sexta-feira, 25 de setembro de 2020

"O tabu das estatísticas da Covid-19", por J.R. Guzzo

Recusar-se a olhar para os números do vírus é negar as evidências que eles estão mostrando

Talvez nunca tenha havido na história da humanidade um momento de tanta intolerância com os números quanto nesta época de epidemia em que vivemos hoje. Números não sentem, não pensam e não têm opiniões — apenas não mentem, nunca, desde que exista alguma disposição de examinar com honestidade o que eles estão tentando dizer. 

Até o momento, pelo que informam as estatísticas oficiais, cerca de 30 milhões de pessoas em todo o mundo foram contaminadas pelo coronavírus desde março, quando começaram as tentativas regulares de fazer essas contas. É menos de 0,4% da população mundial, hoje estimada em quase 8 bilhões de pessoas. 

Foram atribuídas à epidemia, desde então, cerca de 950 mil mortes — cujas causas reais, por sinal, ninguém jamais saberá ao certo quais terão realmente sido. (No Brasil, por exemplo, a causa mortis pode ser determinada por decreto do governador do Estado.) 

Ou seja: morreram por volta de 3% do total de infectados, que, como visto, representa menos de 0,5% da população do planeta.

Esses números não são bons nem ruins — são apenas o que são, não mais e não menos. Mas dizer que eles são o que são tornou-se num ato tido como imoral, politicamente perverso e contrário ao interesse da humanidade pelas forças que decidem sobre o bem e o mal nas sociedades de hoje. 

Não se trata, nem mesmo, de discutir se tais cifras justificam o fechamento do mundo por seis meses; o crime social está simplesmente em falar delas. A denúncia-padrão, quando se observam as realidades aritméticas da epidemia, é: “negacionismo”, ou a atitude de negar uma verdade que pode ser verificada pelos fatos ou pela ciência. 

Nunca se diz, entre os militantes do “distanciamento social” por tempo indeterminado, que recusar-se a olhar para os números da covid-19 é negar, aí sim, as evidências que eles estão mostrando.

O livre debate sobre a epidemia está interditado. É como se o mundo estivesse de volta à Idade Média, quando os padres proibiam as pessoas de pensar com algum realismo sobre a peste. A culpa era do diabo, dizia a Igreja, e todo mundo tinha de ficar satisfeito com a explicação; quem quisesse saber mais do que isso, ou algo diferente disso, era acusado de desafiar os planos de Deus para os homens.

Com a covid-19, na verdade, não está havendo apenas a eliminação da verdade numérica — desde o começo da epidemia há uma guerra declarada contra os números reais. 

No Brasil, permanece até hoje sem contestação por parte das “agências de verificação de notícias falsas” — e como um fato levado perfeitamente a sério pelas classes intelectuais — a previsão de que haveria “1 milhão de mortos” se não fossem tomadas medidas extremas de repressão para deter o vírus. 

Não foram tomadas essas medidas; o total de mortes no Brasil está abaixo de 140.000. Nem somando as mortes atribuídas à covid-19 no mundo inteiro chegou-se a esse 1 milhão, mas e daí? 

O candidato que se opõe a Donald Trump nas próximas eleições norte-americanas acaba de dizer que os mortos nos Estados Unidos chegam a “200 milhões”, ou quase dois terços de toda a população do país. Contanto que seja para anunciar algum horror da epidemia, qualquer um pode dizer qualquer coisa. Ninguém vai reclamar de nada.


Considera-se como ato de sabotagem à “luta pela vida” a menção a outras doenças que matam


O fato é que a covid-19 deixou rapidamente de ser uma questão da ciência — seja da matemática, da medicina ou da biologia — para se transformar numa causa que está sendo usada desde o começo deste ano para promover ideologias de “transformação do mundo”. 

As mortes por câncer, doenças cardíacas ou complicações respiratórias, por exemplo, não são melhores ou menos sérias, obviamente, do que as mortes cuja causa é listada como “covid” nas estatísticas; nem os médicos especialistas em dar entrevistas para a televisão, todos eles generais na campanha para fechar o mundo, chegam a dizer isso. 

Mas é evidente que não causam nenhuma reação entre o partido do “fique em casa”; na verdade, considera-se como ato de sabotagem à “luta pela vida” a mera menção de que essas e outras doenças matam gente todos os dias. O motivo é que ninguém até hoje teve a ideia de aproveitar politicamente nenhuma delas para promover as suas “agendas”, como se diz. 

Com a covid, porém, está sendo diferente: os interessados descobriram em 15 minutos que dava para tirar proveito político do vírus — proveito de primeira grandeza, uma oportunidade que aparece uma vez na vida e não poderia ser desperdiçada.

Desde então, apostam tudo na covid. Nenhuma greve geral, quebra-quebra de black bloc ou discurseira tida como “revolucionária” chegou perto, até hoje, da eficácia que o pânico construído em torno da epidemia teve na agressão ao sistema produtivo — ou na usinagem de oposição política. Em países como o Brasil ou os Estados Unidos, aproveitaram para jogar a culpa nos governos. 

As mortes, por essa visão das coisas, não foram causadas pelo vírus. Ao mesmo tempo, as “autoridades locais” que cuidaram dos doentes não têm nenhuma responsabilidade em nada do que está acontecendo. Quem matou foram os presidentes Bolsonaro e Trump. 

No mundo desenvolvido, foi uma oportunidade caída do céu para combater o sistema econômico, social e político que “está aí” — injusto, causador de desigualdade, opressor de mulheres, racista, inimigo da diversidade, capitalista selvagem, aquecedor da calota polar e culpado pela derrubada da floresta amazônica.

No Brasil, como de costume, há um plus a mais. Enquanto se reproduzem as grandiosas ideias para melhorar a humanidade e criar “um novo estilo de vida”, há os interesses materiais de todos esses governadorzinhos a caminho do anonimato, fiscais de prefeitura e a turma inteira dos ladrões de respiradores, “hospitais de campanha” e aventais descartáveis. 

É o Covidão em marcha triunfal. 

Não é o Petrolão de Lula-Dilma, porque nada jamais será parecido, mas já é alguma coisa. Pense um pouco, portanto, da próxima vez que lhe jogarem algum número em cima. 

A aritmética do “fique em casa” não é a mesma da tabuada.

Revista Oeste