Adalberto Piotto - 'Terras raras; disputas globais fartas'

 O Brasil poderia estar neste jogo, depende de querer ser gente grande e não chegar devendo à mesa de negociação, como agora, quando tem de responder por perseguições políticas internas e apoio a ditaduras




N o auge da Guerra Fria, a crise dos mísseis em Cuba expôs o quão tensa era a divisão territorial do planeta entre Estados Unidos e União Soviética. Foram os 13 dias mais perigosos desde a Segunda Grande Guerra. A ameaça de os soviéticos romperem a bem demarcada área de influência dos norte-americanos a oeste do Atlântico, apesar da Cuba comunista de Fidel Castro, foi quando a humanidade chegou mais perto de uma tragédia nuclear. Desde que o mundo é mundo, cada metro de terreno conta para afirmar o poder de reinos e nações. A globalização e o mundo digital pareciam ter derrubado essas fronteiras. Mas debaixo da terra há o subterrâneo e riquezas ainda imensuráveis. Tudo conta para projetar autoridade. E estar à frente das altas tecnologias é apenas a evolução do que o ouro e o petróleo já representaram e ainda representam. Mas os recursos naturais não foram espalhados democraticamente pelo planeta. As terras raras, um conjunto de 17 elementos químicos que se transformou na corrida tecnológica do século 21, são mais um exemplo dessa desigualdade que gera disputa. Nem todo mundo tem, mas todo mundo precisa. E a lei econômica da demanda por algo raro e escasso eleva o nível do jogo do poder. Das reservas descobertas de “elementos de terras raras”, 98% estão concentradas em apenas oito países. A ONU, que poderia ser o resumo do mundo, tem 193 Estadosmembros. 

Quando o tema são as REEs — sigla em inglês para as terras raras —, ter é poder. E conseguir refinar e processar os 17 elementos químicos do momento, bem mais que isso. É determinar o futuro do mundo pelo controle de insumos especiais que são indispensáveis para a produção de placas de energia solar, telas de smartphones, baterias de carros elétricos, turbinas, radares, drones, mísseis teleguiados e jatos militares, como o F-35, de fabricação americana e um sucesso internacional de vendas. Para entender o cenário geopolítico dessa disputa global, três países dividem o protagonismo: a China, que detém as maiores reservas e capacidade de refino, os Estados Unidos de Trump e sua política externa de recuperação de influência e, acredite, a pacata Holanda. O Brasil, que tem a segunda maior quantidade de terras raras em seu território e quase nenhuma capacidade de processamento, poderia ser o quarto. Mas o país ainda é só a promessa de uma reserva de poder. Até outro dia, o governo Lula mal parecia entender do assunto e tampouco o valor estratégico do negócio. O interesse americano nos minerais brasileiros, nesta nova fase de negociações abertas na Malásia, como forma de reduzir a dependência chinesa, pode mudar isso. Depende de o Brasil querer ser gente grande e não chegar devendo à mesa de negociação, como agora, quando tem de responder por perseguições políticas internas e apoio a ditaduras.


A China detém as maiores reservas e capacidade de refino de terras raras | Foto: Shutterstock


O momento atual da política internacional ainda não sugere uma nova Guerra Fria. Ou nada que se compare à do século 20. No entanto, o governo holandês utilizou a “Lei de Disponibilidade de Bens”, um instrumento legal do país criado no contexto da Segunda Guerra Mundial e no início da Guerra Fria para estatizar a Nexperia, uma empresa holandesa de semicondutores que havia sido comprada por um consórcio estatal chinês. A decisão foi explicada como uma proteção ao país europeu, “uma ameaça à continuidade e à salvaguarda de know-how e capacidades tecnológicas cruciais na Holanda e na Europa”. A Nexperia faz chips que são utilizados nas indústrias automotivas e de eletrônicos. Foi claramente uma medida protecionista. E o protecionismo pode ser comercial ou de escala geopolítica. 

No caso, foram os dois. Em 2017, a Nexperia havia sido desmembrada do grupo nacional NXP Semiconductors e, dois anos depois, em 2019, comprada por US$ 2,75 bilhões pela chinesa Wingtech. Como forma de acelerar seu desenvolvimento, a China compra empresas estratégicas e praticamente nacionaliza, mesmo no exterior, as tecnologias que vêm no pacote de aquisição. Uma vez dona, passa a garantir o fornecimento de insumos vitais para sua própria indústria. Os chineses têm hoje as principais fábricas de EVs, os veículos elétricos. A Nexperia era vital para o negócio. Os holandeses entenderam a manobra. Os americanos, mais ainda. A Wingtech foi colocada na “entity list”, a lista de pessoas ou empresas que oferecem risco à segurança nacional, política externa ou interesses econômicos dos Estados Unidos. 

Tempos atrás, Mark Rutte, Secretário-Geral da Otan e ex-primeiro-ministro holandês, ameaçou com tarifas de 100% os países que continuam comprando petróleo e gás russo, o que indiretamente subsidia a invasão de Moscou na Ucrânia. E mencionou textualmente a China, a Índia e o Brasil. Alguma semelhança com a estratégia da Casa Branca? Absolutamente.


As terras raras, um conjunto de 17 elementos químicos que se transformou na corrida tecnológica do século 21, são mais um exemplo dessa desigualdade que gera disputa. Nem todo mundo tem, mas todo mundo precisa. E a lei econômica da demanda por algo raro e escasso eleva o nível do jogo do poder.


Por muito tempo, o mundo viveu embriagado pelo milagre chinês. Parecia um sonho. Bilhões de dólares injetados na economia de países afetados por baixos níveis de crescimento, com compras de empresas e investimentos, angariavam simpatia automática. Em franca ascensão econômica e cultuando a imagem de serem apenas os financiadores do novo desenvolvimento global, o dinheiro chinês proporcionava dinâmicas novas e fazia ricos e milionários em todos os idiomas. Soava inofensivo. Algo como 100% economia e 0% geopolítica de influência militar. Parecia lindo. Até que veio a escassez da pandemia de covid-19, quando os mesmos chineses, que tinham se tornado a fábrica do planeta, passaram a escolher para quem e quanto mandar de qualquer tipo de produto ou insumo que produziam. O mundo acordou e a simpatia pela China começou a desmoronar. Na história do planeta, ninguém que fica poderoso demais se contenta com suas fronteiras. Os chineses, de histórico imperial, não seriam exceção. Acostumados a duelar com alguém, os EUA foram os primeiros a perceber isso. A guerra comercial do primeiro mandato de Donald Trump, em 2018, nunca foi uma mera questão de tarifas. Afetados severamente pela escassez de insumos hospitalares e de todo tipo na pandemia, com milhares de mortos, os europeus não demoraram a entrar no jogo. Desta vez, dispostos à guerra.



Nexperia faz chips que são utilizados nas indústrias automotiva e de eletrônicos - Foto: Reprodução/Nexperia 


Reconfiguração geopolítica à força 

A gritaria chinesa com o que chamou de confisco de sua empresa de semicondutores pela Holanda é o sinal mais preciso de que o governo de Pequim sabe exatamente o que aconteceu. A China, que veria seu PIB ser multiplicado mais de oito vezes nos últimos 20 anos, apostou na ganância ocidental de produzir a baixo custo com trabalhadores chineses obrigados a extenuantes horas nas linhas de montagem. O preço era uma parceria de compartilhamento de tecnologia com cada indústria que aceitou ir para a China. Como as marcas e o sucesso de imagem ainda permaneceram inicialmente com as empresas europeias e americanas, muita gente topou. Deu certo até que o híbrido chinês de capitalismo com ditadura de controle político ficou rico e poderoso. O passo seguinte seria inevitavelmente o de influenciar. Não por acaso. O império chinês que detém as maiores reservas e controla a maior parte do refino de terras raras é também a segunda maior economia do mundo, o maior consumidor de commodities e uma fonte de produtos de alta tecnologia crescente. Não apenas isso. É uma potência militar que investe pesadamente em porta-aviões, caças militares de 5ª geração e tecnologia stealth, a de camuflagem furtiva aérea, o máximo em aviação militar. Em tudo o que o mundo quer, seja avanço tecnológico, poder ou necessidade por metas climáticas, as terras raras são essenciais. Quando Donald Trump disse que acabaria com a obrigação e privilégios fiscais para carros elétricos nos EUA, por exemplo, não era um desaforo a Elon Musk, da Tesla, seu aliado de primeira hora na eleição do ano passado. Mirava o gigante asiático. 


O império chinês, que detém as maiores reservas e controla a maior parte do refino de terras raras, é também a segunda maior economia do mundo, o maior consumidor de commodities e uma fonte de produtos de alta tecnologia crescente - Foto: Shutterstock

A reação da Holanda em parceria com os EUA para conter as pretensões chinesas de projeção internacional é apenas uma das evidências de que a lua de mel com a China acabou. De parceira comercial, a China se tornou concorrente do mundo inteiro. E, dada a sua capacidade de influenciar pela imensa capacidade econômica, uma ameaça. Na guerra recente, os números de commodities e insumos explicam o que está na mesa. Os chineses são altamente dependentes de semicondutores, consumindo mais de 50% de todos os chips de alta tecnologia que o mundo produz, sobretudo os EUA e a Europa. Foi aí que a Holanda entrou nesse intrincado jogo de controle estratégico de oferta de chips aos chineses. Colocou o concorrente pelos mesmos insumos na fila de espera. Como na pandemia, só que com sinais trocados. 

Ao ser limitada no acesso aos produtos da própria fábrica que controlava na Holanda, a China se viu forçada a negociar diretamente com os Estados Unidos, que dependem de suas terras raras. Nvidia, AMD e Qualcomm, gigantes da tecnologia do Vale do Silício, respondem por quase 50% das vendas globais. Sob Trump, que desde a primeira administração, a Casa Branca tem imposto uma série de regras que estrangulam a oferta aos chineses, a conversa sobe de nível. É um xadrez de política internacional em que, até antes da pandemia, o governo de Pequim derrubava peças e abria caminho para suas pretensões globais de poder e influência. Não mais. Agora, há um novo elemento de peso para contrabalançar as negociações. Fato é que a segunda administração de Donald Trump à frente da Casa Branca faz da política internacional uma sucessão intensa de acontecimentos só menor que a política doméstica de Washington DC. 

Já no final de sua viagem à Ásia, o presidente americano anunciou um acordo com a China. Em troca de redução de tarifas e de investigações da Seção 301 da sua indústria naval, Pequin vai comprar mais soja dos EUA e suspendeu por um ano as proibições de exportação de terras raras. No encontro em Busan, na Coreia do Sul, Trump e Xi Jinping trocaram afagos e elogios. Ainda é um acordo frágil que será revisto anualmente pelas equipes das duas potências. Mas o tabuleiro da geopolítica mudou. O que o líder chinês vai dizer ao púbico interno talvez não importe porque se trata de uma ditadura. Mas o atual ocupante do Salão Oval vai contar mais uma vitória no melhor estilo Trump de ser e dançar. 

Os 17 elementos das terras raras são o Escândio, Ítrio, Lantânio, Cério, Praseodímio, Neodímio, Promécio, Samário, Európio, Gadolínio, Térbio, Disprósio, Hólmio, Érbio, Túlio, Itérbio e Lutécio. Sugerem até algo de ficção científica. Não seria um exagero. Mas hoje são os 17 nomes de metais da Tabela Periódica que estão em cada inovação tecnológica que nenhum cidadão do mundo abriria mão de ter. E no poderio estratégico ou militar do qual as potências mundiais jamais vão prescindir. É a realidade da farta disputa por poder e influência desde que o homem desceu das árvores e tomou conta da terra. A vida é assim. Nisso, não vai mudar.


Revista Oeste

Flávio Gordon - 'A direita nacional e a cumplicidade na expansão do Poder'

 A tragédia política de nosso tempo não está apenas nos tiranos de toga ou nos burocratas que se acreditam deuses, mas nos governados que desejam um dia ocupar o seu trono


Foto: Shutterstock 


“A democracia, tal como a praticamos, centralizadora, regulamentadora e absolutista, mostra-se, portanto, como o período de incubação da tirania.” (Bertrand de Jouvenel) 

“A democracia não é o oposto da ditadura. É a causa dela.” (Georges Bernanos)


H á um século e meio, Benjamin Constant — o liberal suíço, não o positivista brasileiro — já havia antecipado uma das características fundamentais da política partidária moderna. Em seu Cours de Politique Constitutionnelle, descreveu o problema com tal presciência que quase se poderia incluir parte da assim chamada direita brasileira contemporânea entre seus exemplos empíricos. Nas palavras de Constant: “Os homens de partido, por mais puras que sejam suas intenções, sempre se recusam a limitar a soberania [do governante]. Consideram-se seus herdeiros e tratam de cuidar, mesmo na mão dos inimigos, de sua propriedade futura.” 

A lição remete à grande obra de Bertrand de Jouvenel, O Poder: história natural de seu crescimento, na qual o autor aponta para uma progressiva “cumplicidade geral na expansão do Poder”. Para o pensador francês, a modernidade criou um paradoxo político: ao abrir o acesso teórico ao Poder para todos, dissolvendo a figura visível do soberano — o rei que governava em nome próprio e cuja autoridade podia ser reconhecida e combatida —, instituiu-se uma forma nova e muito mais eficaz de dominação. A tirania passou a vestir o disfarce da impessoalidade, operando sob o manto da abstração rousseauniana da “vontade geral”, enquanto a sociedade, fascinada pela promessa de Poder rotativo, tornou-se cúmplice de sua própria sujeição. Cada cidadão, vislumbrando a chance de um dia se tornar “autoridade”, perdeu o impulso de contestar as engrenagens do sistema, preferindo preservá-las para eventualmente colocá-las a seu serviço. 


Livro O Poder: história natural de seu crescimento de Bertrand de Jouvenel | Foto: Divulgação

Essa ficção — segundo a qual o Poder não tem rosto, e o Estado é apenas instrumento neutro da coletividade — é talvez a mais eficaz invenção da modernidade política. É também o fundamento psicológico de toda servidão contemporânea. Pois, quando o Poder deixa de ser percebido como relação entre pessoas (governantes e governados), torna-se muito mais difícil resistir-lhe. Ele passa a ser visto como algo natural e inevitável, uma força quase física, a exemplo da gravidade. E, por óbvio, só um insensato se oporia a uma lei natural.

A tese de Jouvenel oferece a chave para compreender um fenômeno particularmente brasileiro: a dócil submissão de parte da direita partidária ao regime juristocrático que, desde 2019, consolidou um estado de exceção sob o pretexto de defender a democracia. Paradoxalmente, embora vítima preferencial desse sistema, essa mesma direita revelou-se também uma de suas principais cúmplices. Diante dos abusos de Alexandre de Moraes e da conversão do Supremo Tribunal Federal em comitê central de governo, figuras como Ciro Nogueira, Gilberto Kassab e o próprio Tarcísio de Freitas não apenas se calaram, mas se esforçaram para cultivar boas relações com o novo clero togado. “A gente não briga com Alexandre de Moraes. A gente se une a ele”, declarou o governador paulista, em frase que sintetiza o espírito de colaboração passiva que se espalhou entre os que deveriam, ao menos em tese, opor-se ao arbítrio. Nem mesmo Jair Bolsonaro, possivelmente convencido por advogados ansiosos por preservar uma relação amistosa com a elite togada, escapou da tentação de pedir permissão para fazer uma piadinha reverente com seu algoz, na vã esperança de colher sua boa vontade.


Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes no julgamento da denúncia sobre o núcleo 1 da Pet 12.100, pela Primeira Turma do STF (25/3/2025) | Foto: Antonio Augusto/STF

Comecei com Ciro Nogueira porque ele representa a forma mais acabada desse espírito. Líder do Centrão, entendeu como poucos o valor de adaptar-se ao humor do Poder vigente — ora aliando-se ao lulopetismo, ora ao bolsonarismo, mas sempre com a mesma disposição “pragmática” de garantir o seu quinhão. Seu alegado realismo político, que muitos tomam por esperteza, é na verdade o índice mais claro da cumplicidade com o Poder de que fala Jouvenel. Para alguém como Nogueira, o Poder é puramente uma técnica, um objeto que políticos profissionais de sua safra acreditam ser capazes de manipular ao bel-prazer, quando, na verdade, são inteiramente manipulados por ele. 

Gilberto Kassab, por sua vez, é um sintoma da mesma doença: a acomodação sistêmica. Sua habilidade de estar sempre presente, ainda que discretamente, em todos os governos mostra a perfeita assimilação da lógica moderna do Poder: a ideia de que o Estado é um condomínio de interesses, não um campo de disputa entre princípios e visões de mundo. Para Kassab, como para tantos outros, “governabilidade” não significa a manutenção da justiça ou da ordem constitucional, mas apenas o funcionamento contínuo da máquina, qualquer que seja o operador. Daí a facilidade com que aceita a expansão da autoridade judicial: o importante é que o sistema continue a funcionar, mesmo que à custa das liberdades civis.


O Presidente Nacional do PSD, Gilberto Kassab, fala aos jornalistas após reunião com o presidente Jair Bolsonaro, em Brasília, DF (4/4/2019) | Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A coisa não melhora quando consideramos Tarcísio de Freitas. Ele é o político que, em tese, deveria encarnar o legado disruptivo e antissistema do bolsonarismo, mas acabou representando a tragédia de uma direita positivista-tecnocrática, cuja crença pueril é redimir o Leviatã via eficiência. Sua frase sobre “unir-se” a Alexandre de Moraes não deve ser lida apenas como uma rendição tática, mas como a confissão de fé numa concepção gerencial de Poder. Para Tarcísio, como para tantos tecnocratas modernos, a política é um problema de administração, e a justiça, de “coordenação institucional”. Nesse horizonte, o arbítrio judicial não é retratado como um mal intolerável, mas como um “excesso de protagonismo” a ser calibrado — uma anomalia que o bom gestor deve resolver com diálogo e respeito institucional. 

Eis por que, à luz de Jouvenel, não seria correto reduzir o fenômeno a mero produto de covardia ou hesitação pessoal — embora esse fator também contribua para o problema. Ele é consequência lógica de uma mentalidade que, em vez de encarar o Poder como princípio a ser limitado, toma-o por instrumento a ser conquistado. Carente de cultura política, a direita brasileira é condicionada a ver no mandato e no cargo estatal os meios exclusivos de ação. Assim, o problema seria menos o mecanismo em si — a hipertrofia do Judiciário, por exemplo — e mais o fato de estar sendo usado pelo adversário. A esperança secreta é que, uma vez de volta ao comando, tudo possa ser refeito, mas sempre dentro do mesmo sistema. É essa ilusão que Jouvenel descreve como a cumplicidade geral em favor do Poder.


Tarcísio de Freitas no Prêmio Band Cidades Excelentes, em São Paulo, SP (14/10/2025) - Foto: Paulo Guereta/Governo do Estado SP


A situação piora quanto mais formalmente democrático for o regime, tornando-se mais fácil ao Poder expandir-se, uma vez que a luta política, em vez de limitar a autoridade, apenas multiplica seus canais. Ao prometer a todos uma virtual fatia do mando, o sistema transforma potenciais adversários em cúmplices. O parlamentar que hoje se indigna com a censura crê, no fundo, que amanhã pode dispor do mesmo instrumento para silenciar o adversário. O ministro que se cala diante de uma prisão arbitrária sonha secretamente com o dia em que poderá ordenar uma. O resultado é o triunfo de uma moral de servidão voluntária, travestida de prudência institucional. Daí o esforço contínuo para manter acesa a chama da esperança eleitoral. Daí as recorrentes manifestações de respeito às 'instituições' da 'justiça',  ainda que já esteja claro aos olhos do mundo que ela não passa de um disfarce mal-ajambrado para o ativismo radical de burocratas não eleitos.

O fenômeno é agravado pela natureza engessada e centralizada da política brasileira. Por uma deformação estrutural do nosso sistema (bem pouco) representativo, a proximidade com o Poder sempre substitui a convicção, e o cálculo eleitoreiro anula invariavelmente toda consideração de princípio. Nesse contexto, o tão propalado “pragmatismo” — em verdade, um eufemismo centrista para rendição — tornou-se a virtude suprema da oposição nacional. A fortaleza torna-se imprudência, e a pusilanimidade, sabedoria. Sob essa capa alegadamente respeitável, o Poder cresce impessoal e anônimo, como descreve Jouvenel, enquanto todos disputam um lugarzinho sob sua sombra, posto que humilhante.


Ilustração: Shutterstock


Nesse cenário, a própria ideia de “oposição” se enfraquece e perde substância. Afinal, entre se opor ao Poder e cortejá-lo, a direita 

“pragmática” brasileira — mui esperta e maquiavélica, claro está — opta sempre pela segunda atitude. O efeito cumulativo é devastador, pois o Poder se torna tanto mais irredutível quanto mais se lhe concede. A esperança de “unir-se” a ele, de negociar com ele, é precisamente o que o alimenta. Como demonstra Jouvenel, o Poder cresce pela adesão dos que sonham em possuí-lo e que, portanto, o reverenciam mesmo quando são suas vítimas preferenciais. Todo pacto com o Poder é um pacto faustiano — um acordão em prol da saúde do “Príncipe deste mundo”. 

No fundo, a tragédia política de nosso tempo não está apenas nos tiranos de toga ou nos burocratas que se acreditam deuses, mas nos governados que desejam um dia ocupar o seu trono. O poder moderno sobrevive dessa esperança mesquinha e igualitária: a de que todos possam mandar, desde que aguardem a sua vez. É essa ilusão democrática que impede a rebeldia e perpetua o despotismo. Como ensinou Jouvenel, o Poder não cresce apenas pela violência dos que o exercem, mas sobretudo pela covardia dos que o admiram. Enquanto a direita brasileira continuar a sonhar com o dia em que poderá controlar o monstro em vez de destruí-lo, continuará, ainda que de joelhos, a ser sua serva mais fiel.

Flávio Gordon - Revista Oeste

'Diplomacia Trumpiana: sorrisos e porretes', por Ana Paula Henkel

 Apertos de mãos e uma inabalável guerra contra as drogas


Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Encontro com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Foto: Stuckert/P 

E m um mundo onde as cúpulas internacionais frequentemente se resumem a protocolos rígidos e declarações ensaiadas, Donald Trump continua a ser o agente imprevisível e, paradoxalmente, o mais eficaz. Sua turnê asiática, concluída nesta semana, exemplificou isso: uma sequência de encontros bilaterais que misturou afabilidade genuína com barganhas implacáveis, resultando em avanços concretos que escapam à burocracia multilateral. 

No centro desta narrativa, dois momentos se destacam para quem está no Brasil: o encontro com Lula, na trilha da Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), em Kuala Lumpur, e o tête-àtête com o líder chinês Xi Jinping, em Busan, na Coreia do Sul. 

Em ambos, Trump exibiu seu estilo característico — sorrisos largos, piadas que quebram o gelo e elogios efusivos —, mas sempre ancorado em uma agenda inegociável: a defesa dos interesses americanos, com ênfase na guerra contra o narcotráfico. Essa abordagem, que ele transformou em bandeira de campanha em 2024, não é mera retórica; é uma estratégia que, agora em ação, revela as contradições de uma diplomacia global ainda atônita com sua eficiência.


O presidente dos EUA, Donald Trump, cumprimenta o presidente chinês, Xi Jinping, durante uma reunião bilateral no Aeroporto Internacional de Gimhae, à margem da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), em Busan, Coreia do Sul (30/10/2025) - Foto: Reuters/Evelyn Hockstei

O encontro com Lula, ocorrido no domingo, 26 de outubro, foi um microcosmo dessa dinâmica trumpiana. Realizada nos corredores do Centro de Convenções de Kuala Lumpur, a reunião durou cerca de 45 minutos e transcorreu em um tom de cordialidade que beirava o teatral. 

Trump, fiel ao seu repertório, abriu com um sorriso amplo e uma piada sobre o fuso horário, arrancando risos do presidente brasileiro e de suas equipes. Lula, por sua vez, retribuiu com um abraço e elogios à “energia inesgotável” do americano. Eles trocaram números de telefone diretos como se fossem velhos compadres de golfe. O gesto não era desprovido de cálculo: Trump elogiou abertamente a “paixão de Lula pelo Brasil”, chamando-o de “líder forte que entende o que é proteger seu povo” — palavras que ecoam sua própria diretriz de soberania nacional. Mas, por trás da camaradagem, o cerne era comercial e político: as tarifas de 50% impostas pelos EUA sobre produtos brasileiros que Trump vinculara na carta de 9 de julho a perseguições políticas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.


Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante o 47ª Cúpula da

Lula chegou à mesa com uma agenda escrita em inglês, entregue pessoalmente a Trump, listando reivindicações para uma suspensão temporária das tarifas durante as negociações. “Estamos aqui para resolver, não para brigar”, disse o petista em coletiva posterior, descrevendo o encontro como “muito bom” e “amigável”, com uma “impressão positiva de que logo não teremos mais problemas entre EUA e Brasil”. Chega a ser curioso como Donald Trump passou de “fascista” a “amigo” em 39 segundos. 

O presidente americano, por sua vez, foi igualmente otimista: “Vamos fazer acordos bem legais para os dois países; o Brasil é um parceiro fantástico”. Acordaram, então, em iniciar discussões imediatas entre as equipes — uma aparente vitória tática para o chanceler brasileiro Mauro Vieira, que havia pavimentado o terreno em visitas prévias a Washington. 

No entanto, o resultado concreto, além da marcação de mais uma nova reunião em algum momento, foi opaco: nenhuma reversão imediata das tarifas, que continuam como ferramenta de pressão americana para concessões em minerais raros e críticos, essenciais para a indústria de defesa e tecnologia dos EUA. Os americanos seguem desenhando um jogo duro, com as tarifas servindo como alavanca para extrair mais do Brasil em setores estratégicos, além da pressão para que o Estado de Direito volte a ser respeitado no Brasil. 


O presidente dos EUA, Donald Trump, acompanhado pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, pelo secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, e pelo representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, reúne-se com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e outras autoridades, à margem da 47ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), em Kuala Lumpur, Malásia (26/10/2025) - Foto: Reuters/Evelyn Hockstein 


Esse padrão de afabilidade calculada se repetiu, em escala ainda maior, no encontro com Xi Jinping na Coreia do Sul, na quinta-feira, 30 de outubro. O encontro, que durou quase duas horas, foi descrito por Trump como “Incrível. De 0 a 10, eu diria que foi 12!”. Trump, em tom hiperbólico, enalteceu Xi como “um grande líder de um país poderoso e forte”. Os dois trocaram apertos de mãos firmes, sorrisos contidos e piadas sobre a “competição amigável” entre superpotências. 

Xi, mais reservado, elogiou a “relação fantástica de longo prazo” que os dois cultivam. A estrutura acordada foi substancial: redução das tarifas totais sobre importações chinesas de 57% para 47%, com corte específico de 20% para 10% nas relacionadas ao fentanil; retomada de compras massivas de soja americana; e fim ao “bloqueio” chinês em exportações de terras raras, cruciais para baterias e semicondutores. Em troca, Pequim prometeu “trabalhar muito duro” para restringir precursores químicos do fentanil, fechando rotas que alimentam cartéis mexicanos e o fluxo para os EUA — uma praga que mata cerca de 100 mil americanos por ano.

Aqui, a consistência da diplomacia trumpiana emerge com clareza: educação e elogios como prelúdio a barganhas duras, onde o fentanil emerge não como pano de fundo, mas como fio condutor de uma cruzada pessoal. Essa cruzada remonta à campanha de 2024, quando Trump elevou a “guerra às drogas” a mantra eleitoral. 


O presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente chinês, Xi Jinping, conversam ao saírem do Aeroporto Internacional de Gimhae após uma reunião bilateral, à margem da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), em Busan, Coreia do Sul (30/10/2025) - Foto: Reuters/Evelyn Hockstein 

Em comícios lotados, ele prometeu impor tarifas ao México e à China se não pararem o fentanil, evocando imagens de “invasão química” pela fronteira sul. “Vamos acabar com a crise do vício; não descansaremos até vencer”, ele dizia, propondo pena de morte para traficantes, embargo naval a cartéis e uso de forças especiais para “infligir dano máximo”. 

Agora, no poder, Trump operacionaliza essas promessas com ações concretas. E o encontro com Xi é significativo: a redução das “tarifas fentanil” de 20% para 10% é diretamente atrelada à promessa chinesa de ações fortes contra precursores — uma vitória que Trump celebrou como “um passo gigante para a segurança nacional”. 

Em um discurso contundente na semana passada na Casa Branca sobre operações contra o tráfico de drogas na América Latina, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, comparou os cartéis mexicanos e sul-americanos à Al-Qaeda, afirmando que “estes são os terroristas estrangeiros designados, os Al-Qaeda do Hemisfério Ocidental”.


O secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, discursa ao lado do presidente dos EUA, Donald Trump, durante o anúncio de Trump sobre as políticas de seu governo contra cartéis e tráfico humano, no Salão de Jantar de Estado da Casa Branca, em Washington, D.C., EUA (23/10/2025) - Foto: Reuters/Jonathan Ernst 

Hegseth enfatizou que, assim como a geração anterior dedicou duas décadas a caçar a Al-Qaeda e o Isis por meio de mapeamento de redes e eliminação implacável, os cartéis — que “intimidam, aterrorizam, extorquem e envenenam o povo americano” — serão tratados da mesma forma impiedosa. “Nossa mensagem a essas organizações terroristas estrangeiras é clara: nós os trataremos como tratamos a AlQaeda. Nós os encontraremos, mapearemos suas redes e os eliminaremos, sem refúgio ou perdão — apenas justiça”, declarou, justificando os recentes ataques militares contra embarcações de narcotraficantes no Caribe e Pacífico, que já resultaram em dezenas de mortes e salvam, segundo ele, “25 mil vidas americanas por navio destruído”. Essa postura reflete a plataforma de Trump para desamarrar as mãos do Exército e declarar guerra total ao narcoterrorismo, transformando o front contra as drogas em zona de combate sem concessões. 

Paralelamente, a diplomacia com Lula ganha contornos regionais nessa guerra. Embora o bilateralismo em Kuala Lumpur não tenha tocado explicitamente no tema, o contexto é inescapável, principalmente depois das cenas de guerra que foram mostradas ao mundo esta semana: o Brasil, epicentro de rotas narcóticas sulamericanas, deveria ver nos EUA um aliado potencial contra facções como o PCC e o Comando Vermelho. Mas isso não acontece.


Armas de fogo são exibidas durante uma coletiva de imprensa. Segundo a polícia, as armas foram apreendidas na operação policial mais letal da história do Brasil, no Rio de Janeiro (29/10/2025) - Foto: Reuters/Tita Barros 

A administração Donald Trump já solicitou formalmente que cartéis de drogas sejam classificados como organizações terroristas internacionais, apoiada por seus especialistas em contraterrorismo. Mas esse avanço encontra resistência explícita no governo Lula, que se recusa a incluir facções criminosas na lista de grupos terroristas. 

Amarrando os fios, o encontro com Lula esconde ares que não são mostrados na diplomacia pública. O Brasil, com suas fronteiras porosas e facções que controlam territórios inteiros, poderia ser pivô em uma aliança antinarcoterrorismo — mas deliberadamente escolhe não fazê-lo. As tarifas de 50% pressionam Brasília por concessões em minerais, mas também abrem portas para cooperação: inteligência compartilhada, operações conjuntas no Atlântico Sul e sanções a rotas que alimentam o fentanil via Paraguai e Bolívia.



Um pacote de fentanil em pó com uma seringa e notas de dólar | Foto: Shutterstock

No fim, a diplomacia de Trump revela-se uma arte que poucos mostram perspicácia em colocar em ação: educada na superfície, implacável no cerne. Seus sorrisos com Lula e Xi não são fraqueza ou abertura para território, mas uma ferramenta para desarmar adversários antes do golpe.

A guerra às drogas — da China ao Brasil — transcende a promessa de campanha de Trump: é uma visão de mundo em que a América não suplica permissão para se defender. Ao Brasil, o recado é inequívoco: sente-se, verdadeiramente, à mesa ou permaneça à margem das tarifas e das consequências da guerra contra o narcoterrorismo. 

Em um hemisfério sitiado pelo caos químico, eis a barganha crua da era Trump: sem quimeras de multilateralismo barato, apenas acordos que salvam vidas.

Revista Oeste

'É recebendo que se dá', por Eugênio Esser

 Nos anos 1980 e 1990, quando corruptos tinham medo da imprensa, e a imprensa lhes tinha asco, o debate sobre ética era levado a sério no Brasil


O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) | Foto: Taba Benedicto/Estadão Conteúdo


Sejam bem-vindos, cínicos do Brasil, à sigla que pode até não ser o maior partido do ocidente, mas é aquela que determina os caminhos, e principalmente os descaminhos, do país


D epois de décadas acompanhando o zigue-zague de políticos volúveis, penso que está na hora de redigir o estatuto de um novo partido que, embora não exista oficialmente, já é a maior agremiação partidária do Brasil pelo critério de número de adeptos. Sua sigla será PQm — assim mesmo, com um eme minúsculo ao final, um eme claramente envergonhado de sua existência, mas um eme muito real. Diria, inclusive, que na política brasileira não há nada mais real que este franzino eme a que me refiro.

Apresento-lhes, então, sem mais delongas, o PQm — Partido Queromeu. Se você lia jornais nos anos 1980 e degustava uma das coisas mais sérias que a imprensa brasileira publicava — quadrinhos de humor —, então já se apercebeu da origem deste nome. 

“Queromeu” é um personagem criado pelo cronista Luis Fernando Verissimo (1936-2025) no jornal gaúcho Zero Hora, e aparecia de vez em quando na tira “As cobras”. Na realidade, tinha nome e sobrenome. “Queromeu, o corrupião corrupto”. 

Era assim que “LFV” apresentava a versão satírica que criou de um pássaro que, acredite, existe mesmo. O corrupião é um bicho muito bonito. 

Bonito até demais, pelo nome que tem. O corrupião tem um peito cor-de-laranja que contrasta lindamente com o negro que envolve a cabeça e desce ao pescoço, dando a impressão de que veste um capuz preto. Sei que esta alusão a uma capa preta traz evocações sinistras nos dias que correm, mas o corrupião não abre a boca, digo, o bico, para ameaçar ou perseguir, e sim para cantar. 

Um canto muito apreciado, registre-se. Verissimo recorreu a “Queromeu, o corrupião corrupto” para introduzir um personagem melancolicamente realista nas reflexões por vezes idealistas, até ingênuas, das duas cobrinhas que ele criou para sua famosa série de tiras cômicas. Nos anos 1980 e 1990, quando corruptos tinham medo da imprensa, e a imprensa lhes tinha asco, o debate sobre ética era levado a sério no Brasil.


Tirinha com personagem “Queromeu, o corrupião corrupto” do cronista Luis Fernando Verissimo (1936-2025) - Ilustração: Reprodução/Redes Sociais

Em um episódio memorável, uma das cobras comenta com a outra: “Queromeu, o corrupião corrupto, parece despreocupado…” No quadrinho seguinte, Queromeu aparece em cena. É um pássaro empertigado, confiante, que traz na lapela (passarinho tem lapela?) um troço que brilha. Talvez um diamante, uma pedra preciosa — um “sinal exterior de riqueza”. A cobra falante resolve provocar o corrupião. 

— Estão dizendo que desta vez os corruptos vão para a cadeia, Queromeu… O corrupião se mantém imperturbável.

 — Temos fé no nosso santo padroeiro. 

— E quem é? — quis saber a cobra que até então se mantinha calada. 

— São Nunca! — responde o altivo corrupião de brilhante na lapela. Não sei quem será o fundador e presidente de honra (?!) do PQm. Há uma legião de pessoas habilitadas. Pense, você mesmo, em quantos você sabe que se encaixariam no perfil descrito por aquele samba magistral de Jorge Aragão, Dida e Neoci Dias: “Você pagou / com traição / a quem sempre lhe deu / a mão”. 

Como diria Michel Temer, aliás figura de relevo neste tema, “vir-lheão” inúmeros nomes, caros leitores. E o curioso é a brasilidade deste universo. O Partido Queromeu veste como luva em homens, mulheres, moços, velhos, gente de pele clara, de tez escura, de penteado convencional ou de cabelo colorido, brinquinho e piercing. 

O PQm acolhe a todos os tipos que demonstram vocação para pensar apenas em si mesmos. E dispõem de um eleitorado farto, porque milhões de brasileiros votam no primeiro que lhes alcança ou promete um benefício qualquer. São eleitores potenciais do Partido Queromeu.


Você pode dizer “calma lá” e argumentar que não é bem uma questão de caráter e sim de ignorância, chamando a atenção para a existência de um imenso contingente de brasileiros que nem sabe a diferença entre um prefeito e um vereador, ou que vota para presidente imaginando estar elegendo alguém do Judiciário — confusão que transpareceu em live da multimilionária cantora Anita, em 2020. 

Sim, o analfabetismo político, que acomete até gente que foi à escola ou que vive sem problemas econômicos, é parte do problema. Mas não tanto quanto a miserabilidade social, que salta aos olhos quando se percebe que mais de 50 milhões de brasileiros sobrevivem de Bolsa Família e estão à margem do mercado de trabalho formal. Não se deve generalizar, mas uma porção significativa destes dependentes da esmola oficial engrossou a taxa de alienação política que, em 2022, alcançou um patamar desolador. Mais de 32 milhões de brasileiros, uma Venezuela inteira, se abstiveram de votar no segundo turno da eleição que confrontou Bolsonaro e Lula. 

Dos eleitores, passemos agora aos eleitos pelo Partido Queromeu. São, de longe, a maior bancada do Congresso Nacional, e formam uma espécie de geleia, sem forma definida. Aderem ao governo dependendo do que recebem em troca. A grande imprensa os hostiliza e chama de Centrão — quando dão apoio a um governo conservador. Quando o vento vira e eles se oferecem para barganhar com um governo sedizente de esquerda, ganham rótulos adicionais e mais brandos: base do governo ou, até, “centro democrático”


Tirinha com personagem “Queromeu, o corrupião corrupto” do cronista Luis Fernando Verissimo (1936-2025) | Ilustração: Reprodução/Enem

Em setembro de 1993, em meio a uma Caravana do PT, Lula disse que a Câmara dos Deputados tinha pelo menos 300 picaretas. “E eles foram eleitos, não caíram lá de paraquedas.” A fala de Lula causou estupor — era o tempo em que o PT prometia não roubar e não deixar roubar. Inspirou inclusive uma música da banda Paralamas do Sucesso chamada “Luiz Inácio (300 Picaretas)”. 

Nunca ouviu falar desta música? Foi convenientemente esquecida, inclusive por seus criadores. Os versos da canção (“Luiz Inácio falou / Luiz Inácio avisou / são 300 picaretas / com anel de doutor”) se tornaram, com o passar do tempo, uma crítica ao próprio PT. Porque Lula chegou ao poder e decidiu que governaria comprando os picaretas que um dia denunciou. A estratégia, digna da admiração de Queromeu, o corrupião corrupto, foi desvendada com o escândalo do Mensalão (Ação Penal 470, Supremo Tribunal Federal).




Pior do que isso: hoje, no terceiro mandato de Lula, a compra de deputados e senadores, via liberação de emendas e loteamento de estatais, se institucionalizou. Já não gera canção de protesto e muito menos ação penal no Supremo Tribunal Federal pela singela razão de que, no Brasil de hoje, não há um governo, mas um regime. 

E, neste regime, todo poder emana do STF e em nome de Lula é exercido. Difícil até definir o que temos, se uma juristocracia presidencial, se um presidencialismo judicial. Só sabemos que o sistema de freios e contrapesos do Estado de Direito se esboroou e temos, hoje, uma juristocracia que põe governo e depõe oposição à revelia do sentimento popular e imune ao voto dos cidadãos. 

Você há de perguntar: onde, nesta geringonça de poder, entra o Partido Queromeu? Seria preciso um outro artigo para analisar a troca de benesses e nomeações entre o governo, o STF, o Ministério Público, as duas casas do Congresso Nacional, o Tribunal de Contas da União — órgão auxiliar do Poder Legislativo — e, ainda, instâncias privadas que se deixaram cooptar pelo “mecanismo brasileiro”. A saber, a chamada “grande imprensa” e entidades acumpliciadas com o regime, OAB à frente, seguida de perto por ONGs com financiamento internacional.

Em todas essas engrenagens, há adeptos, conscientes ou não, do Partido Queromeu. Todos merecedores de um reluzente broche do PQm, com a figura icônica do corrupião, mascote do partido de maior expressão na política e, dói dizer, na sociedade brasileira destes inglórios dias.

Eugênio Esser - Revista Oeste

Estatais federais têm rombo recorde em 9 meses: R$8,9 bilhões

Dados são do Bando Central e expõem os danos causados pelo governo Lula na gestão das empresas


Sede dos Correios em Brasília. (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado).


As empresas estatais brasileiras acumularam um déficit recorde de R$8,9 bilhões entre janeiro e setembro de 2025, segundo dados do Banco Central divulgados no relatório Estatísticas Fiscais. 

Esse é o pior resultado desde o início da série histórica, em 2002, e representa um aumento de 94% em relação ao mesmo período do ano passado.

O cálculo do Banco Central considera apenas as estatais não financeiras, o que exclui companhias como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e Petrobras. Ainda assim, o resultado chama atenção por mostrar uma forte deterioração das contas dessas empresas, que podem exigir maior aporte do Tesouro Nacional, pressionando as contas.

Enquanto isso, as estatais estaduais registraram superávit de R$1,5 bilhão no mesmo período. Um dos principais destaques negativos entre as federais é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que acumulou R$4,4 bilhões de prejuízo apenas no primeiro semestre.

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) contestou a metodologia do Banco Central, afirmando que os dados não refletem a real situação financeira das empresas, já que não levam em conta indicadores como ativos, passivos, receitas ou lucros líquidos.

Apesar das críticas, o resultado divulgado pelo BC é considerado um sinal de alerta fiscal, já que mostra aumento na “necessidade de financiamento” das estatais, indicador que mede impacto direto nessas empresas no orçamento federal.

Artur Souza - Diário da Corte

Trabalho do ex-presidiário Lula no combate ao tráfico é ruim ou péssimo para 56% dos cariocas

 Levantamento do Paraná Pesquisas detalha a impressão do povo da cidade do Rio de Janeiro em relação à atuação do presidente da República contra o narcotráfico


O derscondenado Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia oficial no Palácio do Planalto - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil


Realizado dois dias depois da megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte carioca, levantamento do Paraná Pesquisas indica rejeição do público da capital fluminense em relação à postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no combate ao tráfico de drogas. 

Divulgada na tarde desta sexta-feira, 31, mas com entrevistas feitas na quinta-feira 30, a pesquisa mostra a maioria absoluta dos cariocas desaprovando o petista no quesito segurança pública local. Conforme o material, 56,1% dos moradores da cidade do Rio de Janeiro definem como ruim (11,1%) ou péssima (45%) o trabalho de Lula contra o tráfico de entorpecentes.

A avaliação do presidente nesse sentido se completa com 26,5% classificando a sua atuação contra o crime organizado como regular. Bom foi a resposta dada por 8,3% do total de entrevistados, com 5,9% de ótimo. Além disso, 3,3% não souberam opinar ou não quiseram responder.

Sob comando da Polícia Civil e da Polícia Militar do Rio de Janeiro, a Operação Contenção foi deflagrada na última terça-feira, 28. A ação mirou a facção criminosa Comando Vermelho, que domina os territórios das favelas que compõem os complexos do Alemão e da Penha. Ao todo, 117 criminosos foram neutralizados. Quatro policiais morreram em confrontos com bandidos. 


Combate ao tráfico: Castro mais bem avaliado que Lula

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, é mais bem avaliado que Lula no quesito combate ao tráfico de drogas. Conforme o Paraná Pesquisas, 33,4% dos cariocas classificam o trabalho do chefe do Executivo fluminense como bom (19,4%) ou ótimo (14%).

Segundo o levantamento, 30,6% dos entrevistados definem a atuação de Castro contra o tráfico como regular. Péssimo e ruim completam a lista, com 24,4% e 8,1%, respectivamente. Por fim, 3,5% não souberam responder ou não quiseram participar da pesquisa.






Anderson Scardoelli - Revista Oeste

Quase 88% dos moradores de favelas do Rio aprovam megaoperação policial

 Índice de reprovação da operação contra o tráfico é de apenas 12,1%


Escultura do Cristo Redentor, uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno e um dos cartões postais do Rio de Janeiro. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil).


Levantamento do Instituto AtlasIntel mostra que mais de 87% da população que reside em favelas do Rio de Janeiro, aprovam a megaoperação contra o tráfico que ocorreu no Estado, esta semana.

Conforme a pesquisa, 87,6% dos moradores de favelas cariocas aprovam a medida. Apenas 12,1% disseram reprovar a operação e 0,3% não souberam responder.

O levantamento apontou ainda que o restante da população do RJ também aprovou a medida: 55% aprovam; 40,5% disseram reprovar e 4,5% não souberam responder.

Índice nacional

Ainda de acordo com a pesquisa, 80,9% dos moradores de favelas de todo o País disseram aprovar a megaoperação. Outros 19,1% foram contrários.

Entre os moradores que não residem em favelas, 51,8% aprovam e 45,4% disseram reprovar. Outros 2,8% não souberam responder.

Veja abaixo:

O levantamento foi realizado por meio de entrevistas virtuais e foram ouvidas 1.089 pessoas adultas no cenário nacional entre os dias 29 e 30 de outubro. A margem de erro é de 3,3 pontos percentuais e o nível de confiança é de 95%.

No Rio de Janeiro, foram entrevistas 1.527 pessoas adultas, também de forma virtual, entre os dias 29 e 30 de outubro. A margem de erro é de 3,3 pontos percentuais e o nível de confiança é de 95%.

Diário do Poder

Augusto Nunes e a 'Celebração da ignorância'

 O presidente que vive torturando a língua portuguesa virou doutor honoris causa também na Malásia





L ula é o único presidente da República que nunca leu um livro, acha leitura pior que exercício em esteira e, quando escreve ou discursa, submete a língua portuguesa a medonhas sessões de tortura. Como isto aqui é o Brasil, nenhum chefe do governo brasileiro ganhou mais títulos de doutor honoris causa que o Exterminador do Plural: já são pelo menos 37. O primeiro foi-lhe entregue em janeiro de 2011 pela Universidade Federal de Viçosa. O mais recente alegrou, neste fim de outubro, uma das escalas de outro passeio por terras estrangeiras. Fantasiado de fidalgo português dos tempos do Descobrimento do Brasil, o único presidente que não escaparia de um zero com louvor na prova de redação do Enem recebeu da Universidade Nacional da Malásia o título de Doutor Honoris Causa em Filosofia e Desenvolvimento Internacional do Sul Global.

Em Viçosa, a reitora em exercício Nilda de Fátima Ferreira Soares convidou o homenageado a assinar um Livro de Ouro que registra a passagem de visitantes ilustres. O doutor achou que uma assinatura era pouco. E a UFV foi premiada com um manuscrito de Lula — raridade que, como a ararinha azul, demora alguns anos para dar as caras. Sem correções nem retoques, a coluna transcreve o documento histórico: “Para os amigos e amigas da UFV com agradecimento pelo trabalho prestado ao povo brasileiro com educação de qualidade, garantindo ao povo brasileiro a certeza de bons profissionais para atender o desenvolvimento do nosso querido Brasil. Abraços do amigo Lula. Sem medo de ser feliz”. Somadas ao título de doutor honoris causa, as 45 palavras rabiscadas confirmam que até reitores apoiam a celebração da ignorância. 


“Para os amigos e amigas da UFV com agradecimento pelo trabalho prestado ao povo brasileiro com educação de qualidade, garantindo ao povo brasileiro a certeza de bons profissionais para atender o desenvolvimento do nosso querido Brasil. Abraços do amigo Lula. Sem medo de ser feliz” - Foto: Reprodução


Apesar do buquê de redundâncias, das vírgulas guilhotinadas e da profundidade da mensagem (tão rasa que, na imagem de Nelson Rodrigues, uma formiga poderia atravessá-la com água pelas canelas), a platitude eleva-se à categoria de texto literário se confrontada com o manuscrito de estreia, também reproduzido sem retoques:



“Ao querido Dogival com a esperança que em um futuro bem proximo possa compreender a nossa luta. Abraço do titio Lula. Cubatão, 07/11/81” | Foto: Reprodução


“Ao querido Dogival com a esperança que em um futuro bem proximo possa compreender a nossa luta. Abraço do titio Lula. Cubatão, 07/11/81.” 

Ao rabiscar as 22 palavras, Lula fez mais que cumprimentar um sobrinho aniversariante. Também fuzilou uma preposição, degolou três vírgulas, demitiu um acento agudo e confirmou que quem foge da escola tem letra de pior aluno do Jardim de Infância. Depois dessa mensagem, os garranchos titubeantes de quem trocou salas de aula por estilingadas em passarinhos mergulharam na clandestinidade. Em dezembro de 2005, a ararinha-azul da caligrafia reapareceu em 19 palavras rabiscadas numa folha de papel. Avistada pelo repórter Alan Marques e capturada por um fotógrafo do Globo, foi exposta à visitação pública na primeira página do jornal.



"em demandas do Conselho que precisa ser discutido” | Foto: Reprodução


Como se vê na reprodução acima, a raridade se divide em dois tópicos. O segundo agrupa anotações quase indecifráveis e pouco relevantes. Valioso é o primeiro: “Tem demandas do Conselho que precisa ser discutido”. Não é fácil juntar numa só frase um verbo inadequado, um erro de concordância e dois assassinatos do plural. Lula conseguiu. Menos de dois meses depois de ter assassinado a língua portuguesa numa carta escrita ao parceiro Wagnão (Wagner Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), Lula retomou a sequência de atentados contra o idioma, agora com um bilhete de 11 linhas sem destinatário definido. As correções no original, reproduzidas abaixo, atestam que o autor cometeu pelo menos oito crimes, alguns dos quais hediondos. Um exemplo: em vez de “Haddad”, rabiscou um “Hadad”.


Carta escrita a Wagner Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC - Foto: Reprodução 

Num vídeo que há muito tempo faz sucesso na internet, Lula confessa ao diretor de teatro Flávio Rangel que não estudou por preguiça. “Sempre fui muito preguiçoso”, reitera com a candura de quem admite ter cometido o mais irrelevante pecado venial. Feliz com a festinha à fantasia na Malásia, fez de conta que analfabetos são os outros, nunca um doutor honoris causa, e fingiu que ignorância não tem nada a ver com preguiça. Transcrevo sem correções: “As pessoas que são analfabeta não são analfabeta por sua responsabilidade. Essas pessoa ficaram analfabeta porque este país nunca teve um governo que se preocupasse com a educação”. Nos últimos 25 anos, o bando do PT governou o Brasil por quase 17. Lula acha pouco. Aos 80 anos, comunicou que quer mais cinco no Palácio do Planalto.


Tenham juízo, brasileiros.  

Augusto Nunes - Revista Oeste

Sílvio Navarro e 'O Narcoestado'

 Rio Janeiro expõe a falência do sistema de segurança do país e a conivência da esquerda com o crime  


Membros da unidade especial da Polícia Militar patrulham uma rua durante uma operação policial contra o tráfico de drogas na favela da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, Brasil, em 28 de outubro de 2025 - Foto: Reuters/Aline Massuca


Na última terça-feira, 28, o Rio de Janeiro foi palco de um filme de horror: a fumaça escura dos pneus queimados em barricadas custou a se dissipar no céu, o comércio fechou as portas cravejadas por balas, dezenas de corpos foram arrastados para uma praça — os que estavam na mata fechada chegaram só no dia seguinte —, e gritos de revolta tomaram as vielas dos populosos complexos do Alemão e da Penha, territórios demarcados pela facção criminosa Comando Vermelho. A Polícia Militar acabara de enfrentar um verdadeiro exército de bandidos armados até os dentes. Oficialmente, cerca de 120 pessoas morreram na operação, entre elas, quatro policiais — dois civis e dois militares. E mais de 110 foram presas. 

O número de presos e a fuga em massa dos traficantes para a mata, desocupando temporariamente a área, retratam o sucesso da empreitada policial. Mas essa é a ponta do iceberg: o Brasil tem um problema grave e urgente para enfrentar, e a segurança será o grande tema das eleições do ano que vem. Logo, se a solução passa pela política, uma pergunta é inevitável: de que lado o presidente Lula da Silva está nessa guerra? 




A última manifestação de Lula antes da batalha contra o narcotráfico foi feita na semana passada, durante uma viagem à Indonésia. Ele disse: “Os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também”. E não para por aí: “Você tem uma troca de gente que vende, porque tem gente que compra”. No dia seguinte, a equipe de propaganda do petista disse que a frase foi “mal colocada”. 

A fala foi considerada um desastre até pelo PT. Mas o fato é que, se Lula embananou-se ou não, ou se deixou escapar o que realmente pensa, a declaração é peça de um mosaico muito mais complicado. A esquerda não consegue combater a bandidagem. Pelo contrário: passa um verniz de mazela social em todas as frentes possíveis, seja nas universidades, na mídia tradicional, no Judiciário e, principalmente, na seara cultural. 

O criminoso é retratado como vítima da falta de acesso a equipamentos públicos e oportunidades — além dos demais rótulos que a militância adora das “minorias” — preto, pobre, LGBT, indígena etc. Qual o resultado? As facções crescem quando a esquerda está no poder — a maior delas, o PCC, movimenta bilhões por ano e está presente em mais Estados do que a rede McDonald’s (24 e no Distrito Federal). 

Uma cena antiga correu as redes sociais nesta semana porque é atemporal: uma mãe se desespera ao encontrar o filho, integrante do Comando Vermelho, algemado, na delegacia de Praça Seca, no Rio. Ela diz: “Você não é vítima da sociedade coisa nenhuma”. Os policiais tentam acalmá-la. “Você tem pai e tem mãe que trabalham. Você está aqui por causa das suas escolhas” (veja o vídeo abaixo). 


A mãe de um jovem chegou desesperada à delegacia da Praça Seca, no Rio de Janeiro, após a prisão do filho pelo 18º BPM, acusado de tráfico de drogas na comunidade do Calango, na sexta-feira (12). Ela autorizou a divulgação das imagens do momento e falou emocionada sobre o filho. “Ele sempre foi o mais querido, mais amado. Acho que errei com excesso de amor… todas essas escolhas foram dele”, disse. Para ela, o jovem nunca foi vítima da sociedade: “Tem pai, tem mãe… tudo o que aconteceu por ele foram escolhas”. Apesar da dor, a mãe afirmou que ainda acredita na chance de o filho se regenerar.


Cláudio Castro - É revoltante ver até onde o crime é capaz de ir para tentar enganar a população. Circulam vídeos mostrando claramente a manipulação de corpos depois dos confrontos: pessoas cortando roupas camufladas, tentando mudar a cena para culpar a polícia.


Essa relativização moral vem ganhando espaço no campo ideológico da esquerda há décadas. Detém o apoio da velha mídia e dos artistas — vide as letras de funk, em apologia ao crime, absolutamente toleradas. Na terça-feira, a deputada fluminense Taliria Petrone, do Psol, sacou a carta do vitimismo na Câmara. Aos gritos, arrumou confusão e acusou o governador Cláudio Castro de ter promovido uma chacina contra jovens pobres. Detalhe: foram apreendidos mais de 70 fuzis similares aos usados no Oriente Médio e drones com granadas. Estavam em posse da tal tropa franzina de garotos — um fuzil carregado pesa, em média, 4 quilos. 

Taliria é o retrato dessa hipocrisia da esquerda. Ela disse que o drama do Rio de Janeiro começa porque o governador Cláudio Castro é “bolsonarista”. Essa, aliás, é uma questão que transborda. Não é só o Psol: o grupo Globo, por exemplo, não consegue aceitar a existência do “bolsonarismo” e passou a semana inteira mergulhado em malabarismo retórico. 

Outro fator nessa salada ideológica é transformar a polícia em vilã. Há dois meses, o Brasil descobriu, por exemplo, que um jovem magrelo, de cabelo colorido, é capaz de mobilizar uma turba em frente à penitenciária de Bangu em protesto contra a polícia. O nome dele é Oruam, filho do traficante Marcinho VP e sobrinho de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes. O rapper virou manchete nos jornais com a frase: “Atrás de um fuzil, existe um ser humano” e “O Estado massacra demais”. 




As bancadas do Psol e do PT concordam com o cantor de funk. A deputada é autora de um projeto de lei que proíbe a Polícia Militar de usar helicópteros e drones em favelas. A polícia já não pode sobrevoar favelas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A ementa do projeto de lei 2040/2025 diz: “Dispõe sobre a restrição do uso de aeronaves, tripuladas ou não, em operações policiais com foco na proteção da vida, dos direitos fundamentais e da integridade das populações residentes nas áreas afetadas”. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. 

Há dias, a TV Globo e os portais dos jornais antigos martelam sobre a “letalidade policial”. Nenhum especialista, contudo, apresentou uma única proposta para acabar com o Comando Vermelho, uma facção que nasceu da Falange Vermelha, quando criminosos se misturaram com presos políticos no presídio de Ilha Grande, em 1979. 

Morro acima, policiais encontraram cemitérios clandestinos do CV — um deles era um poço com 30 metros de profundidade. O CV é o exemplo mais antigo de domínio territorial. São áreas onde o sistema penal foi substituído por um tribunal do crime — em ciência política, esse rompimento configura o fim do “contrato social”. Traduzindo: quem faz a lei é quem manda no morro, e não o Estado — por isso, é comum encontrar pichações em muros com dizeres “é proibido roubar na favela”. 




Nas comunidades sob domínio do CV regra do proibido roubar é adotada como forma de evitar presença da polícia, atrapalhando a atividade principal do grupo: o comércio de drogas - Foto: Reprodução/Ramon Aquim/Revista Piauí



Cartazes foram espalhados com mensagesns proibindo roubos em favela do Rio - Foto: Reprodução 


Isso fica claro na decisão que autorizou a empreitada pela polícia, com aval do Ministério Público, assinada pelo juiz Leonardo Rodrigues da Silva Picanço. O magistrado expediu 60 mandados de prisão. A enorme lista reúne apelidos bem conhecidos na região, principalmente o Doca ou Urso, apontado como principal líder da facção, e seu braço-direito, Pedro Bala. 

O juiz fala em prática sistemática de tortura, exploração de menores e ameaças aos moradores. “Os elementos de convicção deixam revelar indícios suficientes de autoria e prova da materialidade dos crimes de tortura e associação para o tráfico de drogas, praticados com emprego de arma de fogo e envolvendo adolescentes”, afirmou o magistrado. O jornal Folha de S.Paulo publicou informações sobre conversas interceptadas entre os traficantes. 

Há vídeos com punições violentas, pessoas amordaçadas, arrastadas por carros e implorando perdão aos comandantes do CV. Um deles, apelidado de “Bafo”, pergunta a um homem ensanguentado se ele “quer morrer logo” para diminuir o sofrimento. 

No caso do Rio, a geografia é parte crucial no domínio territorial. É aqui que entra a ADPF das Favelas, uma ação apresentada no STF durante a pandemia pelo PSB. O intuito é atender pedidos de ONGs para impedir a patrulha aérea da polícia nos morros. Os ativistas reclamam que, a bordo de helicóptero, a polícia atira de cima para baixo, o que deixaria moradores vulneráveis aos tiroteios. 

Por isso, o CV tem metralhadoras com calibre capaz de derrubar aeronaves. Mas cabe uma pergunta nesse debate: quando a polícia sobe o morro a pé, quem atira de cima para baixo? A chuva de balas não é disparada pelos traficantes? Quem usou drones com explosivos na terça-feira? A PM ou o CV? (veja o vídeo abaixo).


Cláudio Castro - É assim que a polícia do Rio de Janeiro é recebida por criminosos: com bombas lançadas por drones. Esse é o tamanho do desafio que enfrentamos. Não é mais crime comum, é narcoterrorismo.


No aspecto operacional, por que a ação desta semana foi certeira? O planejamento da tropa de elite da PM — aquele pelotão do filme Tropa de Elite — foi batizado de “Muro do Bope (Batalhão de Operações Especiais)”. Os criminosos foram isolados, justamente para minimizar o efeito colateral de operações de guerra. Os traficantes foram empurrados para a mata — era uma armadilha. Foi aí que o jogo mudou: a polícia ficou no ponto mais alto, na Serra da Misericórdia. Segundo a PM, havia chefes do tráfico de outros Estados no local — Goiás, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Amazonas e Pará.

“Distribuímos as tropas pelo terreno. O diferencial, em relação às imagens que mostravam criminosos fortemente armados buscando refúgio na área de mata, foi a incursão dos agentes do Bope na parte mais alta da montanha que separa as duas comunidades”, disse o coronel Marcelo de Menezes, secretário da Polícia Militar do Rio de Janeiro. “Essa ação criou uma linha de contenção”, afirmou. Conclusão: a PM protegeu os civis porque empurrou os criminosos para a mata. Os cadáveres estendidos em praça pública para os fotógrafos estavam na mata — é possível ver moradores trocando roupas camufladas e coturnos para disfarçar que eram “soldados do tráfico”. No caso das mulheres, elas atuam como “olheiras”.


Restam mais perguntas: afinal, essa ADPF das Favelas não acaba favorecendo os criminosos? O relator no Supremo era o ministro Edson Fachin, que assumiu a presidência da Corte. Com isso, a relatoria deveria ser transferida ao ex-presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, mas ele se aposentou. Logo, a relatoria deveria permanecer vaga até que um novo togado chegue ao STF. Certo? Não. A relatoria, sem nenhuma explicação regimental, como quase tudo o que corre no STF, foi entregue a Alexandre de Moraes. Por quê? 


De antemão, Moraes já encurralou o governador “bolsonarista”. Pediu informes à PM e o intimou sobre a letalidade da operação. Coincidentemente, em outra frente em Brasília, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, marcou para a próxima terça-feira uma sessão que pode cassar o mandato do governador por abuso de poder econômico


Castro incomodou o governo Lula. Tão logo as primeiras imagens do confronto começaram a rodar o mundo — até a ONU (Organização das Nações Unidas) se pronunciou —, ele mostrou um documento entregue ao Ministério da Defesa pedindo apoio militar. O governador queria o apoio de blindados anfíbios (chamados carros lagartos) da Marinha. Mas o governo não ajudou. Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), chefiada por Jorge Messias, isso só seria possível se Lula assinasse uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem).


“Tivemos pedidos negados três vezes. Para emprestar o blindado, tinha que ter GLO, e o presidente [Lula] é contra a GLO. A cada dia, é uma razão para não colaborar”, disse Cláudio Castro. Lula já disse mais de uma vez o que pensa sobre uma intervenção no Rio. Em outubro de 2023, afirmou: “Eu não quero as Forças Armadas na favela brigando com bandido. Não é esse o papel das Forças Armadas”. No mesmo ano, o primeiro do governo, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, visitou a favela da Maré sem escolta. Até hoje, uma foto de Lula usando um boné com as letras “CPX”, de complexo (favelas agrupadas), na campanha de 2022, é lembrada com frequência. O que Lula quis dizer com esse gesto?

 


Presidente Lula com um boné escrito “CPX” - Foto: Reprodução/X   


Não foi só o Ministério da Defesa que se recusou a ajudar na operação. A Polícia Federal foi avisada do planejamento, mas, segundo o diretor da instituição, Andrei Rodrigues, “não era razoável” participar. A realidade se impõe: o governo Lula não quis combater o Comando Vermelho. A dinâmica das facções criminosas é similar à de grupos terroristas pelo mundo: não há vácuo de poder. 

Morre um capim, nasce outro. Rei morto, rei posto. É impossível imaginar que o Comando Vermelho vá deixar o complexo de favelas. Mas o fato é que o tema agora também será discutido em Brasília: o consórcio de poder, formado pelo STF e pelo PT, se recusa a chamar os narcotraficantes que transformaram o Rio na Faixa de Gaza de terroristas — para eles e a maioria dos comentaristas de TV, os verdadeiros terroristas estavam na Esplanada dos Ministérios, no dia 8 de janeiro, e seguem presos. 

A Lei Antiterrorismo brasileira é frouxa porque foi aprovada às pressas, em 2016, por pressão de delegações estrangeiras que participaram das Olimpíadas. Mas o enquadramento das facções brasileiras em crimes de terrorismo, como os Estados Unidos querem, poderia abrir portas para mobilização internacional, como o presidente Donald Trump tem feito com a Venezuela e a Colômbia.

Lula já respondeu a essa questão. Disse que não topa. Diante disso, resta uma pergunta: de que lado Lula está nessa guerra?

Sílvio Navarro - Revista Oeste