sexta-feira, 18 de junho de 2021

"Você paga tudo isso", por Sílvio Navarro

 


Um raio-x dos abonos, benefícios e gratificações que turbinam os salários dos servidores de 46 estatais brasileiras bancados pelos pagadores de impostos


Salário médio de R$ 29 mil, planos de saúde com cobertura que ultrapassa a da maioria das operadoras na iniciativa privada, abono por assiduidade no serviço, assistência educacional superior à mensalidade de escolas caras, indenização em caso de assalto, garantia de emprego e liberação de alguns dias por ano para exercer atividades sindicais. Essas são algumas regalias que 46 empresas públicas oferecem aos seus funcionários. Pela primeira vez, esses privilégios podem ser consultados por todos os brasileiros no Relatório de Benefícios das Empresas Estatais Federais, elaborado pelo Ministério da Economia.

O documento, de 84 páginas, detalha os abonos e gratificações que os funcionários recebem em empresas e bancos estatais, mostrando como são formatadas algumas das maiores remunerações de um país onde a renda média do cidadão é de R$ 1.380. Esse valor, aliás, é menor do que o auxílio-refeição de R$ 1.500 de cada um dos 2.500 funcionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Somam-se a isso 13 cestas-alimentação de R$ 650 (gratificação prevista em convenção coletiva dos bancários), R$ 1.200 para a educação de cada filho com até 18 anos, seguro de vida e plano de saúde no “pós-emprego” — os aposentados mantêm o direito.

Agora pense em algo chamado “abono assiduidade” ou até “folga assiduidade”. Sim, essas rubricas existem. Na Casa da Moeda, uma das empresas incluídas no Plano Nacional de Desestatização (PND), é possível descansar até 40 horas por ano (ou convertê-las em dinheiro) por não faltar ao trabalho. Já no Banco do Nordeste (BNB), quem cumprir com a jornada regularmente sem falta injustificada pode descansar um dia por ano. Mais exemplos? Na Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), quem dá expediente no dia do portuário, em 28 de janeiro, recebe em dobro, como se fosse feriado. E a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) oferece o Incentivo à Prática de Esportes e de Atividades Culturais, com abono de três dias por ano para participação em eventos esportivos das associações de empregados e possibilidade de uso de banco de horas para compensar demais dias.

Deixada de lado na lista de prioridades para privatização, a Ceagesp, o maior centro atacadista de alimentos da América Latina e o terceiro do mundo, também tem suas excentricidades: os empregados indicados pelo sindicato podem "se ausentar para participar de cursos de interesse da categoria, seminários e encontros, sem ônus para o empregado". Não por acaso, muitos dos eventos promovidos ocorrem em sextas-feiras e na véspera de feriados. A companhia também oferece uma das mais longas estabilidades de emprego para mulheres gestantes: um ano após o término da licença-maternidade.

Milhares de brasileiros estão acostumados a esticar a jornada de trabalho, alguns sem nenhuma recompensa por isso. Mas, na Caixa Econômica Federal (CEF), os funcionários têm direito a adicional noturno de 50% — a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), contudo, estipula 20% sobre a hora normal. Também possuem isenção de tarifas bancárias, algo que consome a renda da maioria dos cidadãos. No Banco do Brasil, dirigentes sindicais podem se ausentar até dez dias por ano.

Bola da vez das privatizações — ou quase isso —, caso a medida provisória enviada pelo Palácio do Planalto seja aprovada no Congresso Nacional até o dia 22 de junho, a Eletrobras, com sede no Rio de Janeiro, também tem alguns números que saltam aos olhos do pagador de impostos. As empresas do grupo (Amazonas GT, Eletrosul, Chesf, Eletronorte, Eletronuclear e Furnas) patrocinam 15 planos de benefícios previdenciários. O valor disso por ano é de R$ 556 milhões. A gratificação de férias é de 75% — enquanto o terço constitucional prevê 33% para quem tem carteira de trabalho assinada.

A Eletrobras tem 12 mil empregados, com média salarial de R$ 11 mil — e um diretor-executivo que recebe mais de R$ 1 milhão por ano, além de acréscimos de bônus e acesso aos benefícios. Parece muito? Na Petrobras, um executivo dessa estatura chega a faturar R$ 2,9 milhões no ano. São cerca de R$ 240 mil por mês, ou R$ 8 mil por dia.

Servidores protestam contra a privatização da Eletrobras

Vamos além. Já experimentou reclamar dos Correios? Imediatamente, é decretada uma greve. Ineficiente, ultrapassada pelas empresas de logística que ganharam a predileção dos serviços de e-commerce — que cresceram exponencialmente por causa das medidas de isolamento na pandemia — e pelas correspondências enviadas on-line, a estatal está parada no tempo, com um passivo que ultrapassa R$ 14 bilhões por ano. Um exemplo da passagem do tempo para a ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) é o "compromisso de realocar empregados cuja atividade seja afetada por inovações tecnológicas ou racionalização de processos".

O Brasil é o 7º país entre 64 economias que mais gasta com salários de servidores públicos

Acrescentam-se a isso os escândalos de corrupção: a própria gênese da denúncia do Mensalão foi ali, além do Postalis, um dos fundos de previdência campeões de denúncias de desvios. A empresa é uma das que mantêm o chamado "vale-cultura" mensal e até um "vale-peru" natalino de R$ 1.000.

Um consórcio de especialistas em auditoria e escritórios de advocacia é responsável por finalizar até setembro um parecer sobre a situação financeira e jurídica da ECT. Depois da MP da Eletrobras, a prioridade do governo Jair Bolsonaro será fazer avançar o projeto de lei de quebra do monopólio dos Correios. Segundo líderes dos partidos na Câmara, essa é uma tarefa ainda mais árdua, porque enfrenta forte resistência não só da oposição, mas das siglas do chamado Centrão, que manda hoje na Casa. O motivo é a impopularidade do projeto. Criou-se a lenda de que os 99 mil funcionários alocados nas 6 mil agências espalhadas pelo país perderão o emprego — ainda que não exista nenhuma evidência disso, já que não se trata da venda da estatal.

ESTADO INCHADO

A divulgação desses dados, mantidos em sigilo há décadas, provocou críticas de sindicatos e associações, especialmente dos bancos públicos, que reagem a qualquer possibilidade de desestatização. Responsável por dar publicidade aos relatórios, o secretário Diogo Mac Cord de Faria, que sucedeu a Salim Mattar no cargo, afirma: "O governo tem a responsabilidade de promover transparência total sobre as estatais federais, fazendo chegar ao público informações importantes que promovam, de forma acessível, maior conhecimento desse universo de empresas”. Para o secretário, “a melhor arma que a gente pode ter para combater qualquer tipo de privilégio é a transparência”.

No ano passado, um estudo do Instituto Millenium, com agenda liberal e sem vínculos políticos, concluiu que o Brasil é o sétimo país entre 64 economias pesquisadas que mais gasta com salários de servidores públicos (federais, estaduais e municipais), algo como 13% do Produto Interno Bruto (R$ 930 bilhões por ano). Durante muito tempo, especialmente nos governos do PT, o Estado só inchou e racionalizar os gastos públicos — leia-se: mexer com privilégios — tornou-se uma encrenca. Mas o que precisa ficar cada vez mais claro é quem paga tudo isso: você, leitor.

Revista Oeste