sábado, 21 de abril de 2018

"Violência e corrupção na agenda do continente", editorial de O Globo

VIII Cúpula das Américas aprova uma cooperação mais estreita entre os países para enfrentar desafios da região. Maioria apoia boicote às eleições na Venezuela


A morte de três jornalistas do jornal equatoriano “El Comercio” e o sequestro de um casal por dissidentes das Farc são indícios dos riscos que ainda pairam sobre o acordo de paz entre o governo colombiano e o mais longevo grupo guerrilheiro latino-americano. As ações dos terroristas, ocorridas na fronteira entre Colômbia e Equador, comoveram a população equatoriana, que realizou na quinta-feira manifestações em várias cidades do país.

Os sequestros e as mortes seriam uma reação à operação conjunta dos dois países para coibir o narcotráfico na região. Javier Ortega, jornalista de 32 anos; Paúl Rivas, de 45, repórter-fotográfico; e o motorista Efraín Segarra, de 60, foram executados a tiros no cativeiro. Os corpos ainda não foram recuperados. O grupo Frente Oliver Sinisterra, liderado por Walter Arizala, conhecido como Guacho, não aceitou os termos do acordo de paz do governo da Colômbia com as Farc. A Frente e outros grupos dissidentes tentam reabrir as rotas de tráfico de cocaína até o Oceano Pacífico, de onde a droga seria exportada para a América Central e os EUA.

A ação desses dissidentes, além de desestabilizar as fronteiras, mostra que a luta ideológica que impulsionava a esquerda heroicamente no passado sucumbiu aos desvios mais mesquinhos. Não se trata apenas da promíscua relação da guerrilha com narcotraficantes, mas também, numa escala maior, de líderes políticos apanhados em esquemas de corrupção, que se disseminaram pelo continente nos últimos anos.

Não à toa, a corrupção foi o tema central da VIII Cúpula das Américas, realizada há uma semana, em Lima. Apesar de esvaziada pela ausência, pela primeira vez, de um presidente americano, o evento foi mais do que uma mera reunião protocolar. Além de questões como propina, lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos, entre outros, os líderes discutiram o drama venezuelano, que ganhou recentemente contornos nítidos de uma crise humanitária.

Considerado o principal responsável pela desestruturação total da Venezuela, como nação, sociedade e economia, o presidente Nicolás Maduro foi desconvidado. Diante da oposição do presidente da Bolívia, Evo Morales, e do chanceler cubano, Bruno Rodríguez, o documento final não faz menção ao regime de Maduro, mas o Grupo de Lima, de 14 países, indicou que não aceitará o resultado das eleições de 20 maio, em que membros da oposição foram proibidos de participar.

O documento final indica uma cooperação mais estreita entre os países da região, sobretudo no combate à corrupção. Num continente em que o realismo fantástico muitas vezes parece ser a forma mais adequada para descrever a realidade, a Cúpula das Américas representou um passo singelo, porém coerente.