domingo, 2 de março de 2014

"Enxugando gelo", por Suely Caldas

O Estado de São Paulo

O aumento da taxa de juros Selic para o mesmo nível (10,75%) que vigorava em janeiro de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff tomou posse, causa a incômoda sensação de que o governo passou três anos enxugando gelo e a economia brasileira acabou recuando ao estágio em que Lula a deixou. Não é que a presidente tenha cruzado os braços, se acomodado. Pelo contrário, ela trabalhou muito, até demais, sua gestão foi marcada por intenso ativismo, cobranças aos ministros que respondem com pacotes e pacotes de medidas, muitas esquecidas hoje.

Longe de ser uma tarefa enfadonha e modorrenta, o enxugar gelo de Dilma tem sido trabalhoso e seu significado está ligado justamente aos resultados desse ativismo - alguns nulos, não fizeram diferença; outros desastrosos, que só no último ano de governo ela tenta corrigir; e poucos positivos. A sensação é de perda de tempo.

Os resultados positivos vêm da área social: a baixa taxa de desemprego (5,4%), o crescimento da renda salarial e o reforço ao programa Bolsa Família se destacam. Mas o descuido com a saúde, com a qualidade da educação e com o saneamento foi um ponto negativo. Além disso, o governo não investiu em meios para fazer avançar o Bolsa Família e as falhas de gestão do Minha Casa, Minha Vida têm desperdiçado dinheiro público e ofuscado seu sucesso.

Lançado com a meta de ocupar o vazio de uma política industrial inexistente, o Plano Brasil Maior caiu no esquecimento. Os problemas da indústria não desapareceram e novos surgiram, a produtividade é sofrível, o comércio exterior se deteriora e o setor industrial perde força, espaço e influência na economia - nos últimos três anos caiu sua participação no Produto Interno Bruto (PIB). Excetuando a desoneração da folha salarial, o resultado da política industrial de Dilma é nulo.

Mas o pior vem da gestão da equipe econômica de Dilma, da ação para ativar a economia. Deu tudo errado. Dilma insistiu três anos nos erros e agora recua, tenta corrigi-los, mas lhe falta tempo para reconquistar a confiança. É no que a sensação de enxugar gelo, de perder tempo por nada, se faz mais presente. A lista é grande, vamos a alguns desses erros:

O preconceito ideológico contra a privatização levou Dilma a acordar tarde para o investimento em infraestrutura. Recuou no ano passado, mas fez licitações erradas, com interferências descabidas do governo, e afastou investidores. Corrigiu, mas o tempo que resta é curto para recuperar o atraso.

Escolheu empresas amigas para se tornarem campeãs com dinheiro do BNDES, o objetivo foi frustrado e levou junto alguns bilhões de reais do banco.

Recuou também nas isenções tarifárias para setores industriais eleitos, subtraindo receitas que fizeram falta ao resultado fiscal. Brincou três anos prometendo superávits primários que não entregou e recorreu a operações contábeis primárias para maquiar e fingir que cumpria a meta, piorando o descrédito de investidores. Agora tenta corrigir.

O malabarismo contábil chegou ao comércio exterior e a Petrobrás foi usada para "melhorar" o resultado da balança comercial, com adiamentos de importação de petróleo e registro de exportações de plataformas que nunca saíram do Brasil. Resultado: mais descrédito em sua gestão. Não está claro, neste caso, se haverá recuo.

Enviou ao Congresso projeto para mudar o indexador da dívida dos Estados e municípios para socorrer o prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad. Em seguida recuou ao perceber que seria desastroso para a ameaça de rebaixamento da classificação de risco do Brasil.

Castiga empresas estatais, sobretudo Petrobrás e Eletrobrás, usadas a torto e a direito para controlar a inflação. As duas têm acumulado graves prejuízos vendendo combustíveis e energia elétrica por tarifas abaixo do custo, o que tem reduzido faturamento, subtraído dinheiro para investimentos imprescindíveis ao País, derrete o preço de suas ações nas Bolsas e destrói seu valor patrimonial. O governo sabe que insistir nesse erro é desastroso para as duas estatais, mas não pretende recuar porque ganhar eleição é mais importante. E segue enxugando gelo.