sábado, 17 de abril de 2021

"Prestem atenção no Chile", escreve Leonardo Coutinho

 

Pessoas aguardam sua vez de serem vacinadas com a vacina contra Covid-19, na Igreja Medalla Milagrosa em Valparaíso, Chile, em 6 de abril de 2021. Imagem ilustrativa.| Foto: JAVIER TORRES / AFP


Os chilenos têm indicadores sociais de fazer inveja e fizeram reformas econômicas que o Brasil jamais foi capaz de realizar. Entre os latinos, são aqueles que mais se aproximam do primeiro mundo. Na condução da pandemia de Covid-19, eles foram considerados um exemplo global. Em meio à tragédia latino-americana, quem não ouviu nenhuma comparação com o Chile? Nenhum país das Américas vacinou mais do que eles. Os chilenos ostentam a marca de 40% da população imunizada. Para fins de comparação, os Estados Unidos têm 37% de sua população vacinada e o Brasil apenas 11%. O resultado disso deveria ser uma queda abrupta nas curvas de casos e mortes. Deveria. Justamente agora, quando o Chile deveria estar colhendo os frutos de ter feito tudo certo, algo de muito errado aconteceu.

Ao contrário de seus companheiros líderes globais de vacinação, os casos e mortes diários não estão baixando.

Israel, Reino Unido e Estados Unidos, que juntos com o Chile lideram o ranking com os melhores índices de imunização, viram as curvas de casos e óbitos caírem drasticamente. Algo esperado, já que as vacinas são um reforço fundamental para barrar as novas infecções, a propagação e as mortes. Mas no Chile está acontecendo o inverso. A ocorrência e as mortes começaram a subir depois do início da vacinação. Nesta semana, o país teve a pior média móvel de casos desde o início da pandemia. Qual seria a razão?

Parece que o problema está, justamente, na vacina. Ou mais precisamente na desinformação em torno da principal vacina aplicada nos chilenos. Nada menos que 88% das doses aplicadas por lá são de CoronaVac, a mesma que também lidera no Brasil.

Não se trata de dizer que a vacina chinesa não funciona, mas o imunizante tem a menor taxa de eficácia entre todos os que já estão em uso. Mas muita gente tenta convencer as pessoas do contrário. Há uma urgência em reconhecer e informar quem está sendo imunizado que nenhuma vacina é capaz de protegê-los plenamente. Muito menos a CoronaVac que, para o azar dos chilenos e brasileiros, de longe é aquela que menos oferece proteção.

Chilenos, brasileiros e um monte de gente ao redor do mundo não tem outra saída. Diante da falta de imunizantes mais eficientes, populações inteiras têm que se virar com vacinas ainda não totalmente testadas e aprovadas. Já que a CoronaVac é o que lhes resta, as autoridades deveriam então parar de tentar esticar os números, seja para tentar melhorar a confiança, seja para melhorar a propaganda.

O resultado está nas estatísticas do Chile. Por lá, as pessoas passaram um ano inteiro levando muito a sério as restrições. Além do cansaço natural com uma vida paralisada pela pandemia, os chilenos se viram imunizados. Finalmente recompensados depois de tanto sacrifício. O resultado meio natural desta combinação foi um relaxamento com os cuidados. Comportamento exatamente igual ao que se vê aqui nos Estados Unidos e não será diferente no Brasil.

A diferença é que o “escudo” que foi oferecido aos chilenos tem quase a metade da capacidade de proteção das principais vacinas que estão sendo disponibilizadas para os americanos. Portanto, em conta de padeiro, pode-se afirmar que o chileno vacinado tem quase o dobro de chances de contrair Covid-19 que os moradores dos Estados Unidos.

Se a CoronaVac é o que temos, que tal João Dória e companhia pararem de tentar anabolizar os seus números desde a origem? No sábado (10/4) o diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China, George Gao Fu, reconheceu a baixa eficácia da vacina. Chegou a sugerir a combinação com a de outros fabricantes para melhorar o desempenho. A afirmação repercutiu pelo mundo.

No Brasil foi tratada com condescendência, na linha que a “China busca melhorar suas vacinas”. No dia seguinte, quando Pequim tentava reverter o impacto negativo da declaração do dirigente, o Instituto Butantan deu uma força. Em pleno domingo, publicou um estudo em uma plataforma aberta, sem revisão de pares, com resultados atualizados de seus estudos sobre a vacina. E vejam só a eficácia primária teria atingido 50,7% e não 50,38% como informado em janeiro. Um incremento de 0,32%. Uau! O índice, segundo o estudo, “pode chegar” a 62,3%. Pode chegar. E mesmo que chegue ainda será a vacina menos eficaz entre todas as disponíveis.

Mesmo com a evidência de que pessoas que receberam as duas doses contraíram a doença, foram parar na UTI e outro morreram, os políticos do Instituto Butantan ainda insistem na versão de 100% de eficácia para os casos extremos. Vacina alguma tem esse desempenho, mas ainda vendem esta versão que muita gente ainda acredita e, por causa disso, reduz os cuidados. Cobrado pelos chilenos, o Ministério da Saúde deles se escora nos números dos brasileiros. “A vacina é 100% efetiva”. Pobrecitos.

Qual a solução, então? Dizer a verdade. O que precisa ser combinado com a CoronaVac não é outra vacina de outra marca ou tecnologia. Antes de tudo, a CoronaVac precisa de transparência e honestidade. Estes dois ingredientes aumentarão significativamente a capacidade do imunizante salvar vidas. Quem é vacinado precisa saber que a vacina ajuda, mas não resolve. É uma enorme camada extra de proteção, mas que de nada adiantará se eles não seguirem se cuidando. Máscaras, dois metros de distância quando possível e mãos limpas.

Vender que a CoronaVac é uma vacina capaz de barrar os vírus é uma estratégia arriscada e possivelmente responsável pelo engano que pode estar na origem dos picos de casos e mortes no Chile. Os sinais que vêm do Uruguai apontam para o mesmíssimo problema. Com boa taxa de imunização, 22%, tem maior índice de mortes per capita que o Brasil. A CoronaVac, que é a vacina mais usada no Uruguai, não impediu que o país seja hoje (levando em conta o tamanho da população), o pior lugar da região, superando de longe os momentos mais críticos já registrados no Brasil.

Pode custar prestígio político redimensionar os “poderes” da CoronaVac, mas não o fazer pode estar custando muitas vidas. O Chile, mais uma vez, é o nosso grande exemplo.


Gazeta do Povo