quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Não existem atalhos, destaca Adriano Pires

mercado de gás, hoje, lembra o setor elétrico há a quase 25 anos. Implantado em 1995, o novo modelo do setor elétrico estabeleceu a desverticalização das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de eletricidade. Entre as mudanças, também efetivou-se a separação entre a contratação da aquisição de energia e de seu transporte. As atividades de transmissão e distribuição continuaram qualificadas como serviços públicos, enquanto a geração e a comercialização, devido à característica de seus negócios, foram submetidas ao regime de livre concorrência.

Para a consolidação do novo modelo foi criado 1 órgão regulador independente do poder concedente, a Aneel (Agência Nacional do Setor Elétrico). Para viabilizar o mercado livre, foi criado o MAE (Mercado Atacadista de Energia Elétrica), atualmente denominado de Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Criou-se, também, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), responsável pelo controle operacional de todos os ativos que compõem a rede básica de transmissão.
Em 2004, estabeleceu-se a reestruturação do setor elétrico iniciada em 1995. A comercialização de energia foi regulamentada e foram criados 2 ambientes de negociação: o de Contratação Regulada (ACR) e o de Contratação Livre (ACL). As novas regras priorizavam a contratação regulada de energia, por meio de leilões. Assim, os leilões regulados de geração e transmissão passaram a desempenhar papel central para a expansão do setor. O sucesso do modelo de leilões possibilitou a ampliação do sistema de transmissão de energia elétrica no Brasil. O robusto sistema, hoje, possui 145.543 quilômetros de linhas por todo o território, em constante expansão.
O setor de energia elétrica, cuja infraestrutura é consolidada, é 1 bom exemplo a ser seguido pelo de gás natural. No entanto, o ponto de partida de reestruturação do setor elétrico foi muito mais sólido do que o apresentado atualmente pelo gás. Já na década de 1990, a eletricidade atendia a 90% dos domicílios nacionais. Além disso, quais seriam os pontos do modelo do setor elétrico aplicáveis ao mercado de gás? O principal gargalo do mercado do mercado de gás, a infraestrutura, passando pelos gasodutos de escoamento da produção, o transporte e a distribuição poderiam ser uma boa largada.
O transporte e a distribuição de gás natural, tal como a transmissão e a distribuição de energia elétrica são indústrias de rede consideradas monopólios naturais, dada a inviabilidade econômica de duplicação das infraestruturas e, por consequência, são objetos de regulação. Por se tratar de 1 país com dimensões continentais, o setor elétrico é intensivo em linhas de transmissão para transportar a energia de unidades geradoras até a distribuição para o consumidor final. Esse exemplo deveria ser seguido pelo setor de gás natural.
É importante ressaltar que os setores de energia elétrica e gás natural dependeram de políticas públicas para criação e ampliação de suas infraestruturas. No caso do gás natural, o domínio inicial da Petrobras foi importante na estruturação e desenvolvimento do setor, por meio da ampliação da oferta e construção de quase toda infraestrutura de processamento e transporte existente. Entretanto, a sua expansão foi muito tímida, até porque o Brasil nunca foi 1 grande produtor de gás natural e, na época, a forma para criar o mercado de gás foi a construção do Gasbol trazendo gás importado da Bolívia. É bom lembrar que não existia o mercado mundial de GNL dado ser uma tecnologia cara.
A rede de gasodutos de transporte de gás natural corresponde a apenas 6,5% da malha de transmissão de energia elétrica em extensão. Os atuais 9.409 quilômetros da malha de gasodutos de transporte de gás, concentrados no litoral do país, está sem acréscimos desde 2013. Consequentemente, a tarifa média de transporte de gás natural é 21,7% superior à tarifa média de transmissão de energia elétrica. Uma das formas de reduzir a tarifa é ampliando a demanda, mas isso requer investimentos na expansão da rede.
O setor de energia elétrica conta com 47 distribuidoras que atendem a 82,464 milhões de consumidores por meio da oferta de 472.242 GWh. Com 27 concessões de distribuição, o número de consumidores de gás natural canalizado corresponde a 4,2% do universo de consumidores de eletricidade. O consumo per capita equivalente em GWh por consumidor é 12,8 vezes superior ao setor elétrico. E, os consumidores residenciais representam 44,3% do total do setor elétrico, enquanto no mercado de gás representam apenas 2,0%.
Olhando o desenvolvimento e crescimento do setor elétrico, é possível vislumbrar o potencial do gás natural no país. No entanto, ainda há muito a se fazer e não existem atalhos. Hoje, o principal problema do mercado de gás é a deficiência de infraestrutura. Imaginem que com a crise política na Bolivia haja qualquer tipo de interrupção no fornecimento de gás natural. A princípio, não haveria problema dado que hoje estamos reinjetando mais de 50 milhões/m3/dia de gás natural nos campos do pré-sal. Ou seja, quase o dobro do que compramos da Bolívia. Ocorre que, como não temos infraestrutura de gasodutos de escoamento da produção, UPGNs, gasodutos de transporte e distribuição, não conseguimos levar esse gás do pré-sal para o consumidor. E o pior: com a falta de investimentos na infraestrutura do gás natural, estamos deixando de gerar empregos, renda, PIB, desenvolvimento social e imobiliário para ficar construindo energia eólica e solar e aumentando o custo do sistema e a conta do consumidor.

Poder360