sexta-feira, 20 de julho de 2018

Segurança encrencado complica a vida de Macron, por Vilma Gryzinski

Durou pouco para Emmanuel Macron o clima de congraçamento, manchado aqui e ali por uns saques básicos, criado pela conquista da Copa do Mundo.
Numa crise estranha, provavelmente empurrada por sindicatos de policiais, o presidente se enrolou todo. Quando se deu conta do tamanho da encrenca, fritou rapidamente o segurança parrudo e inepto filmado de capacete entre a tropa de choque no Primeiro de Maio, fazendo uma bizarra hora extra.
Por que raios, clamam até os simpatizantes de Macron, Alexandre Benalla foi autorizado a entrar no meio da ação policial perfeitamente legítima de defesa do patrimônio público e, ilegitimamente, tirar da rua uma garota pela nuca e bater num outro manifestante já dominado?
E por que raios a interferência absurda de Benalla e outro segurança, Vincent Crase, já conhecida no dia seguinte à manifestação via vídeo nas redes sociais, foi acobertada,  falsamente punida na surdina com 15 dias de suspensão de pagamento e ativamente disfarçada, como se isso fosse possível no mundo atual?
Mais espanto ainda: por que Macron, perguntado sobre o comportamento republicano exemplar prometido, respondeu com um idiótico “A república é inalterável”?
E, já que estamos no ramo das perguntas retóricas, o que fazia Alexandre Benalla como guarda-costas do presidente da França, sempre ocupando um espaço a menos de um metro dele e um lugar que deveria corresponder aos profissionais altamente qualificados do serviço público de proteção de autoridades?
A resposta a uma parte dessas perguntas é conhecida: a arrogância do poder.
A outra parte está sendo exposta quase que minuto a minuto pelas revelações espantosas em torno do caso do guarda-costas que deixou o presidente de flanco aberto num momento crítico, quando começaram as sessões parlamentares sobre a reforma constitucional que dinamizaria  instituições emperradas, uma das promessas do programa que elegeu Macron à margem dos grandes partidos.

“FALHA GRAVE”

Primeiro, o que se sabe sobre Benalla. Supostamente, foi do ramo das artes marciais, embora nas cenas filmadas por celular demonstre total falta de intimidade com o ramo da disciplina corporal.
Começou como segurança voluntário do Partido Socialista, onde a prática remonta às várias correntes trotsquistas abrigadas na sigla e paranóicas com o tamanho de seus inimigos (o capitalismo, o stalinismo e, principalmente, os militantes das alas concorrentes).
Benalla foi motorista de Martine Aubry, da turma mais à esquerda do partido, incinerado pela incompetência terminal do presidente François Hollande.
Com o pé dentro do Eliseu, o palácio presidencial, teve uma rápida passagem na equipe de segurança de Arnaud Montebourg, quando ministro da Economia de Hollande.
Com alegria incontida, Montebourg contou ao Le Monde, o jornal que deu o furo, como dispensou Benalla com apenas uma semana de serviço, por “falha funcional grave”, ao provocar um acidente de trânsito e tentar fugir com o ministro junto.
Sobre a alegria: depois de uma atuação desastrosa no comando da economia, quando conseguiu o prodígio de espantar mais ainda investidores estrangeiros, Montebourg foi substituído por Macron.
Assim que deixou o governo, foi passear nos Estados Unidos com sua companheira. O resto da França descobriu dessa forma que ele tinha um caso, nada secreto para os conhecedores, com Aurélie Filippetti, ministra da Cultura que acusou de agressão física um namorado anterior, Thomas Piketty, o economista neomarxista do Capital no Século XXI.
Os romances extra e intraconjugais são mencionados para lembrar a crise patética que engolfou a presidência francesa quando a mulher de Hollande descobriu que ele na verdade estava há um bom tempo em outra e tentou se suicidar.
O detalhe importante é que havia sido eleito justamente sob a promessa de ser o Senhor Normal, um político apagado, mas sem o temperamento e o comportamento explosivos de Nicolas Sarkozy, que em um mês conheceu, se apaixonou e propôs casamento a Carla Bruni.
Isso quando não estava trocando intimidades com milionários que se tornaram amigos de infância, entre outras traficâncias que renderam seis processos na justiça.
Deixar o poder e se encrencar em processos é praticamente um rito de passagem na política francesa – com a honrosa excessão, ressalve-se, de Hollande, hoje um homem de cabelos prematuramente enegrecidos, vivendo feliz com a outra que se tornou a atual, a atriz Julie Gayet.
O repúdio à “política de sempre” foi um dos mais mecanismos de propulsão não só da eleição de Macron como da conquista da maioria parlamentar por um partido que não existia antes de sua campanha presidencial.

AH, OS FATOS

É claro que o desgaste do poder sempre é maior quando as expectativas criadas por um candidato dinâmico e cheio de gás para promover a revitalização tão necessária para a França deparam com o problema mais comum a todos os políticos: os fatos.
Macron conseguiu sobreviver e até poder cantar vitória no confronto com um dos sindicatos mais reacionários da França, o dos ferroviários, um símbolo importante dos benefícios trabalhistas que começam como conquista importante e necessária para a sociedade e terminam como privilégios de casta.
A parte da reforma constitucional que começou a ser discutida – e foi imediatamente paralisada – é cabeludíssima. Entre outras coisas, prevê um limite de mandatos e a diminuição de cadeiras eletivas.
Dá para imaginar uma maioria de dois terços do Legislativo, incluindo o Senado onde a direita tem a maioria, votando a favor?
Um dos recursos de Macron seria apelar a um referendo popular para aprovar a reforma – ou a uma ameaça digna de crédito de fazer isso. Claro que só um presidente forte teria condições de fazer isso.
É autoevidente o tamanho da encrenca política criada pelo estranho caso do guarda-costas amador, escolhido porque “adora” Macron e autorizado a “acompanhar” a atuação policial a pedido individual.
De moletom com capuz e capacete com visor, Alexandre Benalla foi muito além do acompanhamento. Os manifestantes envolvidos são da França Insubmissa, uma espécie de PSOL ampliado. Nem de longe agiram com o modus operandi violento dos Black Blocs no mesmo Primeiro de Maio.
É difícil não concluir que autoridades policiais ficaram insatisfeitas com a atuação do valentão de costas quentes e a maneira como o caso foi tratado pelos responsáveis por ele. Daí para passar o vídeo, cujo autor ignorava totalmente quem estava filmando, para jornalistas curiosos pode ter sido um passo.
Benalla, agora em prisão preventiva, era lotado junto ao chefe de gabinete de Macron, outro geniozinho da mesma escola de obsessivos compulsivos do presidente, François-Xavier Lauch.
Rompido o muro de silêncio, a coisa não parou mais. Benalla tinha carro oficial e apartamento funcional num anexo do Eliseu – exatamente onde moraram a amante e a filha escondida de François Mitterrand. Ah, sim, e um processo por agressão contra pessoa da família.
Ele aparece em muitas fotos com Macron: fazendo esqui na neve, andando de bicicleta e até levando ovadas em lugar do chefe. Ainda vai rolar muita omelete.
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