domingo, 22 de abril de 2018

Cassados ou presos, políticos continuam com passaporte

Bernardo Caram, Folha de São Paulo
A prisão ou a cassação de mandato de deputados e senadores pode não ser motivo suficiente para que os parlamentares e seus familiares percam o direito de manter um passaporte diplomático ativo. Sem legislação clara, Câmara, Senado e Itamaraty não assumem responsabilidade pela adoção de medidas para suspender o benefício.
O senador cassado Delcídio do Amaral, na casa do irmão dele, em São Paulo
O senador cassado Delcídio do Amaral, na casa do irmão dele, em São Paulo 
Ana Paula Paiva - 19.mai.2016/Valor
O senador cassado Delcídio do Amaral e o deputado preso João Rodrigues (PSD-PR) são exemplos de manutenção dos documentos.
O passaporte diplomático é emitido para membros do Congresso e pode ser entregue também para cônjuge e filhos que vão acompanhá-los em missões oficiais no exterior. Com ele, passam a ter acesso a filas de entrada separadas em outros países e a dispensa de visto em alguns destinos que fazem essa exigência.
Delcídio foi preso em novembro de 2015 por planejar um esquema para impedir o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró de fechar acordo de delação. O plano envolveria a fuga de Cerveró para a Europa, passando pelo Paraguai.
Foi solto em fevereiro de 2016 e, por ordem da Justiça, devolveu todos os seus passaportes. Em maio do mesmo ano, teve o mandato cassado. Apesar disso, os documentos da esposa e de uma de suas filhas foram mantidos ativos e podem ser usados até julho de 2019.
Apesar de ter sido devolvido, o passaporte do próprio Delcídio consta nos sistemas do Itamaraty como válido.
Em fevereiro deste ano, o deputado João Rodrigues —condenado no Supremo Tribunal Federal a cinco anos e três meses de prisão— desviou a rota de retorno de uma viagem aos Estados Unidos para desembarcar com a família no Paraguai. Acabou não conseguindo entrar no país e foi colocado em um voo para São Paulo, onde foi preso.
Na cadeia, o parlamentar segue com seu passaporte diplomático válido. O mesmo benefício é garantido à esposa e às duas filhas. Todos com validade até julho de 2019, data que ultrapassa inclusive o fim do mandato do parlamentar.
Rodrigues continua com o mandato de deputado. Ele é alvo de representação no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar. O processo, porém, ainda está em fase inicial de análise.
Na legislação relacionada aos passaportes diplomáticos, falta clareza sobre o que deve ser feito. A norma que autoriza a emissão dos documentos aos membros do Congresso, por exemplo, não define quais as circunstâncias que levariam à perda do direito.

OUTRO LADO

Questionado pela Folha, o Senado afirmou que a emissão e o controle de passaportes são de responsabilidade do Ministério de Relações Exteriores. O mesmo argumento é usado pela Câmara, que informou ainda que o cancelamento dos passaportes deve partir de um ofício enviado pelo Itamaraty, no qual solicita a devolução do documento em razão de perda de mandato ou ordem judicial.
O Itamaraty, por sua vez, disse que atua de forma reativa. O ministério informou que a Câmara ou o Senado devem enviar um pedido para que os documentos sejam cancelados. Nos casos específicos de Delcídio, Rodrigues e familiares, a pasta afirmou que não recebeu nenhum pedido de cancelamento.
A assessoria de Delcídio informou que os passaportes do ex-parlamentar foram recolhidos pela Justiça logo depois que ele deixou a prisão. A esposa e a filha de Delcídio emitiram passaportes comuns e deixaram de usar os diplomáticos, informou.
Advogado de João Rodrigues, Cleber Lopes de Oliveira disse que seu cliente considera que a prisão é provisória, injusta e será revertida. Por isso, não vê sentido para a devolução e o cancelamento dos documentos.
Tratamento diferente tiveram Eduardo Cunha (MDB-RJ) e sua esposa, que perderam os documentos após a cassação e a prisão do ex-presidente da Câmara. O sistema do Itamaraty justifica a devolução por “mandato cassado”.
No casos de Paulo Maluf (PP-SP) e Celso Jacob (MDB-RJ), presos, o cancelamento dos passaportes é justificado pelo recebimento de “ofício da Câmara dos Deputados”.