terça-feira, 3 de janeiro de 2017

"Aumentos injustificáveis", editorial do Estadão

Para um governo que promete severo controle de seus gastos e tenta impor às administrações estaduais medidas de austeridade tão ou mais rigorosas do que as que diz ter adotado para si, não poderia ter sido pior o sinal que transmitiu aos brasileiros nos últimos instantes de 2016 com a edição da medida provisória que aumenta os vencimentos de oito categorias de servidores. Nem o anúncio da extinção de 4.689 funções e cargos comissionados feito pouco antes, em linha com as promessas de austeridade, foi suficiente para reduzir o impacto negativo da divulgação dos reajustes. Afinal, a economia esperada com o corte dos cargos comissionados é de R$ 240 milhões por ano, enquanto o reajuste para as oito categorias implicará gastos adicionais de R$ 3,8 bilhões só em 2017.
Medidas contraditórias como essas retiram consistência e credibilidade do discurso do governo sobre o ajuste no setor público. O ajuste, como defende o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e outros integrantes de sua equipe, é medida indispensável para a restauração da confiança dos brasileiros na recuperação econômica. Sem essa confiança, não haverá investimentos nem disposição de consumo para sustentar o crescimento.
A crise fiscal é generalizada e, por isso, sua superação não depende apenas das autoridades federais. Ela é mais grave em várias unidades da Federação, daí o governo Michel Temer ter tomado a decisão correta de condicionar a ajuda federal aos Estados à adoção, por estes, de medidas rigorosas de controle de despesas, entre as quais especialmente as com folha de pagamento. Suspensão de aumentos e mesmo redução do quadro de funcionários estão entre as exigências feitas pelo corpo técnico do Ministério da Fazenda para a renegociação da dívida dos Estados com a União. O ministro Henrique Meirelles disse que “eventual ajuda será o mais rápido possível desde que se obedeça a lei e não prejudique o ajuste federal”.
No momento, o ajuste federal está sendo prejudicado pelo próprio governo federal, com decisões como a de aumentar os vencimentos de auditores da Receita Federal, médicos peritos do INSS e auditores fiscais do trabalho, entre outras carreiras do funcionalismo. Além de inteiramente em desacordo com a política de controle de gastos do governo Temer, o aumento foi formalizado por meio de medida provisória, que, como determina a Constituição, só deve ser utilizada em casos de urgência e relevância, que não é o dos vencimentos de algumas categorias do funcionalismo.
Além disso, o aumento agora concedido por medida provisória já tinha sido proposto pelo governo por meio de projeto de lei, que, numa rara demonstração de responsabilidade diante da gravidade da crise das finanças públicas, os parlamentares não haviam votado até o fim do exercício fiscal.
Causa estranheza a alegação do governo de que, com o aumento agora concedido, cumpre o que foi acertado pelo governo anterior no início de 2016. Nos últimos dez ou 11 meses, a crise fiscal se agravou por causa da persistência da recessão. Também pioraram, e muito, as condições de vida da população, sobretudo daquela parcela, largamente majoritária, que depende de rendas obtidas no setor privado. Situações estáveis em 2016 hoje são insustentáveis.
A existência de 12,1 milhões de brasileiros sem emprego é um dos indicadores mais dramáticos da crise que o País enfrenta. A queda da renda real média de quem vem conseguindo manter uma fonte regular de remuneração é outro aspecto cruel da crise. Em condições normais, o servidor público tem inúmeras vantagens em relação aos empregados do setor privado. Além de maiores garantias no emprego, tem remuneração média muito superior à dos trabalhadores do setor privado. Além de contrariar a política de rigor fiscal proclamada pelo governo, a concessão de aumentos para servidores que já gozam de estabilidade e para carreiras cujo salário mensal inicial supera muitas vezes R$ 15 mil parece escarnecer dos trabalhadores do setor privado.