terça-feira, 20 de março de 2018

Com negativa de Cármen, Celso de Mello, o mesmo que facilitou a vida de quadrilheiros de Lula no Mensalão, abre caminho para questão da segunda instância ir a plenário

Breno Pires, Amanda Pupo e Teo Cury, O Estado de São Paulo


O decano do STF, ministro Celso de Mello. Foto: André Dusek/Estadão
O ministro Celso de Mello expôs a escalada da pressão interna sobre a presidente do Supremo para que ela paute o reexame da permissão de prisão de condenados em segunda instância, ao dizer nesta terça-feira (20) que a finalidade de ter proposto à ministra Cármen Lúcia uma reunião informal sobre o tema foi evitar “cobrança pública” e “constrangimento”.
O decano do Supremo revelou que faltou muito pouco para que algum ministro apresentasse, durante a sessão plenária da última quinta-feira, uma questão de ordem que poderia levar ao novo julgamento das ações que tratam dessa matéria mesmo sem Cármen Lúcia pautá-las. O ministro buscava uma solução para que não se chegasse a esse ponto. A reunião acertada pelos decano e pela presidente, no entanto, não ocorreu. Ministros alegaram não terem sido convidados.
“Eu apenas me reuni com a presidente para evitar que na quinta-feira houvesse cobrança pública dirigida a ela em sessão plenária”, disse o decano nesta terça-feira (20) em uma conversa de 16 minutos com repórteres ao pé da porta da Segunda Turma do Supremo.
A cobrança a que o ministro se refere é a hipótese de algum ministro questionar durante a sessão o “poder de agenda” de um presidente do tribunal. Celso de Mello destacou que seria inédito um questionamento à atribuição da presidente da Corte para forçar um julgamento que a presidente não deseja pautar. “Nunca aconteceu na história do Supremo. Ao menos nos quase 29 anos que estou aqui”, disse.
Os comentários do ministro abrem caminho para a apresentação de uma questão de ordem, o que poderia acontecer já na sessão desta quarta-feira. O relator das ações é o ministro Marco Aurélio Mello, mas Celso de Mello não descartou fazer tal movimento.
“Não sei. Vamos aguardar amanhã”, disse Celso de Mello ao ser questionado sobre se ele próprio proporia a questão de ordem.
A pressão interna sobe à proporção que se aproxima da decisão final do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na apelação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a condenação no caso tríplex. Lula corre risco de ser preso se tiver negado um recurso apresentado contra a decisão do tribunal que aumentou para 12 anos e 1 mês a pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Sobre a malfadada reunião, Celso de Mello disse que a ministra Cármen Lúcia não enviou os convites. “Quem deveria fazer o convite é a presidente. Ficou combinado que ela, que aceitou a sugestão desse encontro informal, faria esse convite ontem (segunda-feira). Ontem e hoje (terça-feira) não houve esse convite”, disse.
Segundo a assessoria de Cármen Lúcia, o ministro Celso de Mello perguntou se ela aceitaria participar da reunião e ela respondeu que “teria todo o gosto em recebê-los”, mas não entendeu que deveria convidar os pares.
Os ministros Edson Fachin, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli confirmaram ao Estado não terem sido convidados para reunião alguma. Gilmar Mendes disse que a pergunta sobre convite deveria ser feita à Presidência.
No fim da tarde, o ministro Edson Fachin negou o recurso que havia sido apresentado pelo Instituto Ibero Americano de Direito Público contra a decisão do plenário do Supremo que consagrou o entendimento de que a pena de prisão pode ser executada após condenação segunda instância. Essa decisão enterra as especulações de que esses recursos pudessem motivar uma rediscussão no plenário.
Apesar de o relator das ações ser Marco Aurélio Mello, a decisão coube a Fachin porque ele ficou como redator para o acórdão, uma vez que foi o primeiro a votar na tese vencedora. Na decisão, Fachin lembrou que o relator já liberou as ações para julgamento e que cabe à presidente pautar.
Memoriais. Além da pressão interna, entre a tarde e a noite de ontem, representantes de diversos institutos de advocacia nacionais estiveram nos gabinetes do Supremo para defender a necessidade de julgamento definitivo das ações que tratam da execução antecipada da pena de prisão. A iniciativa partiu do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, autor de uma das duas ações que tratam do tema, e incluiu a entrega de memoriais aos ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello, relator das ações.
Estiveram presentes o conselheiro federal da OAB, Juliano Breda, e os representantes do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), do Instituto Brasileiro de Ciências Cirminais (IBCCRIM), do Instituto de Garantias Penais (IGP) e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
As entidades temem o clima de insegurança e incerteza gerado pela não discussão do tema. “Já virou uma loteria. Quem entra com habeas corpus fica dependendo de quem vai relatar o pedido”, afirmou o advogado Fábio Tofic Simantob.
Um dos advogados presentes, Antônio Carlos de Almeida e Castro, o Kakay, disse que o tema tem de ser discutido independentemente da situação do ex-presidente Lula e que a questão não deve ser personalizada.
“Quando entramos com a ADC, sequer o presidente Lula tinha sido denunciado. Quando ministro Marco Aurélio liberou o processo para julgar, o ex-presidente Lula não tinha sido julgado (no TRF-4). Então esse processo não tem nenhuma relação com Lula. (Ele) Pode se beneficiar como tantos outros. Se o Supremo prestigiar a presunção de inocência, não é em função dele”, disse Fábio Tofic Simantob.