sexta-feira, 20 de abril de 2018

Levante do Gueto de Varsóvia completa 75 anos sob sombra do antissemitismo

Folha de São Paulo

Em 19 de abril de 1943, judeus confinados na capital polonesa iniciaram revolta contra os nazistas. Mais de sete décadas depois, muitos apontam um ressurgimento das hostilidades, inclusive uma sobrevivente do Holocausto.
Ela é um "tesouro polonês", diz a funcionária Joanna Krol sobre Krystina Budnicka, enquanto a sobrevivente do Holocausto, hoje com 85 anos, fala sobre a história dos judeus poloneses diante de 400 jovens no Museu Polin, localizado sobre o terreno simbólico do antigo Gueto de Varsóvia e dedicado à trajetória do povo judaico na Polônia.
Já é a terceira vez que alguns dos alunos veem a sobrevivente do gueto, que, há exatos 75 anos, se tornou palco da primeira revolta de civis na Europa ocupada pelos nazistas —o levante, que durou quase um mês, foi brutalmente reprimido.
Em gesto tornado célebre, menino levanta os braços diante de soldados alemães no gueto de Varsóvia, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial
Em gesto tornado célebre, menino levanta os braços diante de soldados alemães
no gueto de Varsóvia, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial 
Associated Press
Para Budnicka, os encontros com os estudantes são uma terapia. "Comecei a falar da minha história quando entrei para a associação das crianças do Holocausto e precisei lidar com o fato de quem eu sou e por que estou viva", relembra.
Isso foi no início dos anos 1990, depois do fim da Guerra Fria e da queda da Cortina de Ferro que dividia a Europa. Naquela época, muitos sobreviventes do Holocausto na Polônia, acompanhados de seus parentes, começaram a recordar suas origens judias.
No gueto, Budnicka se escondeu num bunker especialmente construído para abrigar vítimas do nazismo, enquanto, na superfície, os ocupantes alemães combatiam violentamente o levante dos judeus com lança-chamas, bombas e gás.
Depois de meses de sofrimento, ela finalmente foi salva por membros da resistência. Até o final da guerra, ficou escondida nos arredores de Varsóvia.
"Se eu não pudesse relatar [o que aconteceu], eu teria terminado em alguma instituição psiquiátrica, porque seria muito duro. O fato de eu contar as minhas experiências, aproximar [minha vivência das pessoas], faz com que fique mais fácil conviver com isso", diz a sobrevivente.
Neve cobre flores no memorial do Levante do Gueto de Varsóvia, na capital da Polônia
Neve cobre flores no memorial do Levante do Gueto de Varsóvia, na capital da Polônia
Alik Keplicz/Associated Press

NOVO ANTISSEMITISMO?

O museu Polin, onde Budnicka compartilhou suas experiências, é um dos mais bem-sucedidos da Polônia. Ele descreve a história dos judeus no país desde a Idade Média.
O museu costuma ser muito frequentado, também atualmente, num momento em que muitos acreditam que o antissemitismo voltou à Polônia.
No início de abril, o rabino-chefe do país, Michael Schudrich, foi duramente criticado após uma entrevista à redação alemã da DW.
Os ataques vieram de portais de internet nacionalistas da Polônia, próximos ao partido governista e populista de direita Lei e Justiça (PiS).
Na entrevista, Schudrich havia alertado contra o aumento do antissemitismo no país. No Twitter, foi tachado de "traidor da pátria" por ter criticado a Polônia internacionalmente.
Do lado de fora, diante do museu, fica o memorial em lembrança ao Levante do Gueto de Varsóvia, erguido pela Polônia socialista. Em cima do monumento, há flores e uma bandeira de Israel.
De pé na frente ao memorial, Budnicka parece pensativa. "Esses 30 anos foram refrescantes", afirma a mulher de 85 anos, referindo-se ao modo de lidar com a história desde a queda da Cortina de Ferro —desde que ela também começou a lidar com o próprio passado.
Também ela acredita que o antissemitismo esteja voltando.
"Hoje em dia, destrói-se tudo. Já estávamos em paz. Mas talvez essa paz fosse apenas superficial. Não sei, não sou especialista para avaliar se foi realmente assim. Mas estávamos mesmo em paz. Não se ouvia nada de incidentes antissemitas, e agora a coisa voltou a ficar feia. Mas talvez tudo volte a mudar para melhor", espera.
Budnicka pensa nos vários jovens que ouvem atentamente as suas palestras. Nessa última vez, o interior do museu ficou lotado. Esse tipo de acontecimento lhe dá esperança, diz Budnicka e olha para as fotos do Gueto de Varsóvia feitas pela Wehrmacht (Forças Armadas da Alemanha durante o Terceiro Reich).
As fotos fazem parte do relatório de Jörgen Stroop, líder da SS que chefiou a repressão ao Levante no Gueto de Varsóvia. No documento, constava que o gueto judaico não existia mais.
"Ele mandou o despacho dizendo que a questão judia estava resolvida", diz Budnicka. "Ele explodiu a Sinagoga na rua Tlomackie (Grande Sinagoga) na atual praça financeira da capital polonesa e mandou o telegrama: a questão judia está resolvida, Varsóvia está livre de judeus. Ele estava errado", conta a sobrevivente.
DW