sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

"Como surgiu o novo coronavírus?", segundo Dagomir Marquezi

A resposta mais provável, até o momento: o vírus teve origem em pesquisas com manipulação genética no Instituto de Virologia de Wuhan


Você sabe como surgiu a covid-19?

Ninguém sabe. 

O regime comunista chinês escondeu a própria existência do novo coronavírus por um mês, enquanto a doença se espalhava pelo mundo. 

A Organização Mundial da Saúde, que cansou de demonstrar subserviência ao governo de Pequim, pediu por meses a entrada de uma delegação no país para descobrir como tudo havia começado. 

A China respondeu com uma barreira de exigências e regras que adiaram até agora o início dos estudos. 

E assim, um ano depois, ninguém sabe ainda como surgiu o vírus que mudou nossa vida.

Finalmente a autorização para o início das investigações foi dada no último dia 11 pelo governo chinês. 

Dez “caçadores de vírus”, originários de quatro continentes, vão se encontrar em Wuhan, o berço da pandemia, a partir deste dia 14. 

Farão, é claro, o que as autoridades permitirem. Isso se o regime comunista não inventar alguma nova barreira de última hora.

Afinal, o presidente Xi Jinping impediu (segundo a agência Associated Press) universidades, agências médicas e laboratórios chineses de compartilhar qualquer informação sobre o novo coronavírus com o resto do mundo. 

Quem tentou furar esse bloqueio foi preso ou simplesmente desapareceu. 

A origem do problema mais grave do mundo atual permanece no escuro.

Enquanto a China não liberava o grupo de pesquisadores da OMS, o escritor norte-americano Nicholson Baker resolveu fazer sua própria investigação. 

Pesquisou todos os relatórios científicos que encontrou e conversou com dezenas dos maiores especialistas do mundo em pandemias. 

Reuniu suas conclusões num longo artigo para a New York Magazine

Manteve a mente aberta para qualquer possibilidade. 

Até para a hipótese de a covid-19 ter surgido espontaneamente, o que é defendido por cientistas sérios e competentes.

Ele não encontrou nenhuma suspeita de que a covid-19 tenha sido planejada como arma biológica. 

Mas, segundo o levantamento de Baker, o que aconteceu foi definitivamente um acidente. 

Depois de ouvir tantos depoimentos qualificados, o escritor ganhou muita certeza para afirmar que o novo coronavírus foi “desenhado” na China. 

E que escapou de um laboratório.

A covid-19 pode ter sido consequência de uma escola de pesquisas biológicas chamada de gain of function (ou “ganho de função”). 

A ideia é pegar um vírus existente e manipular sua genética para que ele se torne cada vez mais letal. 

E, assim, criar as condições para que a cura da doença causada por ele seja possível.

Parece inacreditável. 

Mas é isso mesmo que ocorre nas pesquisas de “ganho de função”, movidas a muito dinheiro: laboratórios criam doenças inéditas, cada vez mais devastadoras, para encontrar a cura delas. 

O vírus Sars surgiu em 2003 na China a partir de experimentos em que se misturavam códigos genéticos de vírus que infectam morcegos e seres humanos. 

O mesmo aconteceu uma década depois com o Mers (agente da síndrome respiratória do Oriente Médio) quando foram misturados genes de vírus presentes em morcegos e camelos.

Por mais bem guardados que sejam esses novos vírus artificiais, acidentes acontecem. 

“Um tubo de ensaio cai, uma agulha se quebra, um rato morde, um frasco ganha o rótulo errado”, resume Baker. 

Só nos Estados Unidos, segundo investigação do jornal USA Today, “mais de 1.100 incidentes envolvendo bactérias, vírus e toxinas que representam riscos significativos de bioterrorismo foram reportados aos órgãos reguladores federais entre 2008 e 2012”.

Trata-se de casos descobertos, investigados e corrigidos dentro do possível pelas autoridades norte-americanas. 

Não é o que aconteceu na China — que preferiu até agora esconder seus erros debaixo do tapete. 

Declarou a cientista Alina Chan, que trabalha no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e na Universidade Harvard:

“Não sei se encontraremos as provas de um erro, especialmente se foi um acidente de laboratório. […] O governo chinês também restringiu seus especialistas de procurar pelas origens do Sars-CoV-2 [responsável pela covid-19]. Nesse passo, a origem do vírus deverá ser enterrada pela passagem de tempo”


É improvável que um morcego que vive em cavernas no sul do país tenha chegado a Wuhan


Os especialistas que apostam na hipótese de vazamento do vírus de um laboratório apontaram o mais forte suspeito: o Instituto de Virologia de Wuhan, onde se realizam trabalhos para criar coronavírus híbridos a partir de morcegos. 

O jornalista Sam Husseini, do Consortium News, lembrou logo no início da pandemia que existem onze laboratórios de nível BSL-4 nos Estados Unidos. 

A sigla indica um estabelecimento “de segurança máxima e nível 4 de biossegurança, usado para estudar os patógenos (vírus transmissores de doenças) mais perigosos conhecidos”. 

Husseini declarou num simpósio: 

“Só estou perguntando: é total coincidência que esta epidemia tenha acontecido na única cidade da China que tem um laboratório de nível BSL-4?”. 

Ele se refere justamente a Wuhan e seu Instituto de Virologia.

O professor Botao Chao (da Universidade de Tecnologia do Sul da China) publicou, também no início da pandemia, um relatório notando que em Wuhan se localizam não só o Instituto de Virologia como um Centro de Prevenção e Controle de Doenças. 

Esse centro fica a pouco mais de 100 metros do “mercado molhado” — de onde, segundo o próprio governo chinês, o vírus se espalhou.

É praticamente certo que a primeira origem da covid-19 seja o vírus de um morcego. 

E, segundo o professor Chao, o mercado de onde a doença se espalhou não vendia morcegos. 

Ele acha muito improvável que um morcego que vive em cavernas no sul do país tenha penetrado numa metrópole. 

“O coronavírus provavelmente é originário de um laboratório em Wuhan”, concluiu o professor. 

E defendeu a ideia segundo a qual laboratórios que lidam com doenças tão perigosas deveriam ser afastados de lugares densamente povoados. (Wuhan tem 11 milhões de habitantes.) 

Logo, o relatório do dr. Botao Chao desapareceu da internet.

O autor Nicholson Baker estudou a história do coronavírus desde que começou a afetar cães, vacas e porcos no início da década de 1970. 

A partir de 2003, o vírus passou a matar cozinheiros e outros envolvidos no tráfico e no consumo de carne de animais selvagens em Guangzhou, na China. 

De lá se espalhou para 30 países e territórios, matando mais de 800 pessoas.

No caso da China, são dois os fatores que levam ao desastre. 

O primeiro são laboratórios mal equipados e mal protegidos. 

O segundo é o costume chinês de comer “qualquer coisa que se mova”. 

Animais selvagens e domésticos de várias partes do mundo são oferecidos ainda vivos (em condições extremamente cruéis) e mortos na frente dos fregueses, ao ar livre. 

Os “mercados molhados” chineses (e de outros países da Ásia) empilham sangue, fezes e urina de espécies diferentes, criando o caldo de cultura ideal para o nascimento de vírus mutantes. 

Quando um laboratório biológico está instalado na vizinhança, temos a tempestade perfeita.

Seria injusto falar apenas dos chineses no desenvolvimento de vírus modificados, também conhecidos como “quimeras”. 

Dois cientistas norte-americanos, Ralph Baric e Boyd Yount (da Universidade da Carolina do Norte), dedicaram a vida a inocular doenças em cobaias sãs e misturar suas células com as de outras espécies, inclusive humanas. 

Em 2007, Baric declarou que o mundo havia entrado na “idade de ouro da genética do coronavírus”. 

Um colega dele disse a Nicholson Baker que tinha “medo de abrir os refrigeradores” do instituto de pesquisa onde trabalhavam. 

Ralph Baric e a dra. Shi Zhengli, do Instituto de Virologia de Wuhan, iniciaram pesquisas conjuntas a partir de 2015.

O apelido da dra. Shi Zhengli é “mulher-morcego”. 

Ela usa redes para capturar centenas de espécimes do mamífero em cavernas do sul da China. 

Colhe saliva, sangue, mucosas anais e pedaços de suas fezes. 

A partir de 2012, a dra. Zhengli passou a levar a coleta de material para o laboratório viral em Wuhan. 

Quando foi descoberto o vírus que seria conhecido como Sars-CoV-2, a revista Scientific American a entrevistou.

A cientista falou abertamente: 

“Eu nunca esperava que esse tipo de situação acontecesse em Wuhan, na China central”. 

Afinal, as amostras eram colhidas em cavernas localizadas a 1.500 quilômetros da cidade. 

Sua suspeita se tornou uma simples questão de lógica: o vírus teria escapado de seu laboratório? 

“Isso perturbou minha cabeça. Não consegui dormir por dias.” 

Mas logo o ministro da Educação da China baixou o toque de silêncio. 

E a dra. Shi Zhengli, a “mulher-morcego”, negou o que tinha dito à revista.

Independentemente dos dados que a equipe da OMS possa recolher — ou não — de sua pesquisa em Wuhan, existe uma lição a ser aprendida, enquanto há tempo. 

O artigo de Nicholson Baker encerra-se com uma questão ética fundamental para nossa sobrevivência.

“Temos de parar de caçar novos agentes de doenças exóticas na natureza, mandá-los para laboratórios e manipular seus genomas para provar quão perigosas elas podem se tornar para o ser humano. Os morcegos querem apenas ficar pendurados em suas cavernas e não ser incomodados por gente carrancuda em roupa de astronauta que quer enfiar cotonetes em seu traseiro.”

Uma coisa é incentivar o avanço científico. 

Outra é cultuar cegamente a ciência como uma deusa intocável, sem refletir sobre as consequências de muitos de seus atos. 

Cientistas envolvidos no “ganho de função” estão abrindo a caixa de Pandora dos segredos mais elementares da vida por motivos fúteis e egoístas. 

Criar doenças para vender vacinas — ou potenciais armas biológicas — não parece ser uma atividade exatamente nobre. 

O espectro de quase 2 milhões de mortos pela covid-19 aguarda a revelação dos responsáveis pela tragédia.


Dagomir Marquezi, nascido em São Paulo, é escritor, roteirista e jornalista. Autor dos livros Auika!, Alma Digital, História Aberta, 50 Pilotos — A Arte de Se Iniciar uma Série e Open Channel D: The Man from U.N.C.L.E. Affair. Prêmio Funarte de dramaturgia com a peça Intervalo. Ligado especialmente a temas relacionados com cultura pop, direitos dos animais e tecnologia.


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