sábado, 2 de agosto de 2025
Jornalista J. R. Guzzo morre aos 82 anos e deixa legado ao Brasil
Colunista elevou a imprensa brasileira com sua coragem e excelência na prática do Jornalismo
J R Guzzo deixa legado de compromisso com o Brasil e a excelência do Jornalismo. (Foto: Arquivo Pessoal
O jornalista José Roberto Dias Guzzo morreu às 5h deste sábado (2), vítima de um infarto aos 82 anos de idade. Sua trajetória marcou a imprensa brasileira com coragem inspiradora para a cidadania, liberdade de expressão e excelência na prática do Jornalismo. J.R. Guzzo será sepultado no Cemitério de Congonhas, em São Paulo.
Expoente da imprensa com mais de seis décadas de Jornalismo, J.R. Guzzo enfrentava tratamentos por problemas crônicos no coração, pulmões e nos rins, segundo informações de familiares ao Estadão, onde era colunista.
“Foi um grande brasileiro, um jornalista como poucos, um homem de bem, cuja coragem inspira o bom jornalismo”, destacou o jornalista Cláudio Humberto, do Diário do Poder.
O governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), também exaltou a trajetória de J.R. Guzzo. “Um jornalista que marcou época por sua coragem, lucidez e compromisso inegociável com a liberdade de expressão. O país perde um referência intelectual que nunca se calou diante do poder. Que Deus conforte seus familiares e amigos neste triste momento”, escreveu Tarcísio, nas redes sociais.
Legado na imprensa
J.R. Guzzo ingressou no Jornalismo em 1961, no jornal Última Hora, em São Paulo (SP), do qual foi subsecretário e repórter. E integrou a equipe que fundou a Revista Veja, da qual foi diretor de redação, entre 1976 e 1991, levando a publicação a ter a 3ª maior tiragem do planeta, além de ser membro do Conselho Editorial da Abril, no mesmo período.
O jornalista teve passagens como correspondente internacional, em Paris e Nova Iorque. Foi colunista da própria Veja, Estadão, e dos veículos Metrópoles, Gazeta do Povo e Revista Oeste.
“Um dos fundadores de Oeste, integrante do conselho editorial e seu principal colunista, o melhor de todos nós partiu depois de contribuir decisivamente para o sucesso da revista. Sem ele, Oeste não seria o que é”, destacou matéria da Revista Oeste, que o destaca como o maior jornalista do Brasil.
Diário do Poder
Banco do Brasil perde R$ 7,7 bilhões em um único dia
Mercado financeiro reage com pessimismo a projeções de lucro mais baixos no trimestre
O Banco do Brasil sofreu uma das maiores perdas de valor de mercado dos últimos anos. Somente nesta sexta-feira, 1º de agosto, a instituição viu R$ 7,7 bilhões evaporarem. As ações ordinárias, o BBAS3, encerraram o dia em queda de 6,85%, cotadas a R$ 18,35.
Com isso, o banco estatal fechou a semana avaliado em R$ 104,75 bilhões. Este é o menor valor desde janeiro de 2023, quando sua capitalização era de R$ 101,62 bilhões. Os dados são do analista Einar Rivero, da consultoria Elos Ayta.
O valor de mercado da empresa chegou ao pico em 6 de fevereiro de 2024, com R$ 170,09 bilhões. Desde então, o banco acumulou uma retração de R$ 65,34 bilhões.
“O recuo das ações do Banco do Brasil nesta semana acende um sinal de alerta sobre a confiança do mercado em relação à instituição, e, em sentido mais amplo, ao setor bancário tradicional”, avaliou Rivero.
Para ele, o retorno aos níveis de capitalização de 2023 revela que o banco, aos olhos dos investidores, voltou ao ponto de partida. Além disso, o pessimismo se manifestou nas estimativas de lucros.
BTG reduz projeção de lucro do Banco do Brasil para R$ 5 bilhões
O BTG Pactual revisou suas previsões para o 2º trimestre de 2025 e reduziu em 23% a expectativa de lucro líquido do Banco do Brasil. O novo número projetado é de R$ 5 bilhões.
“Esperamos um lucro líquido de R$ 5 bilhões no 2T (ROE de 11,1%) e de R$ 23,5 bilhões em 2025 (ROE de 12,5%)”, destacou o BTG.
Segundo a instituição financeira brasileira, os valores representam “quedas de 23% e 20%” em relação às estimativas anteriores. Desta forma, “estão 3% e 14% abaixo do consenso, respectivamente”.
Revista Oeste
Morre José Roberto Guzzo, o maior jornalista do Brasil (10/7/1943 - 2/8/2025)
Vítima de um infarto, morreu às 5h deste sábado, 2, o jornalista José Roberto Dias Guzzo.
Aos 82 anos, J.R. Guzzo, como assinava os textos que publicou, era o mais brilhante profissional do país.
Paulista da capital, Guzzo consagrou-se quando, ocupando o cargo de diretor de redação da Veja, comandou o crescimento da revista que alcançaria a terceira tiragem do mundo.
Um dos fundadores de Oeste, integrante do conselho editorial e seu principal colunista, o melhor de todos nós partiu depois de contribuir decisivamente para o sucesso da revista.
Sem ele, Oeste não seria o que é.
Revista Oeste
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
'A jornada do herói', por Ana Paula Henkel
Na história recente do Brasil, poucos casos têm capturado a atenção pública como o de Filipe G. Martins, ex-assessor internacional do expresidente Jair Bolsonaro
P reso em fevereiro de 2024, enfrentando meses de uma prisão preventiva ilegal e agora em prisão domiciliar em Ponta Grossa, Paraná, Martins tornou-se um símbolo de resistência em um cenário de intensas disputas políticas e jurídicas. Sua trajetória, marcada por acusações infundadas e uma luta incansável pela verdade, levanta questões profundas sobre justiça, liberdade e o papel dos indivíduos em moldar a história.
O Brasil da última década tem sido palco de uma polarização que ecoa momentos críticos da história da humanidade. Filipe Martins, acusado de integrar o chamado “núcleo jurídico” de uma falsa tentativa de golpe de Estado em 2022, está no epicentro de um debate que transcende sua figura: até onde a justiça pode ser instrumentalizada para fins políticos? Sua prisão preventiva, fundamentada em registros fraudulentos no sistema de imigração dos Estados Unidos, remete a episódios históricos em que acusações frágeis foram usadas para silenciar dissidentes e forçar delações, como durante a Inquisição ou nos julgamentos políticos dos regimes totalitários do século 20.
Nesta semana, o The Wall Street Journal deu um passo importante e trouxe o caso de Filipe à atenção global, expondo o que a Revista Oeste tem questionado há mais de um ano: a validade dos registros do Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP).
A defesa de Filipe já provou que tais documentos são falsos, apontando para uma possível manipulação de informações. Esse cenário nos remete a momentos históricos em que a verdade foi distorcida para servir a interesses de poder, como as perseguições políticas durante o regime de Stalin na União Soviética. A história de Martins já é maior que ele próprio — suas páginas se tornam um lembrete de que a luta pela verdade permanece atual e necessária. E a coragem, a virtude que antecede todas as outras.
A importância dos heróis para o espírito humano
Heróis são mais do que figuras lendárias; são pilares do espírito humano, guiando sociedades em tempos de crise e incerteza. Na cultura americana, essa valorização é profundamente enraizada. Abraham Lincoln, que conduziu os Estados Unidos pela Guerra Civil para abolir a escravidão, é celebrado como um símbolo de união e justiça. Martin Luther King Jr., com sua luta não violenta pelos direitos civis, inspirou milhões a combater a desigualdade com dignidade e coragem. Nomes grandiosos ou soldados desconhecidos do Dia D na Segunda Guerra Mundial permeiam o imaginário coletivo e fortalecem os heróis de nossas vidas — pais, professores, técnicos de equipes esportivas e mentores. Esses heróis são elevados em estátuas, feriados e narrativas culturais, servindo como faróis que orientam a nação em direção a seus ideais mais sublimes. Mas são os Filipes do dia a dia que trazem o símbolo do heroísmo para o cotidiano, conectando-nos a algo que raramente conseguimos ver, mas que chega a ser palpável diante de sua necessidade.
Para o espírito humano, heróis transcendem fronteiras culturais. Eles representam a capacidade de indivíduos comuns de enfrentarem sistemas opressores, desafiarem injustiças e inspirarem mudanças duradouras. Em contextos de crise, como guerras, ditaduras ou crises democráticas, heróis oferecem esperança e um senso de propósito.
Por que o Brasil precisa de heróis como Filipe Martins?
No Brasil, a ausência de uma cultura de celebração de heróis domésticos é uma lacuna que enfraquece a identidade nacional. Figuras como José Bonifácio, Duque de Caxias ou os corajosos pracinhas que ajudaram a derrotar o nazismo na Europa são frequentemente relegadas a notas de rodapé em livros didáticos ou narrativas oficiais que priorizam visões centralizadas do poder. Diferentemente dos Estados Unidos, onde heróis famosos ou desconhecidos são enaltecidos em filmes, séries e celebrações públicas, o Brasil carece de um hábito cultural de elevar suas figuras inspiradoras, deixando gerações sem modelos de resiliência e integridade.
Essa ausência cultural não é trivial. Heróis locais são essenciais para forjar um senso de pertencimento e orgulho nacional. Orgulho por fazer a coisa certa. Eles inspiram jovens a questionar o status quo, incentivam a sociedade a refletir sobre seus valores e fortalecem a democracia ao lembrar que indivíduos podem fazer a diferença.
Filipe Martins surge como o herói de que o Brasil precisa em um momento de escuridão e covardia: um homem que, enfrentando acusações falsas e abusos de poder, mantém-se firme em sua luta pela verdade sem cometer injustiças contra outras pessoas para se livrar de seu carrasco. Elevar sua história não é apenas uma questão de justiça individual, mas um passo para construir um caminho em nosso país que valorize suas vozes de resistência, altivez e dignidade, reacendendo o patriotismo ético de que o Brasil tanto necessita.
Filipe Martins enfrentou adversidades que testariam a força de qualquer pessoa. Preso injustamente por seis meses, seus algozes tinham em mente a coação para uma delação — e a criação de uma história que nunca existiu para tentar comprometer Jair Bolsonaro. Sua detenção foi marcada por abusos graves: dez dias em confinamento em uma solitária sem acesso à luz natural e torturas psicológicas destinadas a forçar uma confissão de crimes que ele já provou não ter cometido.
Essas condições, que violam direitos humanos básicos e ecoam práticas de regimes autoritários, foram denunciadas por sua defesa e por testemunhas do sistema prisional, incluindo a dra. Stella Burda, Corregedora de Presídios de Curitiba, que confirmou em depoimento que esteve no presídio em junho de 2024 e colheu relatos de internos, carcereiros e equipe de segurança que confirmaram que Filipe Martins foi submetido a isolamento em solitária sem iluminação e ficou mais de 70 dias proibido de receber visitas da esposa, além de ter sofrido perseguições.
Apesar disso, Martins permanece inabalável. Na audiência de seu núcleo conduzida na semana passada, Filipe foi ouvido pela primeira vez em dois anos e disse, para total desespero do atual regime no Brasil:
“Quando eu ia conversar com o Presidente (Bolsonaro), tudo o que eu via era um homem preocupado com o Brasil. Jamais, jamais, eu me dignaria a falar mentiras contra um homem que eu jamais vi fazer coisa errada, que teve a vida toda revirada, processo após processo tem sido engavetado, tem sido arquivado, porque não encontram nada. Então, eu jamais me dignaria a fazer isso (delatar) e deixei de forma muito clara: não delatei, não irei delatar e não fiz isso porque não há o que delatar. E eu não falarei mentiras. Não falarei nada que possa causar injustiça ao presidente, a outras pessoas, a quem quer que seja. Eu preferia, como prefiro até hoje, sofrer uma injustiça do que ser injusto com outra pessoa — porque isso é o que importa. Eu não respondo apenas à minha consciência. Respondo também a Deus e sei que prestarei contas dessas coisas.”
A integridade contra o poder
A trajetória de Filipe Martins encontra um eco poderoso em um clássico do cinema: O Homem Que Não Vendeu Sua Alma (A Man for All Seasons, 1966). Paul Scofield, com sua atuação magistral, dá vida a Thomas More, o chanceler inglês que enfrentou o rei Henrique VIII ao recusar sancionar seu divórcio, escolhendo a consciência acima da lealdade ao poder.
Em uma cena inesquecível, More, pressionado por Thomas Cromwell (Leo McKern) a assinar um juramento que trairia seus princípios, responde com serena determinação:
— Eu sou um servo do rei, mas de Deus primeiro. Essa declaração, carregada de convicção, marca sua lealdade à verdade acima do poder. Mais tarde, em seu julgamento final, More eleva ainda mais sua voz, afirmando:
— Não traí meu juramento, mas mantive minha alma.
Essa recusa em ceder, mesmo enfrentando a prisão e a execução, cristaliza o heroísmo de More — um homem que escolheu a integridade acima da sobrevivência. Como More, Filipe Martins resiste a um sistema que o pressiona com acusações infundadas e abusos cruéis, sob tortura psicológica para forçar uma confissão falsa. Sua recusa em ceder a narrativas fabricadas, apesar do sofrimento, espelha a coragem de More, transformando-o em um símbolo vivo de resistência.
Essa comparação transcende o tempo: é um chamado tátil para que o Brasil abra os olhos diante das ações além do homem, cuja luta por justiça reacende a esperança, provando que a retidão, como a de More, pode iluminar os caminhos mais escuros e inspirar uma nação a erguer-se com dignidade.
O caso de Filipe Martins, ainda em andamento, desafia-nos a olhar além das manchetes e a reconhecer o poder transformador dos indivíduos. Sua luta por justiça, em um contexto de polarização e manipulação de informações, é um convite para que o Brasil redescubra seus heróis. Assim como Lincoln, King ou More, mesmo Martins representa a possibilidade de mudança em tempos turbulentos — diante da tempestade, a oportunidade para aprender a lutar, navegar, sobreviver e passar a força adiante.
Filipe Martins, com sua coragem e resiliência, está escrevendo um capítulo singular na história do Brasil. Os autos mostrarão a corrupção do poder. Mas nossas páginas mostrarão sua jornada, a dos heróis, que não nascem apenas em campos de batalha ou em narrativas épicas; mas em celas escuras, nos tribunais injustos, nas ruas e nas lutas diárias por dignidade. Como Thomas More em O Homem Que Não Vendeu Sua Alma,
Filipe nos conecta a uma rara integridade nos dias de hoje e finca, no árido solo de nossos dias, que a retidão ainda é a maior arma contra a tirania. Certa vez, durante um momento de desafio para os Estados Unidos, nos anos 1980, uma outra figura heroica, Ronald Reagan, proferiu uma frase que entrelaça a era da Guerra Fria com os dias atuais. Reagan utilizou-a para inspirar seus compatriotas a agirem com responsabilidade e a honrarem a confiança que lhes fora depositada pelo destino:
“Há um poema americano que diz que a humanidade, com todos os seus medos e todas as suas esperanças, depende de nós. Acredito que foi uma confiança que nos foi dada que jamais devemos trair. É essa responsabilidade que enfrentamos hoje. O futuro não pertence aos fracos de coração, pertence aos corajosos.”
O Brasil ainda tem jeito. O Brasil ainda tem heróis.
Obrigado, Filipe.
Ana Paula Henkel - Revista Oeste
'A missão brasileira na Lua', por Guilherme Fiuza
'É que o governo brasileiro quis jogar truco com os imperialistas, aí a porta se fechou'
— Estou ansioso.
— Por quê?
— Nunca passei por isso antes.
— Fica tranquilo.
— Vou tentar. Mas não é todo dia que se encontra o presidente dos Estados Unidos.
— Como assim?
— Ué? É normal encontrar o presidente dos Estados Unidos? Você já o encontrou alguma vez?
— Não.
— Então? Não está ansioso?
— Não. — Tomou calmante?
— Não.
— A expectativa de encontrar o homem mais poderoso do mundo não te afeta?
— Não.
— Por quê?
— Acho que é porque eu não vou encontrar o homem mais poderoso do mundo.
— Não vai?! Mas a gente não está aqui pra isso? Você tem que vir com a gente.
— Eu vou estar com vocês o tempo todo.
— Ah, então você vai encontrar o presidente dos EUA.
— Não vou.
— Por quê?
— Porque você também não vai. Nenhum de nós vai encontrar o presidente dos EUA.
— Como assim?! A Casa Branca desmarcou a reunião?
— Não. — Então não estou entendendo.
— Não desmarcou porque não marcou. Entendeu agora?
— Estou confuso. Nós não viemos a Washington negociar a redução do tarifaço?
— Tipo isso.
— Então nós vamos conversar com quem? O presidente vai mandar o segundo dele pra se encontrar conosco?
— Não.
— O terceiro?
— Não.
— O quarto?
— Não.
— Ah, espera aí! Somos senadores da República! Negociar com o quinto escalão já é humilhação.
— Também não seremos recebidos pelo quinto escalão.
— Que loucura! Como vai ser a nossa agenda em Washington então?
— Fala baixo.
— Por quê?
— Porque a nossa agenda é secreta.
— Os chineses não podem saber?
— Os brasileiros.
promisso nos EUA?
— Uma reunião para discussão de estratégia.
— Pelo menos isso. Com quem vamos nos reunir?
— Com a gente mesmo.
— O quê? Por que a gente não fez essa reunião no Brasil?
— Não faz pergunta difícil. Vamos focar.
— Focar em quê?
— Na discussão sobre a nossa próxima reunião.
— Ah, já temos então outra reunião marcada. Que bom. Com qual autoridade norte-americana?
— Vamos encontrar uma autoridade brasileira.
— Na capital dos EUA?
— Sim. A embaixadora do Brasil.
— Ela vai nos colocar em contato com algum interlocutor do governo Trump?
— Não. Ela não tem contato com o governo Trump.
— Não é possível. Ela é a nossa embaixadora em Washington!
— É que o governo brasileiro quis jogar truco com os imperialistas, aí a porta se fechou.
— E o que ela fez? — Saiu de férias. — Então ela vai nos contar as férias dela?
— Já é um começo, né?
— É.
— Aí, depois, quem sabe a gente consegue uma audiência com o Obama.
— O Obama?! Mas ele é oposição. E está sendo processado pelo governo.
— Pois é.
— Você acha que mesmo assim ele pode nos ajudar a amenizar o tarifaço?
— Claro que não.
— Então pra que encontrar o Obama?
— Algum americano a gente tem que encontrar nos Estados Unidos, né?
— Tem razão. Mas será que não seria mais barato a gente ter feito isso lá do Brasil mesmo, pela internet?
— Que internet?
Guilherme Fiuza - Revista Oeste
'USS Magnitsky', Alexandre Garcia
Vergonha nossa que um presidente estrangeiro tenha que reagir ao desrespeito de direitos fundamentais de nossa Constituição, sem que tenha jurado defendê-la, como jurou o presidente do Brasil
S oberano é o país que tem uma Constituição respeitada. Soberano, civilizado e democrático. Fico imaginando, se o doutor Ulysses vivo fosse, o quanto estaria amaldiçoando os que juraram solenemente defender, cumprir e guardar a Constituição e fazem o contrário ou fingem que a Constituição está virgem, intocada, imaculada. Vergonha nossa que um presidente estrangeiro tenha que reagir ao desrespeito de direitos fundamentais de nossa Constituição, sem que tenha jurado defendê-la, como jurou o presidente do Brasil. Me doeu o coração quando vi e ouvi o expresidente José Sarney, que jurou diante do Congresso sobre a Bíblia defender a Constituição, e agora defende e se solidariza com quem descumpriu cláusulas pétreas, como a liberdade de expressão, o juiz natural, o amplo direito de defesa, a vedação à censura. Não se ouviu antes, do ex-presidente, palavra alguma denunciando o desrespeito à Constituição.
Não teríamos crise alguma se todos respeitassem a Lei Maior. Se a apuração fosse pública, como está no artigo 37, se os deputados e senadores fossem invioláveis por quaisquer palavras, se os direitos de ir e vir e reunião fossem intocáveis, se o Supremo só julgasse e não legislasse; se estivesse enquadrado na Constituição, o Brasil seria um Estado democrático de direito, resolvendo suas crises com base nas leis e não no arbítrio. “Não podemos correr atrás de um doido, devemos ficar mantendo a crença no regime democrático, que deve ser defendido pela Justiça e por todos nós” — disse Sarney, que acompanhou bem de perto na Constituinte a feitura de uma Constituição que garante direitos fundamentais.
O doutor Ulysses, que assombrou o presidente Sarney naquela época, talvez esteja de volta, repetindo no ouvido da memória de Sarney o seu discurso de promulgação da Magna Carta: “Quanto a ela (a Constituição), discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.” Terrível lembrança! Ou profecia? Esse Ulysses, sepultado nas águas, que ordene ao oceano que varra com suas ondas de ressaca os traidores da Constituição.
O primeiro pecado grave cometido contra a Constituição contou com votos e omissões de senadores, quando o julgamento de Dilma, presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski, rasgou ao meio o parágrafo único do art. 52 da Constituição, sem que houvesse a emenda constitucional correspondente. Rasgaram à força, para deixar a condenada elegível. Anos depois, a pretexto da pandemia, os direitos de reunião, de ir e vir, de trabalhar foram suprimidos. Eram testes para saber o quanto se poderia suprimir direitos do povo, o que equivale a suprimir poder do povo, a origem do poder que foi dado aos agentes do Estado. Aí surgiu o “inquérito do fim do mundo”, sem a iniciativa do Ministério Público, como manda a Constituição — e o inquérito serve para tudo, sob a mão pesada do relator Moraes. E aí, de novo, o Senado contribuiu para que a Constituição fosse ultrapassada pela força do arbítrio.
Agora tudo isso está no mundo. De Brasília para o mundo. Urbi et orbi. A pretexto de salvar a democracia, dilapidaram os princípios democráticos, enfraquecendo sua base, que é a liberdade de expressão. Vergonha no mundo inteiro entre as democracias. Alguns alegam que Trump ataca nossa soberania, mas não mostram soberania suficiente para defender a própria Constituição, a maior das leis, a que limita o poder do Estado para que a nação seja livre para pensar, debater, criticar, fiscalizar, eleger. Lamentável que tivesse que ser chamado o porta-aviões USS Magnitsky. Deve ter sido o desespero, porque aqui as instituições não foram capazes de usar os instrumentos previstos na Constituição para manter funcionando os fundamentos de uma democracia.
A Lei Magnitsky, sancionada por Obama, veio para punir estrangeiros por agressões a direitos humanos. O advogado russo Sergei Magnitsky ficou preso para arrancarem dele confissões sobre fatos que não existiram, como fizeram com Filipe Martins e Mauro Cid, e Sergei acabou morrendo na prisão, tal como Clezão. A semelhança não é mera coincidência. A Magnitsky apenas começou com Moraes, como sugerem os secretários do Tesouro e de Estado. O porta-aviões está no Lago Paranoá. E já não dá para retirá-lo das proximidades do Supremo, como foi feito com o deputado Hélio Lopes, o Hélio Negão.
Alexandre Garcia - Revista Oeste
Alexandre de Moraes na lista dos ditadores', por Artur Piva
Os EUA colocaram o nome do ministro entre os sancionados pela Lei Magnitsky — o mesmo grupo em que estão Kim Jong-un, Vladimir Putin e o PCC
N a terra natal, Kim Jong-un figura entre os personagens mais ilustres, cujo brilho só é ofuscado pelo pai e o avô — ambos falecidos —, ditadores dos quais herdou a chamada República Democrática da Coreia do Norte. Fora do país, porém, seu prestígio é nulo. Jong-un aparece na lista de sancionados pela Lei Magnitsky, na qual acaba de ser incluído o ministro do STF Alexandre de Moraes. Trata-se de um rol que abriga o que é considerado pior, mais opressor e condenável no planeta.
Mais do que uma homenagem, o nome da lei é um lembrete da importância do combate à opressão. O advogado Sergei Magnitsky foi assassinado em 2009, depois de denunciar o desvio de US$ 230 milhões dos pagadores de impostos na Rússia. O roubo foi cometido por funcionários públicos do país até hoje comandado por Vladimir Putin, outro integrante da lista.
Os EUA enquadraram Moraes por considerá-lo “responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados, inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”. Atos semelhantes fazem parte das biografias de Putin, Kim (neto, pai e avô) e de tantas outras figuras sancionadas que cometeram (e ainda cometem) crimes contra a humanidade.
As más companhias Entre os penalizados há outros ditadores como Ali Khamenei, aiatolá que manda no Irã, e Nicolás Maduro, que comanda um regime opressor na Venezuela, além da facção PCC (Primeiro Comando da Capital), que controla a criminalidade em boa parte do Brasil.
Khamenei é o que está há mais tempo no poder. Oficialmente, o cargo é de líder supremo do Irã, título que passou a ostentar em 1989. De lá para cá, é dele a última palavra em tudo o que acontece no país. A base da opressão é um regime teocrático muçulmano.
O aiatolá oprime em nome de Alá. O modelo impõe um código de conduta segundo a visão dele sobre a religião. Isso levou a execuções públicas dos “infiéis” (a lista vai de homossexuais a todos os que não concordam com as diretrizes), apoio ao terrorismo internacional e uma campanha para tentar aniquilar Israel, a única democracia do Oriente Médio.
Nicolás Maduro considera os iranianos aliados estratégicos. Ele vive no luxo enquanto conduz um regime de miséria para o povo da Venezuela. O ditador herdou o poder em 2013 de seu antecessor Hugo Chávez, de quem era vice. Desde então, implantou políticas desastrosas que acabaram com a prosperidade venezuelana. Milhões de cidadãos deixaram (e ainda deixam) o país para fugir das condições de vida precárias.
A ficha de Maduro não é pequena. A Corte Penal Internacional o acusa de violar os direitos humanos. Ele ficou conhecido também por fraudes eleitorais. No Departamento de Justiça dos EUA, pesam acusações ligadas ao tráfico internacional. O órgão afirma que o venezuelano “deliberadamente utilizou cocaína como arma”. Segundo o órgão, o esquema tem ligações com o comando das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), grupo terrorista que atua no coração da selva amazônica como um Estado paralelo.
Para se sustentar no topo do sistema, Maduro usa uma receita típica para a opressão: permissividade com a corrupção, opressão contra os opositores e tráfico de drogas como fonte de dinheiro. A ligação dele com as Farc e o tráfico internacional começa pelo menos uma década antes de chegar à presidência. O departamento afirma que começou em 1999, na direção do Cartel de Los Soles — da qual também fazem parte agentes de alta patente das forças armadas venezuelanas.
Um equivalente ao PCC para os venezuelanos, misturado com milícia, trabalhando sob a proteção de um “narco-estado”.
PCC, do Brasil para o mundo
Nos registros do departamento, o PCC é apresentado como controlador de uma “extensa rede em toda a América Latina, além de uma presença global em expansão”. Para o órgão, trata-se de “uma das organizações de narcotráfico mais significativas e preocupantes da região”.
O PCC nasceu para organizar o crime no Estado de São Paulo. Roubou, oprimiu, caçou e matou, até chegar ao topo da criminalidade do Brasil. Em 2006, o grupo parou o Estado, promovendo ataques a autoridades. Delegacias foram alvejadas e delegados morreram queimados dentro das prisões.
O comando estabeleceu toque de recolher. Todos os contrários aos interesses dos criminosos viraram alvo. Hoje, o grupo tem esquemas mais sofisticados, como o “tribunal do crime”, uma espécie de Suprema Corte dos bandidos, que promove “justiçamentos” contra os inimigos.
Lei Magnitsky contra o terrorismo
A identificação dos penalizados fica exposta no site do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac, na sigla em inglês), órgão do Departamento do Tesouro dos EUA. Ali, há uma ficha com nome, nacionalidade e — sempre que possível — endereço. No caso do Brasil, há cerca de 20 registros. Além de Moraes e do PCC, chama atenção a quantidade de árabes. São homens como Haytham Ahmad Shukri Ahmad Al-Maghrabi. Com residência brasileira desde 2015, ele é acusado de ter se estabelecido no país para ajudar a Al-Qaeda a lavar dinheiro. A rede terrorista islâmica, na época comandada por Osama Bin Laden, cometeu os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA.
Al-Maghrabi ajuda a manter o terrorismo ativo. “As atividades desta rede sediada no Brasil demonstram que a Al-Qaeda continua sendo uma ameaça terrorista global generalizada”, afirma o Departamento do Tesouro.
Outro nome é Assaad Ahmad Barakat. Ligado ao Hezbollah, ele chegou ao Brasil depois de ser expulso do Paraguai por ser membro da facção que espalha terror pelo mundo a partir do Líbano e tem como uma das missões destruir Israel.
Apenas quatro sancionados pela Lei Magnitsky listados no Brasil não estão ligados ao fundamentalismo muçulmano. Um deles é uma empresa controlada pela ditadura norte-coreana da família Kim, a Ocean Maritime Management Brazil. O outro, além de Moraes e do PCC, é Ciro Daniel Ferreira Amorim, um supremacista branco bastante ativo nas redes sociais. Amorim administra o Terrorgram, grupo cujas principais atividades acontecem no Telegram.
Por meio da plataforma, ele “solicita ataques a adversários e fornece orientação e materiais instrucionais sobre táticas, métodos e alvos para ataques, incluindo infraestrutura crítica e funcionários do governo”. O criminoso prega a “supremacia branca violenta”, tipo de ideia propagada por nazistas, como Adolf Hitler, e fascistas, como Benito Mussolini — os dois, aliás, morreram há 80 anos, depois de serem derrotados pelos EUA.
Artur Piva - Revista Oeste
'Sensação de Justiça', por Rodrigo Constantino
Alexandre de Moraes - Foto: Ton Molina/ST
Q uarta-feira, por volta do meio-dia, estava realizando uma live sobre imigração, quando alguém publicou o comentário: “Saiu a Magnitsky!” Assim que terminei o programa, fui direto verificar as notícias e lá estava, de fato, a bomba: finalmente o ministro Alexandre de Moraes havia sido sancionado pela Lei Magnitsky, que o brasileiro médio aprendeu não só a pronunciar como também explicar nos últimos dias. A sensação era de Justiça. E com um gosto bastante pessoal, no meu caso.
Não há mal que dure para sempre. Moraes vem tentando me destruir faz tempo, chegando a cancelar meu passaporte brasileiro, colocar minhas redes sociais sob censura e até congelar minhas contas bancárias, tudo isso há mais de dois anos e sem qualquer condenação — ou mesmo acusação formal!
Mas fui resiliente, tornei-me cidadão americano, enquanto ele não tem visto e agora não pode nem ter conta em banco que opera nos Estados Unidos. Alexandre virou um pária global. E foi merecido!
A gravidade desta sanção não recai apenas sobre Moraes, mas sobre todo o STF e seus cúmplices. A maior democracia do mundo escancara que nosso Supremo Tribunal Federal virou instrumento de censura, perseguição e abuso de direitos humanos. Como disse Leandro Ruschel: “A aplicação das sanções Magnitsky a Moraes pelo governo americano, que pune autoridades estrangerias acusadas de graves violações aos direitos humanos, representa a maior desmoralização do Judiciário brasileiro na história”.
Quem ainda defende o STF é cúmplice de uma tirania.
É a postura vergonhosa de boa parte da velha imprensa. A história será dura com esses capachos de um ditador que abusa dos direitos humanos. Eles precisam fazer contorcionismo para alegar que Trump é o tirano chantagista tentando influenciar, sob pressão e influência de Bolsonaro, a Justiça brasileira. Ruschel novamente resume:
“Militância de redação deveria cobrar dobrado do regime. Os militantes têm a ingrata tarefa de convencer o povo de que o Brasil é uma ‘democracia’, e os EUA vivem hoje sob uma ‘ditadura’ que está ‘perseguindo’ ministros brasileiros. Isso depois de uma cabeleireira ter sido condenada a 14 anos de prisão por escrever a frase ‘Perdeu, mané’ com batom, numa estátua, só para ficar num exemplo”.
“Sanção dos EUA iguala Moraes a xerife do talibã e líder de gangue haitiana”, dizia uma manchete da CNN Brasil. Para se ver como Moraes foi longe demais! A sanção é reservada para os piores abusadores dos direitos humanos, e isso diz muito sobre o quanto descontrolado está Moraes. O papelão da imprensa, de tratá-lo como vítima, diz muito sobre a morte do nosso jornalismo. Tive estômago para acompanhar a cobertura por horas na GloboNews, a emissora mais vassala do sistema. É um show de horrores!
Notícia publicada na CNN, no dia 30/07/25 | Foto: Reprodução/CNNJoel Pinheiro chegou a afirmar que há críticas legítimas ao STF e Moraes, mas as mudanças tinham que vir de dentro, da autocontenção dos ministros. Que tipo de piada sem graça é essa? Marcelo Lins disse que nossa constituição não é como a americana, pois a liberdade de expressão está limitada contra quem “espalha fake news” ou “discurso de ódio”. Onde? Qual lei? Essa seria uma fake news, diga-se de passagem. Na InfoMoney, eis a chamada: “Moraes é a primeira autoridade de um país democrático a ser enquadrada na Lei Magnitsky”. Encontre o erro!
Não há mais democracia no Brasil, e é isso que o governo americano escancarou ao mundo todo. Moraes é um “operador totalitário” do Direito, como disse a congressista Maria Elvira Salazar, da Flórida. Ele se tornou um tirano que inventa leis e persegue inocentes, inclusive cidadãos americanos. Era mais do que hora de uma punição, de arcar com as consequências de atos tão desumanos.
Como diz a Bíblia em Ezequiel 21:25-26: “Ó, príncipe de Israel, corrupto e perverso, o dia do acerto de contas chegou! Assim diz o Senhor Soberano: ‘Tire sua coroa coberta de joias, pois o antigo sistema está para mudar. Os humildes serão exaltados, e os orgulhosos, humilhados’.” Eclesiastes 3:16 também tem algo a contribuir sobre isso: “Observei também que debaixo do sol há maldade onde deveria haver justiça. Sim, até os tribunais são corruptos”.
Não há ditadura pior do que a togada, pois não há a quem recorrer e porque o verniz de legalidade mascara toda a tirania bruta. Mas não restam dúvidas de que Moraes se tornou o maior símbolo desses abusos, desse arbítrio incompatível com qualquer coisa que possa ser chamada de democracia. Vê-lo pagando o preço por isso é alvissareiro, tanto pela sensação de justiça feita, como pela esperança de que sirva de alerta para os demais e possa, agora, sim, forçar alguma contenção por parte desse regime opressor. Um grande dia!
Rodrigo Constantino - Revista Oeste
'Um juiz em campo minado', por Ana Paula Henkel
Uma data para ficar nos livros de história do Brasil: 30 de julho de 2025
D epois de tantos abusos, tantas arbitrariedades e inconstitucionalidades, Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), foi sancionado pela implacável Lei Magnitsky Global dos Estados Unidos da América.
O Departamento do Tesouro dos EUA, por meio do Of ice of Foreign Assets Control (Ofac), impôs severas sanções a Moraes, acusando-o de orquestrar uma campanha de censura, detenções arbitrárias e perseguições políticas.
A ironia não deixa de ser tangível: um juiz encarregado de zelar pela justiça (o que nunca aconteceu) rotulado como violador de direitos humanos pela maior potência mundial. A conta chegou. Alexandre de Moraes agora navega em um campo minado diplomático e pessoal.
Lei Magnitsky: uma ferramenta com dentes afiados A Lei Global de Responsabilização por Direitos Humanos Magnitsky, como é seu nome oficial, foi criada em 2012, ainda sob a administração de Barack Obama, em homenagem ao russo Sergei Magnitsky, e não é um simples tapinha na mão.
Ampliada em 2016, já sob o governo de Donald Trump, para atingir violadores de direitos humanos em todo o mundo, a lei é um martelo da política externa americana, congelando ativos, proibindo viagens e cortando acesso financeiro para aqueles considerados culpados de corrupção ou graves abusos de direitos humanos. Pense em assassinatos, corrupção, tortura ou, no caso de Alexandre de Moraes, “detenções arbitrárias” e “supressão da liberdade de expressão”.
O Departamento de Tesouro dos EUA, sob a Ordem Executiva 13818, acusou Moraes de abusar de seu poder judicial para silenciar críticos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, e de emitir ordens secretas para censurar cidadãos americanos e brasileiros em plataformas de mídia social nos EUA. As sanções retratam Moraes, acertadamente, como um vilão que transformou o judiciário brasileiro em arma para esmagar a oposição, especialmente Bolsonaro e seus aliados, por meio de processos politizados e censura. Isso não é apenas uma alfinetada diplomática; é uma humilhação pública em escala global, com consequências que ecoam muito além das fronteiras do Brasil.
As sanções: uma camisa de força financeira e social
A Lei Magnitsky não é um convite educado para se comportar — é uma guilhotina financeira e social. Aqui está o que Moraes enfrentará a partir de agora:
1. Congelamento de ativos: qualquer propriedade ou interesse em propriedades que Moraes possua nos EUA ou sob jurisdição americana está bloqueado. Contas bancárias? Congeladas. Investimentos? Intocáveis. Mesmo que ele tenha um modesto apartamento em Miami (improvável, segundo fontes, já que ele não possui ativos nos EUA), agora o ministro mora em uma cidade fantasma financeira.
2. Proibição de viagem: Moraes, junto com sua família imediata, é persona non grata nos EUA. Seu visto, que havia sido revogado há duas semanas juntamente com mais oito ministros da Corte, jamais será recolocado em seu passaporte — a entrada na América para Moraes agora só será feita em filmes na TV. Essa restrição se estende à esposa e aos filhos, uma alfinetada pessoal que amplifica o impacto das sanções.
3. Isolamento financeiro: pessoas e empresas americanas estão proibidas de realizar transações com Moraes. Isso significa adeus a Visa ou Mastercard, Amex e cartões de crédito que operam interligados ao sistema financeiro americano. Adeus a bancos americanos e possíveis relações com instituições financeiras internacionais – todos terão receio de sanções americanas. Mesmo seu salário, pago pelo Banco do Brasil, pode enfrentar problemas se as transações internacionais passarem por sistemas americanos.
4. Efeitos globais: o alcance das sanções vai além dos EUA. Bancos globais, temendo sanções secundárias, podem evitar lidar com Moraes. Seus cartões de crédito podem ser recusados e transações internacionais podem parar. Imagine a humilhação: um ministro do Supremo incapaz de reservar um hotel no exterior porque seu cartão foi bloqueado. Passagens aéreas? Empresas americanas não venderão seus bilhetes para as férias da família nem na Europa. O que for “made in USA” não será feito mais para Alexandre de Moraes.
5. Dano reputacional: talvez o golpe mais cruel seja o peso simbólico. A vergonha. Moraes, o narcisista da corte (páreo duro) agora divide a lista de Nacionais Especialmente Designados (SDN) da Ofac com figuras nada lisonjeiras. Para um homem que construiu sua carreira com base na autoridade judicial e fama de valentão, ser rotulado como violador de direitos humanos é uma letra escarlate que não desaparecerá facilmente.
“Bad Hombres“: os amigos de Moraes na Lista Magnitsky Para entender o tamanho do buraco em que Moraes se meteu, vale dar uma olhada nos seus novos colegas de lista, os verdadeiros “bad hombres” do seleto clube Magnitsky. Desde sua criação, a lei já sancionou mais de 650 pessoas e entidades, e Moraes agora compartilha esse panteão com figuras de reputação, digamos, bastante questionável:
Yahya Jammeh: o ex-ditador da Gâmbia, sancionado em 2017 por saquear as riquezas do país, reprimir dissidentes e financiar esquadrões da morte. Seus ativos foram congelados e ele foi acusado de roubar mais de US$ 50 milhões do povo. Um juiz brasileiro ao lado de um tirano africano? Companhia refinada. Amigo do presidente Lula, agora companheiro de lista de Moraes.
Dan Gertler: bilionário israelense, sancionado em 2017 por esquemas de corrupção no Congo, onde lucrou bilhões em acordos de mineração com o ex-presidente Joseph Kabila. A Ofac o acusou de desviar mais de US$ 1,36 bilhão em receitas estatais. Moraes, com sua toga impecável, agora divide espaço com um magnata da corrupção.
Félix Bautista: senador da República Dominicana, sancionado em 2018 por subornos e corrupção em contratos de reconstrução no Haiti, incluindo um caso em que embolsou US$ 10 milhões por obras não concluídas. Um político que lucrou com desastres humanitários.
Chen Quanguo: ex-oficial chinês, sancionado em 2020 por orquestrar abusos contra minorias muçulmanas em Xinjiang, incluindo detenções em massa e vigilância opressiva. A ironia suprema: Moraes, acusado de detenções arbitrárias, agora é colega de um arquiteto de campos de detenção e “reeducação”.
Slobodan Tesic: traficante de armas sérvio, sancionado em 2017 por subornar funcionários e violar embargos de armas nos Balcãs, movimentando milhões em negócios escusos.
Ramzan Kadyrov: líder checheno, sancionado em 2017 por supervisionar torturas, execuções extrajudiciais e repressão brutal a dissidentes na Chechênia.
Myint Hlaing: general birmanês, sancionado em 2018 por liderar ataques contra minorias étnicas, incluindo massacres e deslocamentos forçados no estado de Rakhine.
Obiang Mangue: vice-presidente da Guiné Equatorial, sancionado em 2021 por desviar milhões em fundos públicos para contas pessoais e comprar iates de luxo.
Abdoulaye Thiam: oficial militar guineense, sancionado em 2021 por orquestrar a repressão violenta de protestos, resultando em mortes de civis.
Khin Maung Cho: empresário birmanês, sancionado em 2021 por financiar o golpe militar de Mianmar, apoiando abusos contra manifestantes pró-democracia.
Raúl Gorrín: magnata venezuelano da mídia, sancionado em 2019 por lavar bilhões em esquemas de corrupção ligados ao regime de Maduro.
Juízes sancionados pela Lei Magnitsky? Temos
Sergei Podoprigorov (Rússia): juiz russo, sancionado em 2016 por seu papel no caso Sergei Magnitsky, manipulou processos judiciais para encobrir a fraude fiscal de US$ 230 milhões e negou direitos ao denunciante, contribuindo para sua morte na prisão.
Maikel José Moreno Pérez (Venezuela): presidente do Tribunal Supremo de Justiça venezuelano, sancionado em 2017 por emitir decisões que fortaleceram o regime de Maduro, incluindo a dissolução da Assembleia Nacional eleita e prisões arbitrárias de opositores.
Caryslia Beatriz Rodríguez (Venezuela): juíza do Tribunal Supremo de Justiça, sancionada em 2024 por obstruir processos eleitorais livres, emitindo sentenças que apoiaram a repressão de Maduro contra candidatos da oposição.
Fanny Beatriz Márquez Cordero (Venezuela): magistrada do Tribunal Supremo, sancionada em 2024 por decisões judiciais que facilitaram a repressão do regime de Maduro, incluindo a validação de eleições fraudulentas e detenções de dissidentes.
Andrei Yaroslavtsev (Rússia): juiz russo, sancionado em 2016 por envolvimento no caso Magnitsky, emitindo decisões que protegeram funcionários corruptos e negaram justiça ao advogado morto em custódia.
Tarek William Saab (Venezuela): procurador-Geral da Venezuela, sancionado em 2017 por supervisionar uma justiça politizada, promovendo prisões arbitrárias e processos contra opositores do regime de Maduro, incluindo ativistas e jornalistas. Eugenio Eduardo Zaffaroni (Argentina): ex-juiz da Corte Suprema argentina, sancionado em 2023 por envolvimento em decisões judiciais que facilitaram a corrupção e a lavagem de dinheiro em casos ligados a redes políticas.
Olesya Mendeleeva (Rússia): juíza russa, sancionada em 2016 por seu papel no caso Sergei Magnitsky, emitindo ordens judiciais que encobriram fraudes fiscais e contribuíram para a perseguição do advogado.
Ahmed al-Zind (Líbia): ex-juiz e presidente da Associação de Juízes da Líbia, sancionado em 2018 por usar sua posição para reprimir dissidentes e facilitar abusos de direitos humanos durante o regime de Gaddafi.
Luis Alberto Quintero Morales (Venezuela): juiz do Tribunal Supremo de Justiça, sancionado em 2024 por decisões que apoiaram a repressão de Maduro, incluindo a validação de prisões políticas e bloqueios a candidatos da oposição.
Como podemos ver, tutti buona gente.
Esses nomes mostram o peso da lista Magnitsky. Para Moraes, estar ao lado de ditadores, corruptos e violadores de direitos humanos é mais do que um tapa na cara ou um arranhão na “reputação ilibada” — é uma mancha que grita: “Você é um deles agora.”
E a pergunta que o mundo faz hoje é: como um juiz do STF acabou nessa galeria de vilões globais? O que Moraes fez para merecer essa honra infame?
O Departamento do Tesouro e o Departamento de Estado dos EUA traçam um quadro condenatório decisivo. Como responsável pelas investigações sobre “fake news” e o caso criminal contra Bolsonaro por uma suposta tentativa de golpe em 2022, Moraes foi acusado de ultrapassar seus limites.
• Censura: ordenando que plataformas americanas como X e Rumble suspendessem contas por “discurso protegido”, incluindo as de jornalistas e cidadãos americanos em solo americano. Em 2022, ele bloqueou o Telegram no Brasil, e no último ano, suspendeu o X, desencadeando confrontos com magnatas da tecnologia como Elon Musk.
• Detenções arbitrárias: autorizando prisões preventivas sem acusações, descritas como “negações flagrantes de garantias de julgamento justo”. Casos destacados pelos EUA envolveram jornalistas exilados e cidadãos detidos em retaliação por exercer sua liberdade de expressão.
• Perseguições politizadas: alvejando Jair Bolsonaro e seus apoiadores, incluindo seu filho Eduardo, no que os EUA chamam de campanha para “manipular” as eleições de 2026 no Brasil. O Tesouro acusa Moraes de usar o poder judicial para afastar adversários políticos, chamando suas ações de “lawfare judicial”.
A pancada americana é clara: Moraes não é apenas um juiz; é uma máquina de censura e perseguição de um homem só, pisoteando liberdades que são protegidas pela Constituição dos EUA. Para o vaidoso Moraes, as sanções significam uma morte financeira a médio prazo e isolamento a longo prazo.
• Impacto profissional: como ministro do Supremo, a influência global de Moraes diminui. Conferências judiciais internacionais? Constrangedoras. Palestras no exterior? Arriscadas, já que bancos e locais podem hesitar em lidar com uma figura sancionada. Seu papel na regulação da tecnologia no Brasil, já controverso, agora carrega o estigma da condenação americana.
• Humilhação pessoal: a proibição de viagem se estende à sua família, um golpe pessoal que sublinha o caráter vingativo das sanções. Imagine explicar aos seus filhos por que eles não podem visitar os EUA. Some a isso as conhecidas restrições financeiras globais — seus cartões de crédito podem não funcionar para compras online e bancos internacionais podem bloquear suas transações.
• Humilhação pessoal: a proibição de viagem se estende à sua família, um golpe pessoal que sublinha o caráter vingativo das sanções. Imagine explicar aos seus filhos por que eles não podem visitar os EUA. Some a isso as conhecidas restrições financeiras globais — seus cartões de crédito podem não funcionar para compras online e bancos internacionais podem bloquear suas transações
O uso da Lei Magnitsky contra um ministro de uma Suprema Corte em exercício em um país democrático é inédito. A ironia é inevitável: um juiz acusado de censurar a liberdade de expressão agora está, de certa forma, silenciado pelas mesmas liberdades que ele suprimiu.
Alexandre de Moraes, outrora um titã judicial, agora caminha na corda bamba. A Lei Magnitsky o transformou em um pária global, congelando seus ativos, proibindo suas viagens e manchando seu nome ao lado de figuras como ditadores, tiranos, corruptos e violadores de leis e direitos humanos.
Embora ele possa ignorar o impacto financeiro, o dano reputacional e o impacto diplomático são impossíveis de evitar. O judiciário brasileiro, o governo Lula e até as relações entre EUA e Brasil estão no centro do furacão, tudo por causa de um juiz que achou que podia ser maior do que as leis.
Alexandre de Moraes não está em maus lençóis, ele agora está preso em uma teia que ele mesmo teceu
Alexandre de Moraes não está em maus lençóis, ele agora está preso
em uma teia que ele mesmo teceu.
Ana Paula Henkel - Revista Oeste
Augusto Nunes - 'Toga não é asa delta'
A trilha que leva ao penhasco chegou ao fim
E m sua coluna no Diário Popular, o jornalista Aristides Lobo, militante do Partido Republicano, constatou no penúltimo mês de 1889 que os históricos acontecimentos daquele dia destinado a mudar a história se consumaram sob o olhar entediado da imensa maioria da população brasileira. “Eu quisera poder dar a esta data a denominação seguinte: 5 de Novembro, primeiro ano da República, mas não posso infelizmente fazê-lo”, rendeu-se já no primeiro parágrafo. “O que se fez foi um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era. Em todo o caso, o que está feito pode ser muito se os homens que vão tomar o poder tiverem juízo, patriotismo e sincero amor à liberdade. Por ora, a cor do governo é puramente militar. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”.
Ministro do Interior do governo provisório comandado pelo marechal Deodoro da Fonseca, Aristides Lobo ficou no cargo apenas dois meses, consumidos em desentendimentos com o primeiro presidente da República. Era senador quando morreu em 1896, convencido de que, em quase todos os principais momentos da trajetória do país, foi o povo o grande ausente. É difícil entender o espanto de Aristides Lobo. Sempre diminuta e bestializada, a mesmíssima plateia reduzira a fracasso de público a chegada da Família Real Portuguesa, a promoção da colônia a reino, o Grito do Ipiranga e o regresso de Pedro I a Lisboa, que instalou no trono do Brasil um menino de 5 anos sem pai nem mãe.
O herdeiro perplexo nunca entendeu por que se tornara rei quando mal aprendera a falar e teve a coroação antecipada sem saber cortar a barba direito. Tampouco compreendeu por que foi demitido depois de 50 anos no poder sem que qualquer conspiração de bom tamanho tentasse derrubá-lo. Também por isso, ficou perplexo ao ouvir o ultimato: tinha um punhado de horas para cair fora do Rio e do Brasil.
Ao subir na embarcação que o levaria ao navio escalado para devolvêlo à Europa, o monarca despejado mirou um por um os integrantes da escolta e resumiu o que achava do modo brasileiro de criar república: — Os senhores são uns doidos. Com a independência vieram as eleições sem riscos para os preferidos do imperador (e dos homens livres). Mais do que votar, os nativos sempre gostaram de impedir que outros votassem. Mulheres e analfabetos só veriam uma urna de perto em meados do século 20.
O voto não era secreto.
Nos tempos da colônia e do império, a fraude era favorecida pelo voto por procuração, que permitia transferir para outro vivente o direito de escolher o candidato. Como o título de eleitor não existia, a identificação costumava ficar a cargo de mesários e transeuntes. Muita eleição no Brasil foi decidida por batalhões de mortos, crianças e moradores das cidades vizinhas. A pilha de restrições sobreviveu à Proclamação da República.
Continuaram longe das seções eleitorais — muitas delas instaladas na varanda do casarão do chefão do lugar — menores de 21 anos, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero. Todas as eleições promovidas na República Velha foram fraudadas. Já entre 1930 e 1945, com Getúlio Vargas no poder, quase não se ouviu conversa. Houve denúncias de safadezas nas urnas. É que só havia eleição de vez em quando.
Entre o fim do Estado Novo e o começo do regime militar de 1964, o Brasil pareceu mais próximo da maturidade. Algumas siglas ficaram com feições de partido, líderes bons de discurso ampliaram sensivelmente as plateias dos comícios e manifestações impressionantes começaram a ameaçar uma antiga certeza: só se vê uma multidão de brasileiros nas ruas antes da saída do bloco carnavalesco ou depois de encerrado um jogão de futebol. Em 1983, tal sensação foi reforçada pelas manifestações da campanha das Diretas Já. Nunca se verá nada igual, imaginou a frente de políticos unidos no palanque. Rejeitada a emenda que ressuscitava a eleição direta do presidente da República, o país dos bestializados voltou ao normal, certo?
Errado, descobririam homens, mulheres, crianças, adolescentes, sessentões e nonagenários em junho de 2013. O primeiro ato de protesto exigia a revogação do aumento de 20 centavos nas tarifas de transporte. Exageros repressivos da PM elevaram a temperatura. De repente, uma palavra de ordem alertou: “Não é só pelos 20 centavos”. Nos dias seguintes, mobilizações sem precedentes se multiplicaram por mais de 500 municípios. Os próprios militantes pareciam ignorar os motivos da explosão de raiva, cansaço: a paciência acabara. Sobretudo a paciência com os corruptos, com a paralisante estupidez do governo Dilma, com a insolência dos ladrões federais. A gestação da Operação Lava Jato começou em 2013.
A queda de Dilma também. Naquele ano, milhões de brasileiros recuperaram o domínio das ruas, das praças, de todos os espaços urbanos. Faz tempo que sonham com a ressurreição das leis assassinadas, começando pelo artigo 1 da Constituição Brasileira. Nesta semana, a mão do imponderável ergueu-se na Casa Branca e alcançou a Praça dos Três Poderes. A contraofensiva ensaiada pelo Super Carcereiro esbarrou na dissidência: quatro ministros, convencidos de que Moraes foi longe demais, não compareceram ao jantar organizado por Lula. Os sete restantes logo saberão que chegou ao fim a trilha que leva ao penhasco. Não custa avisar que toga não é asa delta.
Milhares de manifestantes marcham até a prefeitura do Rio de Janeiro para protestar contra o governo, no Rio de Janeiro, Brasil (20/6/2013) - Foto: Antonio Scorza/Shutterstock
Auguato Nunes - Revista Oeste
'O negociador', por Adalberto Piotto
Trump sempre teve a completa noção do que representa a população americana para o comércio mundial
N um parágrafo, talvez seja possível resumir o quadro das negociações tarifárias dos Estados Unidos com o mundo inteiro. Não que não haja uma série de detalhes que mereçam uma análise mais aprofundada — o que farei logo em seguida — mas a intenção da síntese é justamente expor nua e cruamente uma realidade que estava aí para todo mundo ver. Realidade essa que parece ter sido inadvertidamente relegada a um segundo plano, o que tornou ruins, até precárias, as análises que se dividiram entre uma simplória acusação de “protecionismo norteamericano”, sem levar em conta a vida geopolítica como estava até a posse de Trump, e o paupérrimo argumento do “Trumpismo” na seara política. Os fatos não se incomodam com opiniões. Continuam fatos sem se importarem com as versões construídas para atendê-las. Então, fiquemos com os fatos, pois eles nos bastam.
O maior ativo hoje no mundo é ter público consumidor. E quem tem 340 milhões de consumidores com alto poder aquisitivo e desejo de consumo latente e crescente são os Estados Unidos da América. Ninguém, nenhum outro país, sequer chega perto dessa virtude — essencialmente americana — para o comércio global. Se, no final dos anos 1990 e início do século 21, ser a fábrica do mundo — como de fato foi ao catapultar os tigres asiáticos e, mais recentemente, transformar a China na segunda maior economia do mundo — representava poder, hoje, quem manda, dado o excesso de oferta de manufaturados de todos os preços, é quem pode e quer comprar. Não existe fábrica bemsucedida no planeta se apenas for um fenômeno de produção em escala, qualidade e capaz de garantir oferta rápida e acessível. É preciso vender. E para vender é necessário ter compradores, demanda. E os principais compradores — de tudo! — estão no país de Donald Trump. Pronto, isso explica o título deste artigo e as razões de o mundo, voluntária ou forçadamente, “ajudá-lo” no projeto MAGA, o “Make America Great Again”
Trump sempre teve a completa noção do que representa a população americana para o comércio. É um negociador nato, dos bons — desnecessário aqui descrever sua trajetória profissional de enorme sucesso. Jamais desperdiçaria uma oportunidade de ter na manga uma carta desse tamanho num jogo internacional em que não existem bonzinhos, em que todo mundo entra para ganhar. Necessário, portanto, compreender que a carta, neste momento, está com o atual mandatário da Casa Branca.
Adicione o cenário geopolítico particular, o cansaço com a deletéria, maçante e declinante agenda woke e um mundo pedindo socorro, dado o avanço do terrorismo e de certa proeminência da China — que é sempre uma ameaça à indústria de qualquer lugar — e a figura do “laranjão” se torna um desejo oculto ou confesso de muitas nações.
E justamente por ser o cara que jamais abriria mão de entrar nessa briga porque tem poder para tanto. Não por acaso, temos o mundo aceitando sentar-se com Washington e cedendo bastante para não ser vítima de tarifas alfandegárias que inviabilizariam a exportação para o maior mercado consumidor do mundo. E antes que eu conclua esse artigo, trarei o caso do Brasil, potência alimentar que se tornou prioridade para Trump.
O Brasil tem excedentes que garantem a segurança alimentar do planeta. Perder o Brasil como um lugar democrático e seguro não é permitido dentro da doutrina americana. Não como um dependente dos EUA, mas parceiro na manutenção da paz. Antes, no entanto, vamos falar dos grandões do mundo dos manufaturados que inundam as lojas e sites de compra americanos. A começar da Europa, altamente protecionista, que cedeu para não perder mercado e proteção.
Há trinta anos, a Europa acumula superávits seguidos contra os Estados Unidos. Só para nos debruçarmos em apenas um número, no ano de 2023, que antecedeu a campanha eleitoral americana do ano passado e serviu de mote para denunciar o desequilíbrio, o comércio com o bloco chegou a € 851 bilhões. Na conta final, superávit europeu de € 157 bilhões. Trump preferiu chamar isso de déficit americano e decidiu cobrar não só a diferença na balança comercial como a inequívoca dependência militar da Europa.
Se líderes europeus aproveitaram a situação favorável de vender mais do que compravam e tinham todas as frotas americanas de prontidão para garantir a efetividade da OTAN, a conta chegou. E coube a Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, aceitar uma imposição de 15% para os produtos europeus com destino à América. Melhor que os 30% de antes. Ainda se comprometeram a gastar US$ 750 bilhões do setor de energia e investir US$ 600 bilhões nos Estados Unidos, muito disso na indústria militar. No sentido contrário, os carros americanos viram a alíquota europeia cair de 10% para 2,5%.
Sobre outros produtos, para zero. Gerou gritaria na parte mais radical da esquerda. Mas os adultos na sala falaram mais alto ao ponderarem o avanço da China, na economia europeia, e da Rússia, na segurança do continente.
Com o Japão, que também conta com a proteção militar dos EUA, outro acordo vantajoso para os americanos. Os japoneses ganharam uma redução de impostos de 25% para 15%. Em contrapartida, comprometeram-se a investir US$ 550 bilhões na América, além de abrir seu mercado a produtos agrícolas e automotivos americanos, mesmo com o aço e o alumínio japonês excluídos, por ora, das negociações. Trump comemorou dizendo que o acordo com o Japão “pode ser o maior da história” e criará centenas de milhares de empregos.
Fora da comunidade europeia, o Reino Unido fez o primeiro acordo tarifário do segundo mandato de Donald Trump. Com o anúncio feito ainda em 8 de maio, a alíquota básica sobre produtos britânicos ficou em 10%, com componentes e produtos aeroespaciais britânicos isentos, desde que dentro de uma cota de exportações. Em troca, a taxação da Grã-Bretanha sobre bens americanos caiu de 5,1% para cerca de 1,8%, além de acordos para redução da burocracia aduaneira.
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fala à imprensa na Cúpula do Brics no Rio de Janeiro, Brasil, em 7 de julho de 2025 | Foto: Ricardo Moraes/Reuters
A Coreia do Sul comprometeu-se a criar um fundo de US$ 350 bilhões com os EUA. Desses, US$ 150 bilhões foram destinados à construção naval, gerando empregos para americanos. Em contrapartida, viu a tarifa cair de 25% para 15%. Houve ainda acordos fechados com Indonésia, Filipinas, Vietnã e Paquistão. Bastante adiantados e prováveis, Argentina e Chile. Ganharam mais prazo o México e, sobretudo, a China.
O Canadá, ao dizer que reconheceria o Estado da Palestina, trouxe um ingrediente a mais que gerou um dificultador. O mesmo com a Índia, dada a relação com a Rússia e o esforço americano para encerrar o conflito na Ucrânia, depois da invasão russa. Independentemente do estágio da costura de um acordo, todos esses países estão na mesa negociando com a Casa Branca.
Assim que foi anunciado o tarifaço americano, países e suas diplomacias profissionais apressaram-se na abertura de um canal de negociação. Diferenças e entraves que apareceram ao longo do caminho foram automaticamente colocados sobre a mesa e a rediscussão começou imediatamente. O Brasil de Lula preferiu fazer o contrário. Tomou para si o protagonismo da desdolarização e do Brics — não como grupo de comércio e de junção de interesses comuns, mas de mera afronta ideológica aos americanos em contextos de geopolítica que afastam o país dos valores ocidentais e dos próprios valores de sua população. Inocente e pretensioso, viu logo Rússia e Índia se distanciarem da proposta de abandonar o dólar como moeda global. Ao se associar ao Irã e demonstrar simpatia a grupos terroristas como o Hamas, Lula retirou o Brasil do clubão privilegiado da tarifa de 10% e colocou o país na mira de 50% de sobretaxa. Pior: com acusações de graves abusos aos direitos humanos. E, como nunca na história deste país, viu um ministro da sua mais alta corte ser sancionado com a aplicação da Lei Magnitsky. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, parceiro do consórcio que atropelou a Constituição e fez do Brasil uma anomalia institucional longe de suas tradições democráticas, está hoje na mesma lista de sancionados que inclui ditadores, genocidas e criminosos internacionais — a escória do mundo.
O caso brasileiro, que ganhou uma série de comunicados da Casa Branca que expõem o desvirtuamento do país com graves violações dos direitos civis e garantias individuais de sua própria Constituição, tem um particular. Tudo isso aconteceu sem que antes o país tivesse aberto uma conversa de alto nível, visto que destruiu a própria diplomacia e sua história conciliadora.
Não ajudaria muito na acusação de violar direitos humanos, mas preservaria alguma conversa para proteger os produtos brasileiros e quem trabalha e produz. Se na confirmação da sobretaxa de 50%, feita nesta semana, houve exceção para quase 700 produtos made in Brazil, foi por mera concessão americana, não pelo trabalho inexistente dos negociadores do governo brasileiro.
As sanções tarifárias e contra um juiz brasileiro pretendem mudar o comportamento errático e temerário de Brasília. Se não, a mensagem do secretário de Estado, Marco Rubio, deixou claro que ou o governo Lula e o STF se dedicam a trazer o país de volta à normalidade democrática institucional, respeitando sua própria Constituição e os direitos humanos, ou mais sanções virão.
A aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes foi comemorada. Isso mostra o que e como pensam os brasileiros que já não suportam mais o estado de exceção e insegurança jurídica instalado no país. Os Estados Unidos de Donald Trump estão de volta ao comando de negociações e acordos internacionais.
As tarifas foram meio e fim de uma promessa de campanha que devolve o protagonismo geopolítico a Washington, ameaçado pelo pífio governo democrata de Joe Biden, que permitiu o avanço da influência de Pequim no mundo e do belicismo russo na Europa. Estar na proa dos movimentos da política internacional é algo de que a política de Estado da Casa Branca não abre mão desde a Segunda Guerra Mundial.
Internamente, permite calibrar a qualquer momento a intensidade das sobretaxas de importação, até para controlar os efeitos nos índices econômicos. Uma leve pressão inflacionária de 0,3%, registrada em junho, pode incomodar. Mas o crescimento de 3% da economia americana no trimestre encerrado em junho, depois de um recuo de 0,5% nos três primeiros meses do ano, com aumento do consumo das famílias, é um sinal de confiança. Ficar fora desse mercado não parece ser bom negócio para ninguém. Por isso, países com presidentes e primeirosministros sensatos negociaram ou ainda negociam com a Casa Branca.
Os fatos recomendam.
Adalberto Piotto - Revista Oeste