quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Venezuelanos ricos lideram boom imobiliário em bairro chique de Madri

Movimento no bairro de Salamanca, em Madri, em que venezuelanos ricos têm comprado imóveis

Movimento no bairro de Salamanca, em Madri, em que venezuelanos ricos têm comprado imóveis - Stefano Buonamici - 27.set.15/The New York Times


MADRI
O país deles está arruinado economicamente. A inflação é assombrosa e deve chegar a 1.000.000% no final do ano. Os hospitais não têm mais remédios, equipamentos, nem mesmo luvas de borracha.
Mas, enquanto milhões de venezuelanos enfrentam uma batalha pela sobrevivência em seu país, outros encontraram um porto seguro para seu dinheiro do outro lado do Atlântico: o mercado imobiliário de Madri.
Durante um passeio em Salamanca, um bairro elegante da capital espanhola, Luis Valls-Taberner, consultor de investimento imobiliário, apontava em quase toda rua um imóvel adquirido recentemente por algum venezuelano rico, segundo ele.
Valls-Taberner não quis identificar os compradores. Alguns dos imóveis, ele disse, foram adquiridos por meio de companhias de investimento sediadas em Miami ou em outros locais —mas o dinheiro sempre vem da Venezuela.
Os preços dos imóveis residenciais em Madri subiram quase 17% no ano passado, a mais forte alta entre as cidades espanholas, o que levou o custo de vida nas áreas centrais da cidade a atingir níveis vistos pela última vez em 2007, antes do estouro da bolha da construção na Espanha.
O bairro de Salamanca, com suas lojas de moda e restaurantes, tem posição central no boom, graças em parte aos venezuelanos ricos, Muitos são oponentes do ditador Nicolás Maduro e fugiram dos tumultos políticos e econômicos em seu país. Mas alguns têm elos com o governo de Maduro e talvez estejam preocupados com seu futuro diante das sanções internacionais e inquietação social.
"Sei que às vezes me apanho em um restaurante de Madri sentado bem ao lado de pessoas que me sentia desconfortável ao ver em Caracas", disse Leopoldo López Gil cujo filho, Leopoldo López, importante político oposicionista, esteve sujeito a prisão domiciliar na capital venezuelana, Caracas.
No bairro de Salamanca, de acordo com as estimativas de algumas imobiliárias de Madri, mais de 7.000 apartamentos de luxo são propriedade de venezuelanos, hoje
Embora parte desse investimento venezuelano tenha vindo de associados de Maduro, a maior proporção pertence a famílias que enriqueceram décadas atrás, em uma economia cujo principal ativo, o petróleo, foi estatizado na década de 1970.
"As grandes fortunas da Venezuela sempre estiveram conectadas umas às outras e dependeram de seus detentores manterem bom relacionamento com o Estado", disse Rolando Seijas, fundador da SNB Capital,  companhia de investimento sediada em Madri cujas atividades variam de serviços de seguros à operação de uma fábrica de componentes eletrônicos no sul da Espanha.
Ao contrário dos mexicanos e outros latino-americanos que vêm investindo na Espanha, ele disse: "Nós estamos aqui como sobreviventes e sabemos que as pontes que nos unem ao nosso país de origem foram queimadas".
De fato, alguns venezuelanos se tornaram empreendedores de sucesso na Espanha, fundando serviços de entrega, abrindo restaurantes ou lojas ou operando franquias como a da cadeia americana de fast-food Subway.
Para escapar à crise da Venezuela, Andoni Goicochea abandonou seu curso de medicina e se mudou para  Madri, onde fundou o Goiko Grill, que agora opera 44 casas de hambúrgueres espalhadas pela Espanha.
Em junho, um grupo de capital privado controlado pelo LVMH, o conglomerado francês de bens de luxo, adquiriu uma participação majoritária na rede, avaliada em  € 150 milhões (R$ 660 milhões)
"A prioridade para os venezuelanos era encontrar um lar aqui, mas agora eles estão se sentindo confortáveis na Espanha e começam a se expandir para toda espécie de negócio", disse Vals-Taberner.
E os empreendedores espanhóis que escolheram o exílio estão estimulando seus compatriotas a se juntar a eles na Espanha.
"Se precisamos contratar alguém aqui, sempre procuramos um venezuelano", disse Jorge Neri, cujos ativos na Espanha incluem a revista Cambio 16.
"Mesmo que não fôssemos bons amigos em Caracas, agora compartilhamos da tragédia que todos sofremos".

SHOPPING CENTER

Os venezuelanos não estão só comprando imóveis na Espanha; também estão construindo. Em 2017, a família Cohén, dona de uma nas maiores incorporadoras de imóveis comerciais da Venezuela, inaugurou o Sambil Outlet, no subúrbio de Madri, que se define como o maior shopping center da Espanha.
Em meio à crescente pressão internacional contra Maduro, as autoridades espanholas vêm ampliando seus esforços para monitorar o influxo de dinheiro venezuelano. É uma tarefa difícil, de acordo com alguns advogados, porque os venezuelanos endinheirados sempre mantiveram ativos no exterior, para compensar os controles de câmbio e flutuações cambiais em seu país.
"A Espanha tem a obrigação de controlar o influxo de dinheiro, mas os venezuelanos ricos aprenderam há muito tempo que suas economias devem ser retidas em moeda forte e de preferência em uma conta no exterior", disse Juan Carlos Gutiérrez, advogado venezuelano que se mudou para Madri em dezembro.
De fato, a detenção de um venezuelano na Espanha que ganhou mais atenção até o momento resulta de um mandado de prisão expedido pelo governo de Maduro: em abril, a polícia espanhola deteve Claudia Patricia Díaz, antiga funcionária do Ministério do Tesouro da Venezuela e enfermeira de HugoChávez, o presidente venezuelano morto em 2013; e seu marido, antigo chefe de segurança.
As detenções eram parte de um caso de lavagem de dinheiro que incluía uma investigação sobre a compra pelo casal de um apartamento em Madri, pelo qual pagaram 1,8 milhão de euros em 2015.
Dadas as conexões histórias entre a Espanha e a América Latina, muitos venezuelanos usam antecedentes familiares para reivindicar um passaporte espanhol. Diversos têm parentes que fugiram da Espanha em 1939, quando o general Francisco Franco venceu a guerra civil, e outros fizeram uso de um programa de cidadania para descendentes dos judeus sefardis expulsos do país em 1492.
Os venezuelanos estão entre os principais beneficiários do programa de "vistos dourados" da Espanha, que confere residência a estrangeiros que adquiram propriedades em valor de € 500 mil (R$ 2,2 milhões) ou mais, uma medida adotada em 2013 para ajudar a reanimar a economia debilitada pela crise.
"Madri está se tornando para os venezuelanos aquilo que Miami foi um dia —e continua a ser— para os cubanos", disse Seijas, que também é presidente uma associação de investimento e estima que haja 280 mil venezuelanos vivendo na Espanha, 120 mil dos quais adquiriram cidadania espanhola.
Tomás Páez, professor que estuda imigração na Universidade Central da Venezuela, disse que os venezuelanos são a comunidade estrangeira que mais cresce na Espanha, mais que dobrando sua presença no país nos dois últimos anos.
Javier Cremades, advogado espanhol e presidente do conselho do escritório de advocacia Cremades Calvo y Sotelo, disse que sua empresa, sediada em Madri, está representando 40 venezuelanos candidatos a "vistos dourados".
Cremades também está na vanguarda dos esforços para ajudar os oponentes políticos de Maduro, como Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas, que fugiu para a Espanha em novembro.
Em julho, Ledezma se tornou parte de uma associação que representa os moradores venezuelanos de Madri e apelou ao novo governo socialista espanhol que confira asilo especial às pessoas que estão fugindo do regime de Maduro.
E membros da oposição venezuelana usam a mídia social para rastrear na Espanha os "bolochicos", um apelido pejorativo dados aos herdeiros mais jovens da república bolivariana da Venezuela, criada por Chávez, que se tornou presidente em 1999.
Ativistas da oposição postaram vídeos mostrando venezuelanos bem conectados com o regime desfrutando da boa vida de Madri. Disseram que seus alvos incluem parentes de líderes importantes das forças armadas e funcionários do governo.
"Estamos falando de funcionários do governo e suas famílias que vivem na Espanha, mas cujos salários normalmente não permitiriam que comprassem um apartamento de 500 mil euros lá", disse Cremades.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Raphael Minder, THE NEW YORK TIMES