Não há livre exercício da atividade jornalística sem a preservação do sigilo da fonte. O caráter essencial dessa proteção para a saúde da democracia é tão evidente que consta da lista de direitos e garantias fundamentais da Constituição (art. 5.º, XIV). Malgrado a cristalinidade do que ali vai exposto – “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” –, há magistrados que consideram esse direito secundário ante outras considerações, de modo que se multiplicam decisões judiciais que ordenam a quebra de sigilo telefônico de jornalistas para que investigadores tenham acesso às suas fontes.
O caso mais recente, envolvendo a jornalista do Estado Andreza Matais, é mais um exemplo dessa perigosa tendência de intimidação judicial de jornalistas, que precisa ser revertida imediata e definitivamente pelos tribunais superiores, pois do contrário estará comprometido o direito da sociedade à informação.
O processo em questão diz respeito a reportagens de Andreza Matais publicadas em 2012, quando trabalhava na Folha de S.Paulo. Os textos informavam que o Banco do Brasil havia aberto uma sindicância para apurar movimentações financeiras suspeitas, e citavam o então vice-presidente do banco, Allan Simões Toledo – preso dois anos depois, sob acusação de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Foi Toledo quem pediu que se investigasse a origem das informações obtidas pela repórter.
O juiz Rubens Pedreiro Lopes, do Departamento de Inquéritos Policiais, considerou que a quebra do sigilo da jornalista era “indispensável para o prosseguimento das investigações” e autorizou o acesso da Polícia Civil aos registros de três celulares utilizados por Andreza Matais na época, um dos quais pertencente à Folha de S.Paulo.
Trata-se de decisão obviamente arbitrária. O sigilo da fonte tem de ser preservado porque a sua manutenção frequentemente é a única forma de garantir a coleta e a divulgação de informações do interesse da sociedade. Sem contarem com a proteção do anonimato, as fontes deixarão de fornecer aos jornalistas os dados que podem ajudar a flagrar as tenebrosas transações dos poderosos. A violação do sigilo, mesmo em nome de um elusivo interesse policial e judicial, cria uma situação que mantém a sociedade na ignorância de fatos que deveria conhecer. Isso favorece apenas os que têm contas a acertar com a Justiça.
O caso envolvendo a repórter Andreza Matais é apenas o último de uma lamentável série. Antes dela, em outubro passado, o jornalista Murilo Ramos, da revista Época, teve seu sigilo telefônico quebrado por uma juíza de Brasília, para saber quem forneceu ao repórter um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com os nomes de suspeitos de manter dinheiro ilegalmente no exterior. Em 2014, num caso que ainda tramita no Supremo Tribunal Federal, o Diário da Região, de São José do Rio Preto, e seu repórter Allan de Abreu também tiveram o sigilo telefônico quebrado por ordem judicial, pois eles tiveram acesso a informações sobre uma operação da Polícia Federal. E em outras tantas ocasiões, magistrados permitiram ainda que veículos de imprensa e jornalistas fossem acuados inclusive com atos explícitos de censura.
Em nota conjunta a propósito do caso de Andreza Matais, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Associação Nacional de Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais disseram esperar que a decisão seja reconsiderada, pois “implica em gravíssima violação a um direito constitucional e ao livre exercício da profissão”. Com isso concorda a própria presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, que, no ano passado, disse que “o sigilo é garantido constitucional e legalmente” e que “um jornalista que está exercendo profissão e recebe informação não pode indicar a fonte”.
Se é tão claro assim, mais inexplicáveis ainda são as decisões judiciais que teimam em contrariar esse corolário da liberdade jornalística.