sexta-feira, 18 de junho de 2021

"A tirania dos passaportes de vacina", por Fraser Myers, da Spiked

 



A vacina em si pode nos libertar. Mas os 'passaportes de vacinação' vão retirar os direitos das pessoas


Olançamento da vacinação foi um raro sucesso para o governo do Reino Unido. Não só as pessoas mais vulneráveis receberam suas doses antes do cronograma, mas a adesão à vacina também foi muito mais alta do que a esperada. Entre as pessoas de 70 anos ou mais, a adesão foi de 90%, chegando a impressionantes 97% na faixa de 75 a 79 anos. As hospitalizações e as mortes estão desabando. E, no entanto, os clamores por “passaportes de vacinação” — que implicariam uma vacinação obrigatória de fato — estão cada vez maiores.

A questão se tornou confusa por duas demandas separadas chamadas “passaportes de vacinação”. Para alguns, isso se refere a passaportes para viagens internacionais. O Instituto para Mudança Global Tony Blair, por exemplo, afirmou em tom de ameaça que “comprovar seu estado de saúde em relação à covid-19 vai se tornar um fato da vida” em seus pedidos por passaportes de vacinação. Mas suas propostas estão voltadas para a abertura das fronteiras. De muitas formas, isso é menos controverso. Não é incomum precisar de toda uma gama de injeções para viajar para alguns lugares.

O que é muito mais preocupante é o pedido de passaportes de vacinação para uso doméstico — para acesso a serviços e entretenimento, por exemplo. E não é difícil ver como o desenvolvimento de um passaporte de vacinação externo para que você possa embarcar em um avião pode ser adaptado com muita facilidade.

De início, o governo havia prometido não introduzir esses passaportes. “Não estamos planejando ter um passaporte no Reino Unido”, insistiu Nadhim Zahawi, ministro do Desenvolvimento de Vacinas, no começo deste mês. “Não é como fazemos as coisas”, disse ele. Sem dúvida, o governo também estava preocupado com a possibilidade de que, se as pessoas tivessem a impressão de que estavam sendo coagidas a se vacinar, isso prejudicaria a confiança.

Mas algo parece ter mudado desde então. No fim de semana, o ministro das Relações Exteriores, Dominic Raab, afirmou que o esquema do passaporte de vacinação, que garantiria o acesso a espaços de hospitalidade e eventos, estava “sendo considerado”.

Isso foi derrubado pelo escritório do primeiro-ministro britânico. Mas, em todo caso, os ministros parecem bastante felizes em deixar o setor privado levar essa ideia adiante. O jornal Financial Times relata que empresas em uma vasta gama de indústrias já começaram mobilizar advogados para elaborar contratos “sem vacina, sem vaga”. Alguns na indústria de eventos já apontaram os passaportes de vacinação como uma rota possível para a “normalidade” (como se houvesse qualquer coisa remotamente normal nessa ideia).

Em poucas semanas, o ministro de Desenvolvimento de Vacinas foi de menosprezar esses passaportes como “discriminatórios” a dar de ombros enquanto eles emergem pela porta dos fundos via setor privado. “Cabe às empresas decidir o que fazer”, esta é sua evasiva não resposta atual. O governo chegou a oferecer 70 mil libras do dinheiro dos contribuintes para as empresas de biometria iProov e Mvine desenvolverem um passaporte da covid, tamanho seu nível de não envolvimento.

Não podemos permitir que isso aconteça. Zahawi estava certo da primeira vez. Passaportes de vacinação seriam discriminatórios. Em primeiro lugar, porque a hesitação em vacinar-se é mais alta entre muitos grupos de minorias étnicas e minorias religiosas. Mas, se acreditamos que a hesitação em relação à vacina é irracional, a perspectiva de grande número de britânicos oriundos de minorias sendo rejeitados de empregos e serviços deveria deixar qualquer governo desconfortável. Em segundo lugar, existem muitos grupos para os quais há a recomendação médica de evitar a vacinação — de grávidas a pessoas com determinadas questões de saúde. Eles também não terão permissão para fazer parte da sociedade, de decidir com que riscos se sentem confortáveis, se assim desejarem?

O impulso autoritário de convencer e controlar a sociedade continua forte

Ao contrário do que alguns neoliberais possam dizer, não existe grande distinção moral entre as empresas retirarem seus direitos e o governo retirar seus direitos, especialmente se o resultado final for o mesmo: que você não poderá participar de maneira livre e igualitária da sociedade.

As pessoas que foram vacinadas não têm o que temer em relação àquelas que não foram. É difícil levar a sério qualquer afirmação de que um esquema como esse tem a segurança como objetivo. Quando o jornalista britânico Piers Morgan vocifera que “ama a ideia de um passaporte de vacinação contra a covid para todo lugar”, ele clara e abertamente demonstra prazer na ideia de oprimir os demais. “Está na hora de alguém revelar o blefe dos malucos negacionistas da covid e antivacina e bani-los de ir a qualquer lugar onde cidadãos responsáveis estejam” é a justificativa dele.

De alguma forma, o debate do passaporte de vacinação é uma extensão do debate sobre o lockdown pós-vacina. Mesmo enquanto os riscos causados pela covid-19 começam a desaparecer do horizonte, graças à imunização, o impulso autoritário de convencer e controlar a sociedade continua forte. Novas cepas mutantes do princípio de prevenção continuam surgindo para o adiamento do retorno das nossas liberdades pré-coronavírus.

Se forem criados, os passaportes de vacinação virão para ficar. Qualquer intervenção nova que seja proposta um ano depois da chegada do coronavírus às nossas costas não será liquidada quando a crise da covid-19 acabar. Quando implantados, os passaportes de vacinação sem dúvida sofrerão metástase para acomodar novas formas de coerção e monitoramento. Eles terão novos propósitos para novas ameaças, reais e imaginárias.

As vacinas, ao mais ou menos eliminar os perigos da covid-19, deveriam nos libertar. Mas neste clima autoritário não deveríamos nos surpreender que algumas pessoas queiram usá-las para o oposto disso.


Fraser Myers é editor-assistente da Spiked e apresentador do podcast Spiked. Siga-o no Twitter: @FraserMyers.

Revista oeste