Vem em muito má hora a especulação em torno de uma eventual candidatura de Michel Temer à Presidência em 2018. O presidente em exercício tem de estar integralmente dedicado à difícil tarefa de conduzir o País para fora da tormenta em que o governo de Dilma Rousseff o colocou, e para isso não pode ser refém de interesses eleitorais, cujo horizonte é necessariamente curto. Mais uma vez, o presidente em exercício desautorizou as especulações em torno de tal candidatura e reiterou seu apego à missão de restaurar as finanças nacionais. Afinal, somente assim Temer terá mais chances de convencer os demais atores políticos de que este é o momento de pensar no País em primeiro lugar, deixando de lado vaidades e projetos pessoais. E o primeiro grande teste da capacidade de Temer de liderar esse processo se dará nos próximos dias, com a votação, na Câmara, do projeto de lei que renegocia a dívida dos Estados em troca da adoção de um duro programa de responsabilidade fiscal. O presidente em exercício deverá se concentrar na tarefa de mobilizar os governadores e suas respectivas bancadas na Câmara para aprovar uma proposta que raros políticos em campanha defenderiam, pois implica austeridade e tende a criar atritos com o funcionalismo público.
O projeto em questão é uma espécie de contrato que o governo federal firmou com os Estados para que estes obtivessem um almejado alívio em suas dívidas com a União. A situação das finanças estaduais, como se sabe, é crítica. Parcelamento de salários de servidores, atraso no pagamento de aposentadorias do funcionalismo, calote em credores e abandono de projetos têm marcado o cotidiano de quase todas as unidades da Federação.
A urgência levou os Estados à Justiça para exigir que as parcelas das dívidas fossem corrigidas por juros simples, em vez dos juros compostos, um absurdo evidente, pois o Tesouro, a quem os Estados devem, pagou juros de mercado, compostos, para tomar financiamento. Apesar da insensatez da demanda, a Justiça concedeu liminares a diversos governos estaduais, e em abril o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, que, inexplicavelmente, suspendeu o julgamento e mandou que as partes se acertassem.
A União, a bem da verdade, não pode se queixar da caradura dos governos estaduais, pois passou os últimos anos – os tempos do lulopetismo – a lhes conceder todo tipo de facilidades para ampliar despesas, especialmente com folha de pagamento. Logo, os Estados há tempos aumentam seus gastos na esperança, quase sempre fundamentada, de que terão algum alívio no futuro.
Desta vez, porém, o abrandamento será concedido em troca de um compromisso com a austeridade. O projeto em exame na Câmara suspende até o fim do ano a cobrança das dívidas estaduais com a União, e o pagamento será retomado em 2017, mas com desconto decrescente nos 18 meses seguintes, até atingir o valor cheio da parcela. Em troca, o projeto manda que, nos dois anos seguintes à aprovação, os Estados congelem os salários dos servidores, limitem o crescimento das demais despesas correntes à variação da inflação, deixem de dar novos incentivos fiscais, suspendam a contratação de pessoal e reduzam em 10% a despesa mensal com cargos de livre provimento. Além disso, os Estados devem instituir regime de previdência complementar, monitorar a manutenção do equilíbrio fiscal, verificar sistematicamente a qualidade e a pertinência das políticas públicas, elevar a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores e reformar o regime jurídico do funcionalismo para limitar os penduricalhos nos salários.
É evidente que tal aperto foi muito mal recebido pelos sindicatos de servidores públicos, que, habituados a uma série de privilégios bancados com o dinheiro dos impostos pagos pelos trabalhadores comuns, fazem campanha para impedir a aprovação do projeto, o que só atesta sua pertinência.
Temer terá de ser capaz de enfrentar essa pressão, mostrando aos governadores que não há outra saída senão engajar-se no esforço para aprovar o projeto. Chegou a hora de os Estados se ajustarem à realidade do aperto fiscal e pagarem sua parte da conta.