sexta-feira, 20 de abril de 2018

"Areia na engrenagem", por José Paulo Kupfer

O Globo

Estimativas para o crescimento em 2018 vão caindo ao mesmo tempo em que sobem balões de ensaio sobre a injeção de novos recursos na economia


Generaliza-se a percepção de que a economia brasileira perdeu força no início de 2018.

Depois de resultados decepcionantes em janeiro, a divulgação das pesquisas setoriais em fevereiro e as projeções para março indicam que o ritmo da atividade econômica pode estar rodando na metade da velocidade prevista na virada do ano — ou até menos.

Os analistas, sobretudo os que formam na base aliada do governo Temer, imaginavam crescimento de 1% no primeiro trimestre e expansão em torno de 3% em 2018. Mas as estimativas para o avanço da economia no acumulado dos três primeiros meses recuaram para um intervalo entre 0,3% e 0,5% sobre o último trimestre de 2017. As previsões para o ano estão recuando para 2,5%, mas a tendência de descida não parece já ter se encerrado.

Não é por coincidência que balões de ensaio sobre medidas para despejar dinheiro na economia começaram a ser lançados com cada vez mais frequência. Se tudo o que está sendo cogitado for concretizado, cerca de R$ 60 bilhões em recursos novos — à maneira da liberação do FGTS em 2017 — entrariam em circulação.

O fato é que tanto o consumo quanto o investimento deveriam estar reagindo muito mais vigorosamente à baixíssima taxa de inflação e aos juros básicos (taxa Selic) no menor ponto conhecido. Mas, mesmo com reação positiva, embora lenta, da absorção de mão de obra no mercado de trabalho, não é isso que está ocorrendo. Parece ter entrado areia nas engrenagens econômicas.

De um lado, a maior propensão a consumir esbarrou nas hesitações do pessoal que tem conseguido recolocação quase exclusivamente no mercado de trabalho informal, por definição mais instável. De outro, o custo dos crediários oferecidos pelas instituições financeiras, na contramão da descida dos juros básicos, praticamente não recuou — quando não subiu.

Soma muitas décadas a constatação de que as taxas de juros são anormalmente altas na economia brasileira. Toneladas de tinta e papel já foram gastos, ao longo dos anos, na tentativa de diagnosticar o fenômeno e apresentar soluções, nunca suficientemente convincentes. A novidade é que, agora, a taxa básica, antes o grande vilão, está se aproximando dos padrões mais civilizados, mas o custo do crédito não cede. Holofotes foram transferidos para os spreads bancários — a diferença entre o custo de captação de recursos pelos bancos e a taxa cobrada nos empréstimos.

A resistência dos spreads, mesmo sem a rede de proteção da taxa básica de juros, é o “enigma” da vez na interminável busca de explicações para os juros fora de lugar que caracterizam o ambiente econômico brasileiro. A primeira tentação é apontar o dedo acusador para a crescente concentração existente no mercado bancário. De fato, as quatro maiores instituições financeiras — duas públicas e duas privadas —, que há dez anos respondiam por metade do crédito fornecido à praça, hoje concentram quase 80% do total.

São variados os malabarismos argumentativos para tentar driblar o peso da concentração bancária na resistência dos spreads. A culpa seria fruto da inadimplência elevada, da tributação excessiva, dos custos administrativos e regulatórios excepcionais, falta de um cadastro positivo compulsório etc. etc.

Acontece que emprestar dinheiro a pessoas e empresas deveria ser, mas não é a principal atividade bancária no país. Em fins de 2017, segundo levantamentos do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), vinculado à Fipe-USP, do total de recursos captados pelo sistema bancário 72,2% estão direcionados ao financiamento dos déficits e dívidas do setor público. Isso se dá quase inteiramente sob a forma de aquisição de títulos do Tesouro, a maior parte corrigida diariamente pela taxa Selic, sem risco e com rentabilidade garantida.

Como não é difícil perceber, entre mil e uma outras consequências, a crise fiscal também está na base das elevadas taxas efetivas cobradas nos empréstimos bancários. Mas enquanto não for reduzida a parcela da dívida pública atrelada à taxa Selic — que respondia por um quarto da dívida total em 2014 e já hoje concentra metade dela —, nem com equilíbrio das contas públicas as condições de financiamento serão adequadas e pró-crescimento.

José Paulo Kupfer é jornalista