sexta-feira, 17 de agosto de 2018

'Lava-Jato argentina': 'Estamos no mesmo caminho que o Brasil', diz jornalista


Cristina Kirchner chega para depor em Buenos Aires - AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS


BUENOS AIRES - No verão passado, o jornalista Diego Cabot, do "La Nación", teve acesso privilegiado aos cadernos da corrupção kirchnerista, hoje prova central da investigação comandada pelo juiz Claudio Bonadio. O material foi entregue a ele por uma fonte que conheceu conversando nas ruas do bairro onde mora, em Buenos Aires, e era amiga do ex-motorista do Ministério do Planejamento que passou dez anos anotando em cadernos todas as operações da rede de corrupção dos governos Kirchner. “Tudo indica que a ex-presidente e seu marido eram os chefes. O esperado é que Cristina termine presa”, disse Cabot ao GLOBO.

Qual foi sua sensação quando leu os cadernos pela primeira vez?
Desde o começo, levei muito a sério todo o material. Escrevi três livros sobre corrupção kirchnerista. Tudo o que está nos cadernos me parece verossímil, mas por isso mesmo fui muito cuidadoso. Chequei as informações várias vezes.

Como conseguiu os cadernos?
Por uma fonte (já revelada e identificada como Jorge Bacigalupo) que conheci no bairro onde moro. Sempre conversávamos. Eu sabia que ela tinha acesso à rede de corrupção do Ministério do Planejamento. Era amigo de Oscar Centeno, o motorista que escreveu os cadernos. Centeno lhe deu os cadernos e ele me passou o material, sem que Centeno soubesse. Tinha lido meus livros, nos conhecíamos, ele confiou em mim.

Por quanto tempo os cadernos estiveram com o senhor?
Uns dois meses, até que Jorge Baratta (ex-chefe de Centeno) saiu da prisão (para onde já voltou). Quando isso aconteceu, Centeno ficou apavorado e pediu os cadernos para o amigo que era minha fonte. Claro que eu já tinha feito cópias.

Por que o jornal não publicou a informação?
Por vários motivos. Para não prejudicar minha fonte e porque sempre pensamos que Centeno, que nunca quis falar comigo, podia negar toda a informação para se proteger de Baratta. Eu sabia que era a maior prova da corrupção vivida pela Argentina, era um sistema claríssimo. Mas não era o momento de ser egoísta. Entregamos o material à Justiça, que já tinha uma pista desde o ano passado (quando a ex-mulher de Centeno falou com Bonadio), e continuamos investigando em paralelo.

Está nascendo uma "Lava-Jato argentina"?
Abrimos uma porta e não sabemos onde terminará. Sim, acho que estamos indo pelo menos caminho que o Brasil. A diferença e o que tranquiliza o governo Macri é que, neste caso, o partido que está sendo afetado pelas investigações não está no governo. As comparações com o Brasil são inevitáveis, e aqui teme-se que esta investigação também tenha um impacto que vá muito além da Justiça, chegando à economia e que paralise o país por um tempo.

A prisão de tantos empresários é inédita…
Os empresários ganharam muito dinheiro, mas estavam fartos dessa forma de fazer negócios. Por isso vemos tantos arrependidos (termo referente aos que negociam a delação).

Bonadio chegará até Cristina Kirchner?
As provas existentes mostram que a ex-presidente e seu marido eram os chefes do esquema. A sensação que existe é que ela manteve esse esquema até o final de seu mandato. Acho que ela será processada e será pedida sua prisão preventiva. Mas depois está a questão política, e isso é imprevisível. Este caso afeta diretamente a forma como se faz política na Argentina e na América Latina, onde os políticos não podem explicar como vivem com seus salários. Está em xeque o sistema político, e a questão não é salvar apenas Cristina, é salvar todos. Mas o esperado é que Cristina termine presa.


Janaína Figueiredo, O Globo