sexta-feira, 25 de setembro de 2020

"O fim do gargalo da infraestrutura" - Sílvio Navarro entrevista o ministro Tarcísio Gomes de Freitas

O ministro Tarcísio Gomes de Freitas presta conta de obras indispensáveis para que o país possa crescer de modo sustentável



Quando o presidente Jair Bolsonaro iniciou a montagem de sua equipe ministerial, raríssimos holofotes se voltaram para o engenheiro militar da reserva que comanda uma das mais exitosas pastas da administração federal. 

Hoje, seja no meio político ou empresarial, Tarcísio Gomes de Freitas, de 45 anos, é uma unanimidade. 

Não entrou em rota de colisão com integrantes do próprio governo nem com o Congresso Nacional e conseguiu imprimir um ritmo de obras sem descaracterizar o projeto liberal em curso — especialmente por meio de concessões. 

Em entrevista à Revista Oeste, o ministro detalhou seu ambicioso plano multimodal, com a entrega de todos os aeroportos da Infraero para a iniciativa privada, arrendamentos portuários e uma malha ferroviária que, avalia, “vai revolucionar a logística brasileira”. 

“Quero fazer parte da geração que vai deixar legado”, diz.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Com a pandemia, o ritmo das obras diminuiu?

Não. Conseguimos manter o nosso ritmo de obras, mesmo nos primeiros meses da pandemia, agindo rápido com medidas de segurança. O setor de construção já é acostumado à utilização de equipamentos de proteção, e isso contribuiu para garantirmos padrões de segurança em todos os nossos canteiros. Chegamos a setembro com pouquíssimos casos reportados, o que foi crucial para o nosso cronograma hoje estar rigorosamente em dia. Já entregamos mais de 60 obras no país inteiro em 2020. Também tivemos movimentação recorde no setor de portos, e isso ajudou a exportar a safra recorde do nosso agronegócio, além de aproveitar o bom preço do minério no mercado externo. Nosso programa de concessões também não parou. Os leilões da sexta rodada de aeroportos passaram por reajustes por conta de mudanças que a pandemia trouxe para o setor, mas já estamos prontos para apresentar ao Tribunal de Contas da União (TCU) a proposta de leilão de mais 22 aeroportos no primeiro trimestre de 2021.

Obras entregues no primeiro semestre

A Ferrogrão saiu do papel? Como vai mudar a logística de escoamento de produção do país?

O projeto da Ferrogrão já está sob análise do TCU, e o nosso objetivo é fazer o leilão ainda em 2021. É, sem dúvida, o projeto mais ambicioso de nossa história recente e tem potencial para revolucionar a logística brasileira, ampliando a competitividade do nosso produto no cenário global. Vamos criar uma esteira de grãos partindo do centro de gravidade de toda a produção do norte de Mato Grosso, em Sinop, até os portos fluviais de Miritituba, no Pará, desembocando na Hidrovia do Tapajós. Ou seja, multimodalidade. E precisamos fazer isso. Precisamos homenagear essa gente que não teve medo de ousar, empreender e transformar aquela região no maior celeiro do mundo. Se criarmos corredores mais eficientes de exportação, a produção hoje de Mato Grosso pode saltar dos atuais 60 milhões para 110 ou 120 milhões de toneladas. Isso tudo sem precisar derrubar uma árvore. Apenas otimizando a produção e transformando pasto em lavoura. É desafiador? É. Estamos falando de uma ferrovia green field de 930 quilômetros e investimento privado de cerca de R$ 8 bilhões. Mas estamos confiantes. Recentemente, fizemos uma rodada de conversas com investidores em potencial e chegamos à marca de 23 grupos interessados, entre operadores, fundos soberanos, fundos de pensão e bancos. E temos um grande trunfo que é a sua viabilidade no quesito ambiental. A ferrovia deve percorrer na maior parte de sua extensão o mesmo percurso da faixa de domínio da BR-163. Ela também será responsável por tirar cerca de 1 milhão de toneladas de CO₂ da atmosfera por ano com a substituição do modo rodoviário. Isso sem falar que vai funcionar como um verdadeiro “muro verde” de proteção à floresta, reduzindo a especulação fundiária, impedindo um fenômeno comum nas rodovias chamado “espinha de peixe” e ainda trazendo mais monitoramento por todo o seu trajeto.

Ferrogrão

O Batalhão de Engenharia do Exército atua nas obras? Os militares têexpertise para desempenhar essas funções?

Sim, embora estejam apenas atuando em obras estratégicas, nas quais o uso da expertise do Exército se justifique. Geralmente, em locais de difícil logística, ou onde eles tenham vasto conhecimento da região, como as obras na Amazônia. Também quando é possível uma rápida mobilização, como aconteceu na BR-135, no Maranhão. Na BR-163, no Pará, cuja pavimentação concluímos em 2019, eles foram fundamentais porque tiveram a capacidade de trabalhar em um local de difícil acesso e com uma janela climática complicada. Chove muito na região, e você só consegue asfaltar na estiagem. Os militares realizaram um grande planejamento de estocagem de material durante as chuvas para aproveitar ao máximo o período seco. Se não fosse por eles, não teríamos cumprido a nossa promessa com os caminhoneiros de acabar com os atoleiros ainda naquele ano. A atuação do Exército acaba ainda funcionando como uma grande agência de primeiro emprego para milhares de jovens, que chegam novos ali e geralmente sem instrução e saem como operadores de máquinas ou assistentes de topografia. Mas, como disse, estamos usando o Exército somente em obras estratégicas. A grande maioria das obras, cerca de 97%, é tocada pela iniciativa privada, como deve ser. Quanto às ferrovias,  recentemente assinamos a ordem de serviço para que o Batalhão Ferroviário de Araguari (MG) assumisse um dos lotes da Ferrovia Oeste-Leste, na Bahia. Será a primeira vez desde 1995 que o Exército vai retomar uma obra ferroviária, o resgate de uma tradição importante para a história do nosso país. Tenho certeza de que realizará um grande trabalho.


“Até 2022 passaremos todos os aeroportos hoje administrados pela Infraero para a iniciativa privada”


As iniciativas do Ministério parecem fazer parte de um programa desenvolvimentista que avança em desacordo com o projeto liberal. Como conciliar as duas linhas?

O Ministério da Infraestrutura já realizou leilões de 32 ativos desde 2019, além de renovar três contratos de concessões antecipadamente. Toda a nossa carteira de concessões está estimada em R$ 250 bilhões em investimento privado contratado até 2022. Somente em ferrovias, serão mais de R$ 40 bilhões. Em rodovias, faremos mais de 17 mil quilômetros de concessão em quatro anos, o que é mais do que os 10 mil que o Brasil tem concedidos hoje. Passaremos à iniciativa privada todos os 44 aeroportos da rede Infraero e programamos 63 arrendamentos portuários, o que é de longe o maior número na história. Teremos leilões históricos como os do Porto de Santos, da Nova Dutra, dos aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro… Ou seja, todo o nosso planejamento está focado na transferência massiva de ativos de infraestrutura para a iniciativa privada. Não há como estar em desacordo com projeto liberal algum. O investimento público não deve representar nem 15% disso e só será aplicado onde o privado não for ou onde ele tiver efeito multiplicador.

Ministro Tarcísio Gomes de Freitas, uma unanimidade no governo

O senhor é uma unanimidade no meio político. Como explicar? É justamente por se manter longe da política?

Faço parte de uma equipe ministerial muito bem montada pelo presidente Jair Bolsonaro, que também foi quem teve a coragem de romper um paradigma histórico no setor de infraestrutura, o que não é fácil. Costumo dizer que eu nunca seria ministro se o presidente fosse qualquer outro que não ele. Foi ele quem me deu as condições de montar uma equipe técnica. Portanto, tenho craques em todos os setores, e isso torna a minha vida muito mais fácil. Meu time é o melhor que aquele ministério já viu e todo o mérito pelos resultados alcançados devemos a ele e à coragem do presidente.

Aeroportos: estamos diante do mais ousado sistema de concessão já visto no país. Mas qual a meta real até 2022?

Sem dúvida. Até 2022 passaremos todos os aeroportos hoje administrados pela Infraero para a iniciativa privada. Esse é um setor do nosso programa de concessões que o cidadão brasileiro já reconhece a melhoria para o usuário. É só ver o que era o Aeroporto de Brasília para o que é hoje, o que eram Florianópolis, Salvador… No ano passado, adotamos pela primeira vez o leilão em modelo de blocos, ou seja, o concessionário arremata um grupo de aeroportos sempre ancorado por um aeroporto maior. É uma forma de viabilizarmos investimentos em aeroportos menores. Tivemos um sucesso absoluto com os blocos Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. Já pensou o aeroporto de Juazeiro do Norte (CE), por exemplo, operado pelo gigante espanhol Aena? O aeroporto de Macaé, no Rio, pela Zurich? Pois já está acontecendo. Durante a pandemia, enquanto muitos países retiraram seus projetos da praça, mantivemos os nossos e já vamos realizar o leilão de mais 22 ativos no primeiro trimestre de 2021. Seremos praticamente os únicos no mundo a oferecer aeroportos ao investidor e seremos recompensados por isso.


“Já completamos a pavimentação da BR-163, no Pará, e o frete na região caiu 23%”


Obras que serão entregues no segundo semestre

Uma dúvida passa na cabeça de todos os produtores de grãos: “Quando poderei me considerar competitivo?

O produto brasileiro já é muito competitivo no mercado externo, graças ao avanço tecnológico do nosso agro e às condições do nosso país, que permitem uma produtividade que nenhum lugar do mundo oferece. Converso muito com a ministra Tereza Cristina, da Agricultura, de quem sou fã declarado. Aprendo muito com ela, com sua resiliência, com sua sabedoria, com a forma como conduz um setor complexo sendo firme mas com muita serenidade. Costumam falar que o Brasil é eficiente “da porteira pra dentro”. Nosso objetivo no Ministério da Infraestrutura é que ele seja eficiente também “da porteira pra fora”. Temos mapeado todos os principais corredores de escoamento do agro e sabemos exatamente onde agir, seja por ferrovias, hidrovias, rodovias ou nos portos. Já completamos a pavimentação da BR-163, no Pará, e o frete na região caiu 23%. Também identificamos as novas fronteiras agrícolas onde é preciso criar toda a infraestrutura a fornecer à região, como é o caso do Matopiba [região que compreende os Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia]. Temos um foco específico lá, que é uma região que cresce acima da média nacional. Vamos inaugurar uma ponte sobre o Rio Parnaíba ligando as regiões sul do Piauí e Maranhão agora em 2020. Também intensificamos a extensão da Ferrovia Oeste-Leste para que chegue até o oeste baiano. Sabemos exatamente o que fazer e estamos agindo.

O brasileiro consegue enxergar o Brasil que está dando certo?

Sou absolutamente otimista com o futuro do Brasil e tenho uma crença inabalável de que o nosso país está vocacionado para ser grande. Se você fizer um diagrama e colocar em um círculo todos os países com população acima de 200 milhões de habitantes; em outro círculo, todos com área superior a 8 milhões de quilômetros quadrados; e, num terceiro, todos com PIB maior que US$ 1 trilhão, apenas três países estarão nos três círculos: Estados Unidos, China e Brasil. Não dá para pensar diferente. Nosso país tem tudo para dar certo. E eu quero fazer parte da geração que vai deixar legado. Que vai poder chegar ao final da vida e dizer, como diz o lema da Engenharia do Exército: não vivemos em vão. Eu acredito no Brasil e sei que podemos chegar lá.

Há empreiteiras médias, não envolvidas na Lava Jato, tocando obras? Se sim, como têm sido feitas as licitações?

A maior parte de nossas obras são tocadas pela iniciativa privada, geralmente empresas de médio porte. Estabelecemos que todas as nossas licitações sejam feitas de forma eletrônica, com máxima transparência, de modo a aumentar a participação e torná-las rastreáveis. Mas acredito que o grande legado que criamos para o setor foi a Subsecretaria de Conformidade e Integridade, que hoje é comandada por uma delegada da Polícia Federal, além de contar com peritos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Controladoria-Geral da União (CGU). Trouxe especialistas dos órgãos de controle para dentro do ministério, e isso tem feito toda a diferença. Criamos um selo — Infra + Integridade — para estimular e premiar empresas que adotem critérios de governança e isso tem estimulado o setor. Também criamos um programa chamado Radar Anticorrupção, que atua na prevenção e no acolhimento de informações que, posteriormente, passamos aos órgãos responsáveis. Já encaminhamos mais de 50 denúncias desde 2019. Esse órgão também atua na análise dos currículos de todos os servidores que indicamos para cargos de chefia. Ao criar um ambiente de absoluta governança, costumo brincar que fazemos uma espécie de exorcismo. Afastamos os “maus espíritos” do ministério.

O país terá dois novos eixos ferroviários (Ferrogrão, eixo Norte-Sul em 2021, prorrogação da Malha Paulista, eixo Leste-Oeste). Qual será a participação dos trilhos no modal de transportes?

Nosso planejamento pretende ampliar até 2028 a participação do modo ferroviário na matriz de transportes brasileira dos atuais 15% para 30%. A Ferrovia Norte-Sul, pensada por dom Pedro II e iniciada no governo José Sarney, foi, enfim, concedida no ano passado. Deve começar a operar no ano que vem, criando a grande espinha dorsal do sistema ferroviário brasileiro. Agora trabalhamos para ligar a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) à Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), de modo a criar uma grande cruz ferroviária, possibilitando três saídas portuárias para a produção do interior do país. Contaremos também com a Ferrogrão. E tudo isso usando a criatividade. A Fico sairá do investimento cruzado oriundo da renovação da Ferrovia Vitória-Minas, ou seja, a concessionária fica obrigada a construir a ferrovia para o Estado, que vai licitar a operação e gerar uma nova outorga que poderá ser reintroduzida no setor novamente. A Fiol 3, que vai ligá-la à Norte-Sul, deve vir do investimento cruzado na renovação da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). Ou seja, estamos usando a criatividade para fazer ferrovia em cenário de restrição fiscal. Mas é preciso equilíbrio e integração entre os modos de transporte. Estamos investindo em ferrovias, que é o meio ideal para o transporte de produtos de baixo valor agregado, como é o caso de nossas commodities. Mas ferrovia não para em fazenda nem no supermercado. Por isso a importância da multimodalidade. Apostamos muito no crescimento da cabotagem, que é o transporte entre portos do território brasileiro, aproveitando o nosso extenso litoral. Temos as hidrovias do Madeira e do Tapajós, que crescem bastante, e pretendemos ampliar esse modo em outros corredores. E há o transporte rodoviário, que sempre será importante e tende a crescer junto aos outros modais.

Sobre infraestrutura e atuação dos militares na economia, leia também a entrevista com o general Augusto Heleno

Revista Oeste