Nacional, um troço que degradou a estrutura partidária. O sistema político foi sendo destruído passo a passo — ele está destroçado e de costas para a sociedade. Não é só isso que me afasta da disputa de mandato, mas isso afasta um conjunto de lideranças da atividade política com mandato. Quantas lideranças chegaram a considerar participar do processo eleitoral, mas depois recuaram? Brasil afora você tem figuras como Luciano Huck, como Joaquim Barbosa, Bernardinho. A questão individual é diferente, porque eu já tive muitas oportunidades de representar os capixabas e os brasileiros. Eu me esforcei e me esforço nessa tarefa, que considero nobre.

O sistema está aprisionado pelo interesse do grupo dominante da política brasileira, que é avesso à renovação e só faz piorar. É triste que o país venha a ser governado nos próximos quatro anos com o produto de um sistema político tão ruim. O grave não é em relação a minha pessoa, o grave é obstruir a possibilidade de oxigenação das lideranças políticas do país. Isso deveria ter sido quebrado em uma reforma política, partidária e eleitoral que atualizasse esse sistema, que aproximasse as expressões políticas do conjunto da sociedade. Esse é um grande desafio.

Depois do final do mandato, vou viver com a oportunidade que me foi dada de mostrar minha capacidade de trabalho, de gestão, de planejar e continuar sendo um economista. 

Mas não planejei nada ainda. Uma coisa de cada vez, estou concentrado em concluir bem o mandato. Estou escrevendo um livro sobre essa experiência administrativa, vou lançá-lo ainda neste mês. E quero mudar de partido. Só não saí do MDB ainda para não ser precipitado, no sentido de ver se há alguma modificação no quadro partidário do país. 

Quero estar em um partido que tenha conexão com aquilo que penso, com as ideias que defendo, com a visão de mundo que tenho. Essa decisão de sair já está tomada e não há meias palavras nisso.

Com certeza, vou curtir mais meu neto, que é uma experiência emocionante na vida. Quem já viveu isso sabe do que estou falando. Aos 61 anos, vou pendurar as chuteiras da disputa de mandato. Foi uma história bacana, e agora é página virada. Acho que a gente tem de saber a hora de parar. Mas vou continuar fazendo palestra, defendendo o que acredito, a democracia, políticas sociais que levem oportunidades para todos em nosso país. Continuo sendo o que sempre fui: um bom militante.