sexta-feira, 29 de maio de 2015

O romantismo de Fernanda Torres. Ou: O Brasil precisa de mais razão, não de mais emoção!

Com Blog Rodrigo Constantino - Veja


Meu Deus! Vão justificar novamente a barbárie?
Isaiah Berlin é um dos meus filósofos favoritos, pois consegue tratar com objetividade e simplicidade de temas complexos, além de representar como poucos a postura humilde que julgo adequada aos liberais, cientes dos limites da própria razão que tanto valorizam. Parece que Berlin é apreciado pela atriz e escritora Fernanda Torres também, pois foi citado em sua coluna de hoje na Folha. Mas o tiro saiu pela culatra, em minha humilde opinião.
O pano de fundo do texto foi o livro As raízes do Romantismo, lançado recentemente pela Três Estrelas e baseado em palestras do filósofo da década de 1960. Berlin tenta dissecar o movimento romântico alemão, que teria surgido em decorrência de seu relativo atraso econômico, da opressão política e do ressentimento e do sentimento de inferioridade em relação aos franceses e seu Iluminismo. Atacar esse mundo racional era um grito de revolta para esses românticos.
Tudo certo, e tudo ia bem, até Fernanda Torres usar esse pano de fundo para dar um salto quântico e chegar ao assassinato do médico ciclista Jaime Gold. De alguma forma que ainda não entendi bem, talvez depondo contra a própria objetividade elogiada em Berlin, Torres usa o Romantismo analisado, mas não aplaudido pelo filósofo inglês para “justificar” um assassinato cruel praticado por um monstro insensível, menor de idade:
A saga do garoto suspeito de matar o ciclista Jaime Gold, 57, a facadas, no dia 19 de maio, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, é um raio-x da tragédia social que impede o Brasil de dar um salto qualitativo à altura do que curou a Alemanha do seu complexo de vira-lata.
O adolescente cresceu sem pai e é filho de Jane Maria da Silva, uma catadora de lixo de uma favela em Manguinhos. Sozinha, com três filhos para criar, Jane não conseguiu livrar o menino da própria sorte.
Aos 15 anos, ele conta com 16 passagens pela polícia; numa das poucas vezes em que esteve detido, foi torturado e devolvido às ruas.
Quase a totalidade dos menores delinquentes que agora portam facas não terminou sequer o primeiro grau. A falta de creche, de escola, de planejamento familiar, de saneamento básico e de saúde pública –o quadro desolador e insolúvel é cúmplice do assassinato.
Pais irresponsáveis, é o que vejo. Impunidade, é o que vejo. A atriz vê, de alguma forma, um país vítima do complexo de vira-lata, que precisa de um movimento romântico como o alemão para impedir novos assassinatos como esse. Se tivéssemos nosso Schiller, tudo ficaria bem, parece concluir Fernanda. O pequeno monstro assassino talvez fosse um novo Lord Byron tupiniquim, quem sabe?
Curioso que a própria Fernanda Torres reconhece, com Berlin, que a educação, proposta por ela como solução mágica (“para cada novo presídio, cem escolas!”), não ajudou tanto assim a Alemanha: “A boa educação não salvou os alemães de Hitler. O fascismo é um viés do romantismo, afirma Berlin. Mas a falência da pátria educadora resulta em algo comparável ao genocídio: a barbárie”. 
A barbárie não seria também fruto da falta da razão? A barbárie não seria o resultado da impunidade e desse modelo fracassado de ensino público? Fernanda parece ridicularizar a proposta “conservadora” de combate à criminalidade: “Como antídoto, o Congresso discute a redução da maioridade penal e a flexibilização das leis de porte de armas. Há quem defenda a pena de morte. Pelotão neles”. Seria errado, então, endurecer as penas aos crimes hediondos? Devemos tratar com romantismo atos monstruosos que ceifam vidas inocentes? Não é assim que Alemanha faz hoje.
Goethe às vezes é incluído no rol dos românticos, mas como diz Berlin no livro, o poeta permaneceu em posição desconfortável até o fim da vida com seus pares, e nunca passou de fato para o lado do Romantismo. Mais para o fim de sua vida, chegou a afirmar: “O Romantismo é doença, o classismo é saúde”. E “esse é seu sermão fundamental”, diz Berlin.
Não sou nada fã do Iluminismo francês, que levou à guilhotina e ao Terror. Acho limitada a visão de mundo racionalista, que enxerga na Razão, com R maiúsculo, a fonte de tudo. O mundo não é cartesiano dessa forma, e prefiro, por isso mesmo, o Iluminismo britânico, mais humilde, com mais peso para as tradições, o acúmulo de conhecimento que escapa à nossa razão. Mas calma lá: como afirmar que o Brasil precisa de mais romantismo, de mais emoções, e não de mais razão?
O que falta abaixo da linha do Equador é justamente mais razão, mais objetividade, mais do que fez dos anglo-saxões o que são hoje. Apelamos demais às emoções, ao romantismo, a uma visão de mundo extremamente subjetiva e supersticiosa. Já não passamos a mão o suficiente na cabeça de marginais por serem vistos e tratados como “vítimas da sociedade”? Será que não está na hora de fazer como os anglo-saxões e cobrar mais racionalidade das pessoas, e puni-las de acordo quando agirem feito monstros irracionais? Responsabilidade individual: não precisamos dela mais do que de poetas românticos?