terça-feira, 20 de março de 2018

Gorduras saturadas ainda são vilãs da dieta


Jane Brody, The New York Times


A mídia adora histórias inesperadas que supostamente jogam por terra conselhos e crenças seguidas há muito tempo. Entre as mais populares no campo da saúde estão as que dizem que as gorduras saturadas não provocam doença cardiovascular e que, em vez disso, os óleos vegetais que somos encorajados a consumir podem promover essas doenças.
Homem, com garfo e faca, tenta cortar uma carne em seu prato
Mas os fatos comprovados sobre gorduras alimentares dizem o oposto. Até onde os óleos vegetais poli-insaturados sustentam sua reputação em matéria de saúde, comparados a gorduras saturadas como manteiga, gordura de carne bovina, toucinho e até mesmo óleo de coco
Isso depende da qualidade, dimensões e tempo de duração dos estudos e de quais alimentos são consumidos quando se comem menos gorduras saturadas.
Assim, antes de sucumbir à tentação de achar que se pode comer costelas de porco e laticínios integrais à vontade, é aconselhável levar em conta as conclusões de um estudo que é provavelmente o mais amplo e intocado por considerações comerciais já publicado sobre gordura. 
Trata-se de uma recomendação da Associação Americana de Cardiologistas. Os cientistas foram liderados por Frank Sacks, professor de prevenção de doenças cardiovasculares na escola saúde pública da Universidade Harvard.
O estudo ajuda a explicar por que a campanha travada há décadas para reduzir a incidência de doenças cardiovasculares, afastando a dieta americana do consumo de gorduras animais, não tem tido tanto êxito quando poderia e como ela involuntariamente levou ao alargamento das cinturas e a uma epidemia de diabetes tipo 2.
Quando as pessoas reduzem o consumo de um nutriente específico, geralmente o substituem por outra coisa para manter a ingestão calórica necessária. Em muitos casos, gorduras saturadas —e outras— deram lugar a carboidratos e açúcares refinados. 
Mas as pessoas sentem falta das gorduras pouco saudáveis, e, na mania mais recente, podem ter se apegado ao óleo de coco com a ideia equivocada de que sua gordura principal, altamente saturada, o ácido láurico, e outros nutrientes possam favorecer a saúde, em vez de prejudicá-la.

ESTUDOS ANTIGOS

O novo estudo diz que as conclusões enganosas de que as gorduras saturadas não afetam nosso risco de desenvolver doenças cardiovasculares resultaram em grande medida de pesquisas realizadas de boa-fé, mas que não levaram em conta o que as pessoas que evitavam as gorduras saturadas comiam no lugar delas.
Vários ensaios de outro modo bem projetados envolveram poucos participantes ou não tiveram duração suficiente para chegar a conclusões cientificamente válidas. 

Alguns estudos talvez não tenham demonstrado benefícios da redução das gorduras saturadas porque os participantes teriam substituído essas gorduras por óleos vegetais parcialmente hidrogenados com gorduras trans —ainda mais prejudiciais aos vasos sanguíneos do que as gorduras animais. 
Esse foi um problema do estudo do coração de Sydney conduzido de 1968 a 1973: o grupo experimental recebeu margarina com alto teor de gordura trans, resultando em mais eventos cardiovasculares que entre o grupo que continuou a comer muitas gorduras saturadas, como manteiga.
Ao reunir os resultados de quatro estudos de base dos anos 1960, Sacks viu que reduzir a gordura saturada e substituí-la por óleo vegetal rico em gorduras poli-insaturadas, principalmente óleo de soja sem gorduras trans, reduziu as doenças cardíacas coronarianas em 29% —benefício semelhante ao obtido com o consumo de estatina para reduzir o colesterol.
Em pesquisas posteriores, a maior influência sobre os resultados foi a dos tipos de alimentos que os participantes no estudo ingeriram no lugar de gorduras saturadas. 
Por exemplo, em um estudo com 252 homens britânicos que sofreram ataques cardíacos, o fato de fazerem uma dieta de baixa gordura e alto teor de carboidratos reduziu seus níveis de colesterol em meros 5% e virtualmente não teve efeito sobre ataques cardíacos futuros. Os carboidratos que eles consumiam eram principalmente farinhas e açúcares refinados, com baixo teor de fibras, que promoviam ganho de peso e diabetes, dois dos mais importantes fatores de risco para doenças cardíacas.
A equipe notou que na América do Norte e Europa o efeito da redução de gorduras saturadas foi essencialmente negado pelo consumo maior de grãos refinados, sucos de frutas, sobremesas e lanches doces e bebidas adoçadas com açúcar.
Os cientistas observaram que não foram testados até hoje os benefícios cardiovasculares da substituição de gordura na dieta por carboidratos saudáveis, ricos em nutrientes, e alimentos ricos em fibras, como grãos integrais, verduras, frutas e legumes.
Mas os estudos recentes que analisaram os efeitos de nutrientes específicos mostraram que, quando 5% das calorias de gorduras saturadas foram substituídas por um número igual de calorias de gorduras poli-insaturadas, gorduras mono-insaturadas (como óleos de oliva e canola) ou carboidratos de grãos integrais, o risco de doença cardíaca coronariana caiu em respectivamente 25%, 15% e 9%.
Além disso, quando gorduras poli e mono-insaturadas tomam o lugar de gorduras saturadas, caem os índices de mortalidade por câncer, demência e doenças pulmonares, além de doenças cardíacas e AVCs. 
Em outras palavras, se você quiser realmente se conservar saudável, procure seguir uma dieta de estilo mediterrâneo, rica em alimentos de origem vegetal e óleos vegetais insaturados e tendo como principal fonte de carboidratos os grãos integrais como o arroz integral e triguilho, frutas e vegetais.
Sacks disse que os conselhos a tirar das pesquisas revisadas são simples. “Consuma poucas gorduras saturadas, como manteiga, laticínios integrais, carne bovina e suína gorda, óleo de coco ou azeite de dendê, e substitua-as por óleos vegetais naturais ricos em poli-insaturados –óleos de milho, soja, açafrão-bravo, girassol, amendoim, nogueira e uva”.
Também são saudáveis o óleo de canola e azeite de oliva, ricos em mono e poli-insaturados.
Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição na escola de saúde pública de Harvard, disse que, com base na Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição, hoje quase metade das calorias na dieta americana vem dos carboidratos, e quase 80% dessas são de amidos refinados, açúcar e batatas. 
"A dieta americana mediana não é muito saudável", disse Willett.
O professor de epidemiologia descreveu a gordura do leite e derivados do leite como não tão boa quanto as gorduras vegetais, mas que também não é tão nociva quanto outras gorduras animais. 
Ainda segundo Willet, não é preciso abrir mão completamente do queijo, mas o consumo de laticínios deve ser limitado a uma porção a cada um a três dias, e não três porções diárias.
Quanto ao óleo de coco, Sacks disse: “É a gordura nutricional da moda, mas não foi comprovado que seja saudável”. 
Segundo ele, o óleo de coco é bom para ser usado sobre o corpo, como hidratante da pele ou dos cabelos, mas não necessariamente dentro do corpo, mesmo que ingeri-lo em pequenas quantidades não deva ser prejudicial.