CARACAS — Em meio a uma profunda crise econômica e à inflação galopante na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro decretou o tradicional aumento do salário mínimo na véspera do Dia do Trabalho, comemorado ontem, numa medida que não terá impacto real no bolso dos venezuelanos e na melhora da qualidade de vida, segundo especialistas. Com o anúncio, feito em um pronunciamento transmitido pela TV, Maduro tenta acalmar a opinião pública num momento em que a oposição ganha mais força para realizar um referendo revogatório contra o presidente.
Já valendo a partir deste mês, o salário mínimo passa a ser de 15.051 bolívares — cerca de US$ 1.505 mensais na taxa de câmbio do governo mais alta, ou US$ 14, segundo a taxa do mercado negro. O bônus de alimentação, concedido a todos os trabalhadores e que pode ser usado em farmácias e supermercados, também subiu. Foi reajustado em 40%, somando 18.585 bolívares.
Desde que foi eleito, em 2013, Madurou decretou o aumento de salário 12 vezes, sendo duas somente neste ano. Mas especialistas advertem que o incremento é insuficiente frente à escalada dos preços no país.
— O problema, como dizemos aqui, é que os salários sobem de escada e a inflação, de elevador. O aumento da remuneração gera uma ilusão monetária de que aparentemente se está ganhado mais. No entanto, como os preços sobem todos os dias, o poder de compra só diminui. É uma ficção. Seria melhor, em vez de subir o salário, frear a inflação com estratégias como reativar a atividade produtiva e aumentar a oferta nacional — analisou o ex-ministro de Indústria e Mineração do governo de Hugo Chávez, Víctor Álvarez, em entrevista por telefone ao GLOBO.
CORTE DE ENERGIA E MUDANÇA DE FUSO
Para Froilán Barrios, secretário-geral do Movimento Laboral (ML) e secretário-executivo da Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV), trata-se de uma “medida desesperada para recuperar terreno frente à insatisfação da população”.
— Aumentar o salário mínimo não resolve o problema de perda de poder aquisitivo. Nossa inflação é uma das mais altas do mundo. No ano passado, o Banco Central da Venezuela calculou uma inflação de 180%, mas consultores internacionais indicaram uma alta de 300%. Para esse ano, já projetam uma alta de 700%. Enquanto houver escassez e desabastecimento, a população não terá acesso pleno aos produtos. A cesta alimentar custa dez vezes mais que o salário mínimo — afirmou Barrios.
Apesar da perda de popularidade e da difícil situação no país, Maduro vangloriou-se ao anunciar a medida, que beneficiará o funcionalismo público, aposentados e militares.
— Fizemos 32 aumentos salariais e de aposentadorias durante esses anos de revolução — disse o mandatário. — Somente um presidente chavista pode fazer isso: defender as aposentadorias, defender os salários.
O novo aumento acontece apenas dois meses depois de uma subida de 20% nos salários, em março. Por meio de seu Twitter, a ONG Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos (Provea) criticou o fato de os venezuelanos comemorarem o Dia do Trabalho com o país mergulhado na maior inflação de sua História e numa deterioração acelerada da qualidade de vida.
“Saudamos o aumento do salário mínimo anunciado pelo presidente Maduro, mas insistimos que é insuficiente para cobrir a cesta básica”, ressaltou a organização. “Aumentos de salário mínimo unilaterais e inadequados, sem abordar as causas que geram o empobrecimento, não geram impactos positivos reais.”
Na mesma linha, o economista e presidente do instituto Datanálisis, Luis Vicente León, defendeu que primeiro é necessário atacar as causas da pressão inflacionária.
— A desvalorização está bem acima do aumento salarial. Nos discursos presidenciais, o Executivo se diz orgulhoso, mas o que isso indica é um terrível desequilíbrio econômico, o que obriga o aumento dos salários — avaliou León ao jornal “El Universal”. — É preciso resolver a geração de dinheiro sem lastro, o problema da produção nacional que gera escassez, diminuir o gasto público e recuperar a confiança do setor empresarial para gerar investimentos.
Víctor Álvarez, que também é pesquisador do Centro Internacional Miranda, acredita que o aumento do salário não terá efeito sobre o descontentamento dos venezuelanos — 60% se mostraram favoráveis à destituição do presidente nas últimas pesquisas.
— É uma máscara de oxigênio, então é bem recebido inicialmente. Mas, como não se sustenta, o mal-estar generalizado da população continua — disse.
A situação no país agravou-se ainda mais com a crise energética, o que forçou o governo a adotar um pacote de medidas polêmicas, incluindo cortes de quatro horas no fornecimento de energia; mudança no fuso horário e redução de jornada de trabalho do funcionalismo para dois dias na semana.
Como parte do plano de racionamento, os venezuelanos adiantaram os seus relógios em 30 minutos ontem. O governo justifica os cortes de energia e outras medidas à seca causada pelo fenômeno El Niño, afirmando que é a pior em 40 anos, e que esvaziou represas como a de El Guri, que fornece 70% da eletricidade da Venezuela.