Blog do Noblat - O Globo
Um toque de antropofagia do uruguaio Luizito Suarez animou o espetáculo, o futebol vai a todo vapor, entramos nas oitavas de final, as surpresas se multiplicam e as férias terminam com uma grande apoteose no Maracanã no dia 13 de julho.
O Brasil profundo, no entanto, segue na sua marcha natural da vida, e enquanto craques do mundo inteiro protagonizam o fantástico show da bola, os políticos seguem tecendo as suas teias às vezes incompreensíveis de alianças, pactos, trocas, promessas, barganhas, urdindo e maquinando seus projetos para o futuro.
A eleição vai ser o segundo grande evento do ano, ainda que segundo as pesquisas Ibope, 54% das pessoas não estejam dando a menor bola para ela. Ainda.
Cessado o fragor das torcidas e das anti-torcidas nas ruas, voltaremos a prestar atenção no País real.
Por exemplo (e isso não tem nada a ver com a antropofagia citada no começo desse texto - é mera coincidência): segundo dados do governo existem 900 mil índios no Brasil, divididos em 305 etnias que falam 250 idiomas, e eles têm à sua disposição 13% do território físico do País.
O mais recente conflito de terras registrou-se no Mato Grosso do Sul, na região de Sidrolândia e Dois Irmãos de Buriti, a 75 km de Campo Grande, onde a Funai decidiu, dentro de seus impenetráveis critérios antropológicos, aumentar os limites da Terra Indigena Buriti de 2.090 hectares para mais de 17 mil hectares de terra.
Só nessa região, 31 fazendas de criação de gado foram invadidas por índios terenas -- contam-se cerca de 100 fazendas invadidas no estado inteiro de Mato Grosso do Sul, num total de 50 mil hectares. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região julgou improcedente a intenção da Funai e declarou ilegal a nova demarcação feita por ela, e os fazendeiros, seus empregados e suas famílias, tiveram que abandonar as suas terras.
A reintegração de posse foi decretada pela Justiça em maio de 2013, e na ação um terena chamado Oziel Gabriel, que foi filmado armado e resistindo à ação policial, foi morto, acirrando o conflito.
Tentando negociar uma indenização pelas terras invadidas, que alguns deles ocupavam legalmente desde 1927, os produtores recorreram ao governo, que nomeou o INCRA para fixar os valores da indenização. O INCRA decidiu avaliar em 5,3 mil o hectare, que é o mesmo valor médio pago por terras alagadas no Pantanal.
Os critérios da Funai nos processos de demarcação chegaram a ser colocados em dúvida pela então ministra da Casa Civil Gleisi Hoffman e pelo Congresso, que pretende avocar para si o poder de demarcar terras indígenas. A Embrapa chegou a denunciar a falsificação pela Funai de todos os laudos antropológicos, num caso de demarcação de 15 áreas indigenas no Sul do País.
Assim que o show terminar, o País vai ter a oportunidade de voltar a discutir o que quer ser quando crescer.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez e "Armênio Guedes, Sereno Guerreito da Liberdade"(editora Barcarolla). E.mail: svaia@uol.com.br