domingo, 24 de janeiro de 2021

"Os efeitos da pandemia nas relações de consumo", segundo Sergio Tanure

 


O governo Federal agiu rápido ao decretar estado de calamidade pública no Brasil (Decreto Legislativo nº 06/2020) e ao criar o auxilio emergencial, que salvou a economia do caos


De forma inesperada e imprevisível, a humanidade foi forçada a se adaptar para sobreviver ao surgimento do coronavírus e aos seus efeitos colaterais na economia mundial. Todos os setores foram afetados pelo vírus chinês e as pessoas físicas e jurídicas tiveram que se reinventar. 

A turma do “#FiqueEmCasa” criou uma narrativa segundo a qual o fechamento do comércio e das escolas e até o lockdown seriam a solução, deixando a economia para depois. 

É lógico que a conta iria chegar – para todos.

Nesse cenário que afetou pequenos, médios e grandes, o consumidor sofreu desde o começo pois as relações comerciais e contratuais mudaram e tiveram que se aperfeiçoar. 

O Governo Federal agiu rápido, com medidas provisórias para proteger contratante e contratado e o Código de Defesa do Consumidor se tornou mais imprescindível do que nunca, para o exercício das garantias da parte mais frágil numa relação de consumo.

Como especialista em Direito do Consumidor, fui convidado para diversas entrevistas desde o início da pandemia de covid-19 e, desde então, resolvi adotar o seguinte mantra: o momento é de renegociar, remarcar, reagendar e nunca cancelar. 

Eu entendi que, se por um lado, os consumidores tiveram problemas, por outro lado, os fornecedores estavam sendo penalizados cruelmente. 

O dono de buffet infantil, os fornecedores de festas de casamentos, os donos de escolas e até gigantes como as companhias de aviação viram-se na eminência da bancarrota. A crise afetou fortemente tanto a manicure do salão de beleza como o dono de uma universidade.

O surgimento do vírus chinês foi um evento imprevisível e extraordinário, impactando em todas as obrigações contratuais. Contudo, eu sempre preguei que a judicialização de questões não era o caminho. Peguemos o exemplo das festas de crianças, que são organizadas com antecedência de seis meses ou mais, pois buffets concorridos têm fila de espera de mais de um ano. 

Quem fechou contrato em 2019 e vinha pagando as prestações de uma festa que aconteceria em abril de 2020, por exemplo, não pôde realizar a festa do filho e, consequentemente, poderia pedir o dinheiro de volta pois não houve a prestação do serviço. Se todo pai e mãe pedissem o dinheiro de volta, os buffets quebrariam e, ao final, a maioria não iria receber nada. 

Portanto, a solução mais adequada para as partes tem sido a renegociação, com o reagendamento da festa para uma data futura, realizando o sonho do filho e preservando a relação contratual e a saúde financeira do fornecedor.

Outro segmento fortemente afetado em razão da pandemia foram as academias, que ficaram meses fechadas e reabriram com restrições. 

Nesse ramo, os alunos fecham pacotes semestrais ou anuais, sendo que muitos pagam com cartão de crédito. Se a unidade estava fechada, o aluno não precisa pagar mensalidade de um serviço que não teve. 

Portanto, no período em que ficaram fechadas, as academias não podem cobrar as mensalidades. Uma vez que ambas as partes foram afetadas pela quarentena, eu sugiro negociar uma prorrogação do prazo de validade do plano, para fruição futura, por período igual ao tempo em que a academia ficou impedida de abrir.

Vale ressaltar que o Governo Federal agiu rápido ao decretar estado de calamidade pública no Brasil (Decreto Legislativo nº 06/2020) e ao criar o auxilio emergencial, que salvou a economia de um caos ao prover um sustento financeiro aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, no período de enfrentamento à crise.

Curiosamente, com o avançar da pandemia, a crise econômica foi revelando soluções diferentes das tendências que se previam. 

Com o passar do tempo, os prognósticos exagerados e as previsões catastrofistas (como as feitas por certo biólogo youtuber com vocação para Nostradamus tupiniquim) não se cumpriram e a economia brasileira reagiu bem e rápido, sendo que alguns setores já performam em níveis pré-pandemia, apesar das perdas causadas pelas quarentenas. 

A esperança de uma retomada econômica é uma realidade que já pode ser vislumbrada no horizonte deste ano que está se iniciando.

*Sergio Tannuri é advogado especialista em Direito do Consumidor e jornalista

Revista Oeste