terça-feira, 21 de agosto de 2018

"Muita inutilidade, pouca efetividade", por Eduardo Oinegue

Ao ser eleito para o Parlamento inglês no final do século XVIII, o político e pensador Edmund Burke proferiu um discurso marcante. “O Parlamento não é um congresso de embaixadores de interesses diferentes (...). É a assembleia deliberativa de uma nação, com um interesse, o da totalidade, em que nenhum propósito local (...) deveria guiá-la, exceto o bem comum.”

O Congresso brasileiro, que dependerá do nosso voto para ser renovado, passa longe da concepção de Burke. Mas longe quanto? Que peso têm na casa os “embaixadores de interesses diferentes”?

Partamos da capacidade do Legislativo de criar leis — não de votar as matérias enviadas pelo governo. Na atual legislatura, iniciada em 2015, os congressistas apresentaram 10 mil projetos. Sabe quantos viraram lei? Menos de cem, uma taxa de efetividade de 1%. Que discurso sairia da tribuna se os políticos tomassem conhecimento de uma indústria que só finaliza um de cada mil produtos que começa a fabricar? Outras 536 leis foram aprovadas, mas se referem a matérias concebidas em legislaturas anteriores ou apresentadas por outros Poderes, quase sempre o Executivo. Dos 594 parlamentares, 494 (83%) passaram em branco nos últimos três anos e meio.

Antes de sucumbir à tentação de aplaudir os 17% que emplacaram textos, olhemos para o legado deixado por uma boa parte deles. Por exemplo, a lei 13.082, de 2015, de autoria do deputado José Airton Cirillo (PT-CE). Sabe o que ela cria? O Dia Nacional do Humorista! A rigor, o projeto nem nasceu nesta legislatura, mas há dez anos, quando Cirillo estava em seu primeiro mandato. Até ser publicada no Diário Oficial, tramitou por duas comissões na Câmara e uma no Senado. Em cada comissão, um relator, uma votação, secretárias, técnicos, assessores, cópias xerox, discursos, eletricidade, ar-condicionado. “O homem é o único animal que ri”, escreveu um dos relatores.

Desde 2015, o Congresso aprovou 61 datas comemorativas. Passamos a ter o dia do samba de roda, do palhaço, do krav magá, do teatro oprimido, do exportador e da parteira tradicional. De 19 de abril de 1889, quando o Marechal Deodoro decretou o Dia da Bandeira, até 2014, as autoridades instituíram 257 datas comemorativas. Grosso modo, duas por ano. Nesta legislatura, as datas foram criadas num ritmo nove vezes maior.

Foram aprovadas também 26 leis nomeando ferrovias, aeroportos, rodovias, elevados, viadutos e pontes. Não se trata de criação de infraestrutura, mas de criação de nomes para a insuficiente infraestrutura existente.

Contabilizadas as homenagens variadas votadas nesta legislatura, a contribuição dos “embaixadores de interesses diferentes” representa um terço da produção originada no parlamento. Taí uma resposta para a distância que estamos da concepção de Burke.

Ah, sim! O Dia Nacional do Humorista cai em 12 de abril, data até então lembrada por um fato mundial irrelevante: a primeira volta do homem em torno da Terra, dada por Yuri Gagarin.



O Globo