terça-feira, 16 de junho de 2020

Transferência de dinheiro do exterior para o Brasil dispara com ajuda do dólar

Não é novidade que o câmbio é instável e é a variável mais difícil
de se prever, já que depende de inúmeros fatores domésticos e 
internacionais. Mesmo assim, muita gente aproveitou a disparada
 do dólar nos últimos meses para trazer dinheiro ao Brasil
Segundo dados do Banco Central, o volume de dinheiro 
transferido de outros países para cá  foi praticamente o dobro 
do que saiu do país nos quatro primeiros  meses do ano, 
considerando as transações realizadas entre pessoas físicas.

De janeiro a abril de 2020, as transferências de dinheiro do 
exterior para o Brasil chegaram a US$ 1,06 bilhão, uma média 
de US$ 264 milhões por mês, 9% acima de 2019. Já é o maior
ritmo mensal desde 2010 e se continuar nessa toada, o volume 
de dinheiro enviado ao Brasil por estrangeiros e brasileiros pode 
ultrapassar US$ 3 bilhões em 2020 e bater recorde. Entre 2010
 a 2019, a média de entrada por mês foi de US$ 201,36 milhões
e não houve nenhum ano com receita de US$ 3 bilhões ou
mais.
Na outra ponta, as pessoas físicas diminuíram bem o ritmo de
transferência para fora do Brasil. De janeiro a abril deste ano, 
saíram do país cerca de US$ 518 milhões ou US$ 130 milhões
 na média mensal, o que representa uma queda de 25% em
 relação a 2019 e o menor ritmo mensal desde 2016.

“A gente atribui isso a duas coisas: o fechamento do comércio
isolamento social, que levou muita gente a segurar as 
remessas ao exterior porque não sabiam se continuariam a ter 
trabalho e ao movimento do câmbio. O dólar a R$ 6 foi um
 grande incentivo para que as pessoas que trabalham lá
 fora mandem recursos para familiares no Brasil”, explica 
Ricardo Amaral, vice-presidente e diretor bancário da Western
Union no Brasil.
De janeiro a abril, o dólar se valorizou 35,5% em
comparação ao  real e chegou a R$ 5,44Em maio a moeda
 americana atingiu seu pico, próxima a R$ 6 (o pico foi 
R$ 5,95), com a piora do quadro do coronavírus no Brasil e 
a crescente instabilidade política. Como é típico do câmbio, 
porém, o cenário se reverteu de meados de maio para cá. 
Em 10 de junho a divisa fechou cotada a R$ 4,94.
Em comparação com o fim de 2019, ainda há ganhos – 
no ano, o dólar acumula valorização de 23% ante real, mas
 se deu bem mesmo quem conseguiu aproveitar a fase 
ascendente da curva. E, pelo jeito, foi bastante gente. O Valor
 Investe ouviu cinco das principais empresas que atuam no 
segmento de transferência de recursos entre países - Remessa 
Online, Westen Union, Transferwise, 
BankRio e Travelex Confidence – e todas viram um aumento 
importante de dinheiro entrando no Brasil nos últimos meses.
"Os movimentos de envio de dinheiro são reflexo direto da
variação cambial. Os recordes de alta do dólar refletiram nesse 
aumento do fluxo de envio de dinheiro para o Brasil. Quando 
vemos uma baixa no dólar, o inverso acontece - aumentam os 
volumes do Brasil para o exterior. No entanto, mesmo 
desacelerando em maio e junho, 
o dólar segue no patamar alto, próximo a R$ 5, ainda
vantajoso para quem transfere do exterior", comenta Heloisa 
Sirotá, que lidera 
a operação da TransferWise no país.
Prova da onda de repatriação de dinheiro é que, em março
deste ano, a TransferWise registrou o maior pico mensal 
de volume transferido para o Brasil desde o início das 
operações da empresa no país (abril de 2016). O volume 
de dinheiro transferido para o Brasil foi 50% maior do que
o último pico  registrado, em agosto de 2019.
A empresa tem como principais clientes pessoas físicas
que vão estudar no exterior e recebem ajuda dos pais ou
 brasileiros que vão morar fora, como muitos aposentados 
na Europa. Há ainda aqueles que trabalham – Estados Unidos
e Japão, por exemplo - e enviam dinheiro para a família no 
Brasil. A idade média do cliente  da Transferwise é de 39 anos.
Considerando março e abril, o valor médio de dinheiro
 que chegou ao Brasil, em dólares, pela plataforma da
 Transferwise foi 12% maior do que a média de 2019. 
Parece pouco, mas, por  conta da alta do dólar, quando 
esse volume é convertido para  reais, nota-se um 
crescimento de 34%, o que representa um 
aumento significativo no valor recebido aqui no país. O Brasil
está entre os cinco principais mercados para a empresa, que, 
no mundo, movimenta US$ 5 bilhões por mês.
A BankRio Exchange, que atende pessoas físicas e jurídicas
de pequeno e médio portes, viu nos últimos três meses – 
março a maio – o volume de entrada de recursos no Brasil 
responder por 75% das operações de câmbio. Na segunda
 quinzena de  março, início da quarentena, ele chegou a 
representar 90% do volume de operações feitas pelos 
clientes da empresa.
Normalmente, as operações de compra e venda 
equivalem-se mensalmente em volume. Considerando
o mês de maio, onde houve uma queda brusca do dólar, já 
identificamos um retorno considerável das operações de venda, 
que representou 47% do volume do mês”, explicou Marcelo 
Coutinho, diretor da BankRio.
A empresa até lançou recentemente em uma parceria com
a Frente  Corretora uma plataforma on-line de transferência, 
a Simple, para  facilitar a vida dos brasileiros que estudam no 
exterior e precisam  receber recursos para se manterem, 
para envios e recebimentos de até US$ 3 mil ou equivalente 
em euros. A crise e o isolamento, claro, atrapalham, mas o 
mercado de intercâmbio no Brasil vinha aumentando.
A empresa tem nos planos lançar em breve também a
funcionalidade  de transferência de dinheiro para aplicação 
em fundos de investimento  no exterior, outro filão ainda pouco
 explorado por empresas do tipo.
A Travelex Confidence também registrou movimento
semelhante às concorrentes ao que o BC apontou, com
crescimento de 22% nas transferências do exterior para o 
Brasil. A repatriação de investimentos internacionais com o 
dólar apreciado em cerca de 14% em relação ao primeiro
trimestre de 2019 foi um dos principais estímulos. Somente  
no mês de março, a Travelex Confidence registou alta 
de 30,8% em transferências do exterior para o Brasil.
O valor médio das transferências também aumentou na 
quarentena. O banco BS2, por exemplo, que oferece aos
clientes  um cartão de débito atrelado à conta em moeda 
estrangeira, viu ticket médio das transações aumentar 20% 
nos meses de abril  e maio na comparação com fevereiro 
(antes da quarentena), para US$ 600. As operações de 
conversão de dólar para real
 aumentaram 61% no período. Assim como outras empresas
 da área, o BS2 também notou uma certa "normalização" 
nas operações de câmbio, com mais envio de dólares para fora, 
seguindo a desvalorização da moeda americana. O banco tem 
60 mil contas do tipo abertas.
Na plataforma Remessa Online, a diminuição de transferências
 de intercambistas e pessoas que viajavam a lazer, devido ao 
cancelamento de cursos e fechamento de fronteiras por causa da 
pandemia foi compensada pela nova frente de negócios da 
companhia, autônomos, prestadores de serviço e pequenas e 
médias empresas.

Blogosfera

Alexandre Liuzzi, diretor de estratégia e cofundador da Remessa 
Online conta que houve um forte aumento de transações do 
serviço de pagamento do Google Adsense, que remunera 
audiência em sites, blogs e canais do Youtube. A empresa viu um crescimento de 25% do número de operações de 
transferência de dinheiro para o Brasil da AdSense no
trimestre  de março a maio em relação aos três meses 
anteriores (dezembro  a fevereiro). Em volume financeiro
a receita que chegou aqui aumentou ainda mais, 32%, no
mesmo período analisado.
“O público de influenciadores não é novo, mas cresceu
 muito na quarentena, com lives de artistas. É um serviço que
 atendemos há  mais de dois anos e nos profissionalizamos 
para facilitar a vida desses profissionais que recebem pelo 
Adsense, deixando as  instruções de pagamento na forma 
como o Google exige e não 
cobramos tarifa de recebimento do dinheiro como alguns
bancos  cobram. Já éramos fortes nesse serviço, mas 
vimos um aumento 
muito grande de demanda agora”, conta Liuzzi.
Outros perfis de clientes que despontaram durante 
a quarentena 
foram os "freelancers" que prestam serviço ao exterior, 
como os profissionais de tecnologia (desenvolvedores e 
programadores) e consultoria, já que a mão de obra brasileira
ficou mais barata para os 
países de moeda forte, como euro e dólar. Além disso, 
segmento 
de startups, que recebem de fundos globais ou possuem
estrutura internacional, também se destacou.
“O segmento de investimento em geral cresceu em relevância
 para a Remessa Online por causa da maior movimentação. 
Muita gente  trouxe o investimento de volta ao Brasil para 
aproveitar o câmbio, especialmente empresas, como 
startups que recebem aportes em dólares”, explica o 
executivo.
Em pessoas físicas, a repatriação de valores acontece em
menor escala, mas ainda assim é relevante. A empresa viu 
muitos funcionários de multinacionais que também se
 aproveitaram da valorização do dólar para exercer suas 
opções de compra de
 ações das empresas, vendê-las no mercado de capitais 
converter o dinheiro para o real. A Remessa Online, 
inclusive, criou rapidamente um time para atender apenas 
esse público 
específico, dado o aumento de demanda.
As transações para investimento no exterior cresceram
 13% no período de março a maio de 2020 em comparação 
com os três  meses imediatamente anteriores (dezembro a 
fevereiro), ritmo  menor do que a média geral da Remessa 
Online no período, de alta de 25% em operações de 
recebimento de outras moedas para  o Brasil.
“Entendemos que esse momento de forte alta nas cotações
 é uma grande oportunidade para investidores com capital 
empregado fora  do Brasil trazerem de volta seus 
investimentos e ganharem com a  diferença cambial”, 
pontua Liuzzi.
Assim como a Remessa, as demais empresas que atuam na área
 perceberam que a internacionalização do brasileiro é crescente e
 estão apostando alto em suas operações no país. A BankRio, por 
exemplo, está focada em atrair clientes para a nova plataforma. A
 Transferwise acabou de receber autorização do Banco Central
 para funcionar como corretora de câmbio, espera
conseguir baixar  custos e oferecer mais serviços, como permitir
que seus clientes pessoas físicas enviem dinheiro para empresas.
A Western Union, por sua vez, presente no Brasil desde 1997, mas 
com o aplicativo no ar há dois anos, quer colher os frutos dos 
investimentos na plataforma digital e abertura de mais lojas físicas,
 para se diferenciar na gama de opções de canais de atendimento.
“Demos muita força para nosso negócio digital no ano passado, 
quando tivemos um crescimento impressionante, mas também 
aumentamos o número de lojas próprias de 40 para 68. Estamos 
presentes em grande parte das capitais. Nosso foco foi expandir 
produtos e canais de atendimento para o cliente e vínhamos 
colhendo os frutos até a crise”, conta Amaral, da Western Union.
A empresa foi rápida em elaborar e implementar processos
para manter atendimentos presenciais mesmo na pandemia, 
para quem não tem conta em banco ou preferia ir 
presencialmente em uma loja. 
Hoje, 90% dos pontos físicos estão abertos.
“Fomos ágeis porque a característica de nosso negócio é de 
necessidade básica, de remessas familiares. Alguém pode
não comer ou pagar a escola se o dinheiro não chegar. Nosso
 negócio foi impactado no começo e voltou muito rápido, graças 
a nosso esforço  para atender o cliente em todos os canais”, 
pontua Amaral.
Agora em junho a Western Union lançou uma campanha de
 isenção, até dia 30, da tarifa para transferências para o 
Brasil realizadas de forma on-line. Em maio, a empresa
 havia oferecido desconto nas  tarifas para profissionais da 
linha de frente do combate ao covid-19 e trabalhadores de 
serviços essenciais. A empresa não divulga dados
 do Brasil, mas o executivo diz que, globalmente, o volume 
de transações subiu 39% em abril e 51% em maio, no 
digital.
A vantagem destas empresas em relação aos grandes bancos,
 que  têm tradição na área, é o custo mais baixo e a menor 
burocraciade acordo com pesquisa feita pela consultoria 
Nielsen, a pedido da Transferwise. Quatro em dez brasileiros 
que vivem lá fora e foram entrevistados preferem contratar 
serviço de fintechs da área.
Independente do canal, do sobe-desce do dólar, da chuva
ou do sol, de um cenário com ou sem coronavírus, o negócio 
de transferência de recursos entre países não para.

Naiara Bertão, Valor Investe