terça-feira, 22 de setembro de 2020

Nomeação de Trump à Suprema Corte testa apoio de republicanos para redesenhar campanha

 WASHINGTON

Donald Trump  vai testar o apoio dos republicanos ao esforço para redesenhar a campanha e inflamar a corrida à Casa Branca. Ainda nesta semana, o presidente da mais importante democracvia do planeta indica um nome à  Suprema Corte dos EUA.

O presidente americano anunciou que vai indicar uma substituta à juíza progressista Ruth Bader Ginsburg entre sexta-feira (25) e sábado (26), às vésperas do primeiro debate entre os candidatos à Presidência.

O movimento serve como um aceno à base conservadora do republicano, bastante sensível à composição do tribunal.

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante comício em Bemidji, no estado de Minnesota
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante comício em Bemidji, 
no estado de Minnesota - Brendan Smialowski - 18.set.20/AFP

A morte de RBG, como a juíza era conhecida, na sexta-feira (18), a 46 dias da eleição, deflagrou uma guerra política —das 16 vagas abertas na Suprema Corte em períodos de eleições presidenciais, somente uma, em 1864, se deu tão perto do dia do pleito como agora.

Trump tem a chance de estabelecer uma ampla maioria conservadora (6 a 3) no tribunal e precisa da aprovação do Senado —comandado por republicanos— para chancelar sua indicação às pressas.

O presidente joga com a ideia de que a maioria conservadora poderá reverter precedentes históricos na corte, sobre temas como aborto e posse de armas, reformulando a bússola político-ideológica do país.

"Eu acho que [a indicação] será sexta ou sábado", disse Trump, nesta segunda-feira (21), em entrevista à Fox News. "Parece que vai ter eventos na quinta e na sexta, e acho que devemos esperar até que terminem", completou, em referência às cerimônias fúnebres em Washington em homenagem a RBG.

O presidente pretende que a votação no Senado seja feita o mais rapidamente possível, mas precisa da disposição de senadores mais moderados de seu partido.

No topo da lista de Trump para substituir RBG estão as juízas Amy Coney Barrett, do tribunal de apelação de Chicago, e Barbara Lagoa, que atua no mesmo tipo de corte em Atlanta. As duas são religiosas e alinham-se ao presidente em temas como direito a armas, posição anti-aborto e política anti-imigração.

Aos 52 anos, Lagoa é considerada de aprovação mais fácil, visto que o Senado confirmou seu nome para o tribunal de apelação por 80 votos a 15 no ano passado, com apoio, inclusive, de senadores democratas.

Formada pela Universidade Columbia, uma das mais prestigiosas dos EUA, ela nasceu na Flórida, estado considerado decisivo para a reeleição de Trump, e é filha de exilados cubanos críticos ao regime castrista, um dos principais nichos eleitorais do presidente no estado.

Auxiliares do republicano têm defendido a nomeação de Lagoa como uma forma de impulsionar a candidatura do presidente na Flórida —onde ele aparece cerca de dois pontos percentuais atrás de Biden— apesar de ainda ser pouco claro o impacto da escolha da juíza no resultado da eleição.

A favorita para o lugar de RBG, porém, é Barrett. Aos 48 anos, ela é formada pela Universidade Notre Dame e recentemente proferiu uma decisão que tornou mais fácil para estudantes acusados de agressão sexual processarem universidades por tratamentos considerados por eles discriminatórios.

"É plausível que [funcionários da universidade] tenham escolhido acreditar em Jane porque ela é uma mulher e desacreditar John porque ele é um homem", escreveu Barrett num caso em que a acusadora foi identificada como Jane Doe, e o acusado, John Doe, abrindo precedente importante.

A magistrada também ganhou proeminência nacional por ter trabalhado como assistente de Antonin Scalia, juiz conservador da Suprema Corte que morreu em fevereiro de 2016, a 269 dias da eleição que escolheria o sucessor de Barack Obama.

Naquela época, a substituição de Scalia abriu uma guerra política como a de agora, mas os republicanos conseguiram segurar a indicação de Obama por dez meses, sob o argumento de que a prerrogativa era do presidente que seria eleito em novembro.

O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, afirmou em 2016 que a substituição de Scalia deveria ocorrer depois da eleição. Desta vez, porém, ele defende a indicação de Trump antes do pleito.

O presidente, por sua vez, precisa atuar para manter o partido unido. Neste fim de semana, duas senadoras republicanas —Lisa Murkowski, do Alasca, e Susan Collins, do Maine— manifestaram-se contra uma indicação antes de novembro.

Depois delas, o holofote passou para outros três parlamentares: Mitt Romney, de Utah, que votou a favor do impeachment do presidente; Chuck Grassley, de Iowa; e Cory Gardner, de Colorado, que enfrentam disputas difíceis para a reeleição em seus estados, com eleitores se afastando de Trump.

O Partido Republicano tem 53 das 100 cadeiras do Senado —45 são democratas, e 2, independentes, mas que votam com a oposição. Dessa forma, são necessários ao menos quatro dissidentes republicanos para barrar a indicação de Trump.

Os mais céticos avaliam que mesmo senadores que demonstraram contrariedade com a indicação antes da eleição não deixariam de apoiar o escolhido pelo presidente caso, de fato, haja votação no Congresso.

Os democratas sabem que não conseguem bloquear sozinhos a escolha de Trump e têm investido em duas frentes para tentar retardar o processo. Biden aposta no diálogo com os republicanos mais moderados e pediu que eles tenham consciência em um momento histórico.

Já outra parte da oposição defende a tese de que, se Trump conseguir emplacar mais uma indicação à Suprema Corte, os democratas podem tentar ampliar o número de juízes no tribunal caso Biden seja eleito à Casa Branca e o partido também conquiste a maioria no Senado.

A Constituição americana não estabelece o total de cadeiras da Suprema Corte e, dessa forma, um ato do Congresso assinado pelo presidente seria suficiente para mudar a atual configuração.

Especialistas dizem que a própria RBG era cautelosa quando o debate sobre o aumento do número de juízes vinha à tona e costumava dizer que nove magistrados eram suficientes.

Trump já indicou dois conservadores ao tribunal, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh, e deu todos os sinais de que a terceira nomeação passou a ser sua nova cruzada eleitoral.

Além de Barrett e Lagoa, ainda estão na lista de cotadas por Trump, segundo a imprensa americana, Kate Todd, conselheira da Casa Branca, e a juíza Allison Jones Rushing, de Richmond.

Com informações de Marina Dias, Folha de São Paulo