sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Monica de Bolle: Não consigo aceitar que um partido que governou o Brasil por quase uma década e meia não seja responsável pela crise política, econômica, institucional e social que vivemos

Apelo

Não tenho qualquer simpatia pelo PT, embora credite ao governo Lula a redução da pobreza e a formalização do mercado de trabalho que mudaram o país. Contudo, não consigo aceitar que um partido que governou o Brasil por quase uma década e meia não seja responsável pela crise política, econômica, institucional e social que vivemos. 

Tampouco posso aceitar que a culpa pelo que agora testemunhamos seja toda imposta ao PT — o PMDB, hoje MDB, além de outros partidos, foi cúmplice da tragédia até que sê-lo não lhe conviesse mais. Quando as conveniências se tornaram demasiado custosas, os fiadores do petismo inventaram o impeachment de coalizão, o tropicalismo perverso em sua plenitude. Já escrevi neste espaço e repito: a divisão extrema que enfrentamos hoje é fruto de várias ocorrências, inclusive do impeachment de Dilma Rousseff. Ignorar as ramificações do impeachment leva a reflexões incompletas sobre o momento brasileiro.

Escrevo tudo isso para deixar claro que — sobretudo nestes tempos em que interpretações de texto estão prejudicadas — o que vem a seguir não é uma defesa do PT. Tenho visto muita gente migrar para Bolsonaro não porque tem qualquer apreço pelo capitão, mas porque repudia a volta do PT. Essas pessoas, em grande parte, seriam eleitores em potencial de Alckmin, de Marina, de João Amoêdo ou de Ciro Gomes. Porém, ante a constatação de que a eleição brasileira caminha para o embate entre Bolsonaro e Haddad, resolveram fincar posição ao lado do ex-militar. Advirto que o que vem abaixo é difícil de ler, mas ler é preciso.

Em 1998, Bolsonaro disse à revista Veja que o general e ditador chileno Augusto Pinochet deveria ter “matado mais gente”. Em 2015, Bolsonaro disse em vídeo que “Pinochet fez o que tinha de ser feito”, apesar de as atrocidades cometidas durante o regime terem sido ainda maiores do que se imaginava. Em 1999, durante entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro deu a seguinte declaração: “Você só vai mudar, infelizmente, quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando 30 mil, e começando por FHC”. Em 2016, disse o candidato a uma entrevistadora: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”. Discursando para militantes em 2017, Bolsonaro afirmou: “Sou capitão do Exército, minha especialidade é matar”. É impossível, ante essas declarações, não concluir que o capitão revela desprezo pelas instituições democráticas, pelas liberdades individuais, pela dignidade de todos que com ele não concordam. Vejam que aí não incluí suas frases sobre mulheres, gays e negros.

Somando às declarações de Bolsonaro as de seu vice, enxerga-se de forma cristalina o que seu governo poderia representar: o retrocesso, o retorno do autoritarismo, a divisão ainda mais acentuada do país, o esgarçamento social, institucional e político. Por isso a perplexidade ao constatar que todas essas evidências estejam sendo relevadas devido ao medo de uma eventual volta do PT ao poder. Escrevo isso não para aquelas pessoas que votarão em Bolsonaro por convicção, direito de todos em uma democracia. Escrevo essas palavras em apelo à racionalidade daqueles que estão prestes a votar em Bolsonaro apenas por serem contra o PT. Para muitos, o PT pode ser repudiado por tudo o que representa, inclusive pela proximidade com governos autoritários em países como Cuba e Venezuela. Portanto, vale pensar com calma em quem votar no primeiro turno, ouvir os candidatos mais ao centro, em vez de jogar a toalha.

Está difícil acreditar em um segundo turno que não seja um referendo sobre o PT ou sobre o regime militar, mas isso não significa que tudo já esteja perdido.

Voto “útil” no primeiro turno para evitar o PT no segundo é voto de repúdio, não é voto de protesto. Votos de repúdio podem gerar enormes arrependimentos posteriores, como mostram as recentes experiências de alguns países. Enxergo o ceticismo que há hoje em relação a uma terceira via para o Brasil, mas apelo para que não a descartemos com tanta facilidade.



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