sexta-feira, 25 de setembro de 2020

"Os intelectuais e a sociedade', por Rodrigo Constantino

Intelectuais ignoram que há mais sabedoria na população em geral do que num indivíduo qualquer, por mais inteligente que ele seja




Thomas Sowell é um dos principais pensadores vivos. Sua capacidade de sintetizar seus argumentos e derrubar falácias é ímpar, e isso torna a leitura de seus livros extremamente prazerosa e enriquecedora para nossas reflexões. Entre as melhores obras está, sem dúvida, Intelectuais e Sociedade, que pretendo resumir a seguir.

Algumas expressões usadas em debates políticos já se tornaram indissociáveis de Sowell, e uma das que mais gosto é “a visão dos ungidos”. Sowell lida com o “conflito de visões” entre aqueles que adotam uma premissa mais utópica da natureza humana e aqueles mais realistas, que entendem que somos seres limitados, não com elasticidade infinita numa tábula rasa.

O primeiro grupo costuma cair na “tirania da visão”, em que suas crenças valem mais do que os fatos. Isso leva ao “monopólio das virtudes”, uma tática desleal de debate, pois considera o oponente com base em suas supostas intenções malignas, não seus argumentos. É muito comum, nas elites intelectuais, essa visão arrogante, e é disso que o livro trata.

Ele alega que provavelmente nunca na história houve uma época em que intelectuais exerceram um papel maior na sociedade. Antes é preciso definir o que Sowell entende por intelectuais. Intelectual, aqui, é aquele que vive das ideias. Intelectual não é o mesmo que sábio, já que sabedoria é aquela rara qualidade de combinar intelecto, conhecimento, experiência e julgamento para produzir uma compreensão coerente do mundo. 

Sabedoria requer autodisciplina e a apreensão da realidade, incluindo os limites da experiência pessoal e da própria razão. Intelectuais, como uma categoria ocupacional, são os indivíduos que lidam com ideias, como escritores, acadêmicos, ativistas políticos e jornalistas, e eles não necessariamente demonstram tal habilidade.


Intelectuais ganham notoriedade por visões políticas e ideológicas, mesmo quando a fonte de sua expertise é bem diferente


O grande problema, na verdade, é justamente o abismo entre a intelligentsia e a sabedoria, uma vez que esses intelectuais adotam critérios internos de “validação” para suas ideias, que passam a não depender do feedback do mundo real externo, o que permite uma forma circular que retroalimenta certas crenças mesmo quando absurdas. 

Se um engenheiro projetar uma ponte de forma equivocada, ela não fica de pé. 

Se um intelectual defender uma ideologia nefasta, ele sempre pode encontrar bodes expiatórios para transferir a responsabilidade pelos fracassos do experimento. “Deturparam Marx”, dizem os crentes insistentes a cada nova desgraça marxista.

Não só os intelectuais ficam blindados contra as consequências materiais de suas ideias, muitas vezes eles desfrutam de imunidade total sem nenhuma perda de reputação mesmo quando estão claramente equivocados. Sartre defendeu barbaridades e isso nunca o impediu de ser reverenciado como grande pensador, o ambientalista Paul Ehrlich previu imensas crises de inanição justo quando a revolução verde começava no mundo, e por aí vai. 

O intelectual não costuma ser cobrado por seus pares e restrições que se aplicam à maioria dos campos normalmente estão ausentes nessa área.

Outro aspecto interessante que Sowell mostra é como intelectuais ganham notoriedade por visões políticas e ideológicas, mesmo quando a fonte de sua expertise é bem diferente. 

Bertrand Russell tinha tratados interessantes sobre a matemática, mas isso não tinha nada a ver com a reverência que ele recebia como intelectual público, dando palpites sobre desarmamento global ou cristianismo. 

George Bernard Shaw era poeta, mas sua fama de intelectual veio de sua defesa do socialismo, e o fato de ele defender ditaduras de forma explícita nunca arranhou sua imagem perante seu público. Noam Chomsky se destacou como linguista, mas a bajulação a ele vinha de seu papel como intelectual “anarquista”, demonizando o sistema capitalista norte-americano.

Eis, então, o erro fatal dos intelectuais: assumir que sua habilidade superior dentro de uma área particular pode ser generalizada como uma sabedoria superior ou uma moralidade superior. 

Eles ignoram a falta de elo entre as duas coisas, assim como o fato de que há mais sabedoria na população em geral do que num indivíduo qualquer, por mais inteligente que ele seja. 

O conhecimento total, portanto, supera aquele das elites intelectuais, mesmo que cada indivíduo escolhido aleatoriamente entre grandes grupos tenha apenas fragmentos inexpressivos desse conhecimento.


Intelectuais preferem flertar com abstrações racionalistas e desprezar tradições e tabus


Os intelectuais, de forma arrogante, partem da premissa implícita de que o conhecimento já está concentrado em pessoas como eles, e que por isso mesmo o processo decisório também deveria estar concentrado nessa elite “iluminada” que saberá tomar as melhores decisões pelo povo. 

O movimento “progressista” norte-americano sempre teve como pilar essa visão elitista e arrogante, que leva facilmente para o desprezo da democracia e da economia de mercado, e enxerga no “rei-filósofo” um caminho melhor para administrar a coisa pública.

Esses “experts” assumem também uma visão utópica de que serão sempre “desapaixonados”, ou seja, agirão somente com base no bem geral e não no interesse egoísta, que são incorruptíveis e sem nenhum viés. Eis uma crença que não resiste a qualquer escrutínio empírico, mas que sobrevive em círculos intelectuais como premissa verdadeira, ou seja, sem nenhum escrutínio sincero. 

Afinal, sem tal premissa, toda a defesa dessa “engenharia social” com poder concentrado nos “iluminados” vai para o espaço.

Os intelectuais gostam muito de falar em nome da razão, mas o uso adequado da razão leva à conclusão acerca de seus próprios limites. As leis, por exemplo, são muitas vezes fruto da experiência passada, não da lógica. Mas esses intelectuais se recusam a admitir isso, preferem flertar com abstrações racionalistas e desprezar as tradições e os tabus. 

Sowell entra em várias áreas para ilustrar as incríveis falácias repetidas por intelectuais, como na economia, no direito, na sociologia, na imprensa e na geopolítica. Cada capítulo é riquíssimo em casos bizarros de erros grosseiros causados por essa típica arrogância intelectual.

Mas é muito difícil persuadir tais intelectuais de seus graves equívocos, pois uma das violações mais comuns dos padrões intelectuais é a prática de atribuir às emoções as divergências de opinião. 

Assim, alguém pensa diferente porque é racista, machista, homofóbico ou xenófobo, e o intelectual não precisa mais rebater os argumentos contrários. 

E, como essa visão é predominante na mídia também, a visão dos intelectuais acaba sendo a dominante e influenciando bastante o mundo.

Nem quando os reis tinham direitos divinos havia essa presunção de que uma elite tem o direito de guiar todos os demais, basicamente por meio da expansão de poder estatal. 

E essa visão dos “ungidos” não é apenas uma visão da sociedade; é também uma visão autocongratulatória dos próprios “ungidos”, que dificilmente vão abrir mão dela já que, com isso, podem se sentir totalmente especiais.

Talvez o que mais falte a esses intelectuais é humildade, é a capacidade de se enxergar como alguém inteligente, de destaque em certa área do saber, mas não como um guia moral para as massas, não como alguém cuja missão é “empurrar a história” na direção “certa”.

Revista Oeste