terça-feira, 19 de novembro de 2019

Em 10 anos, Fetranspor pagou R$ 120 milhões em propina a políticos do Rio, revela delator

Em delação premiada já homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Rio (Fetranspor) Lélis Marcus Teixeira afirmou que pelo menos 30 autoridades fluminenses concederam benefícios fiscais e tarifários ao setor em troca de pagamentos sistemáticos de propina. Segundo ele, houve iniciativas para influenciar no formato de licitações de linhas de ônibus, barrar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal e financiar campanhas eleitorais por meio de caixa dois. O esquema, que envolveu repasses de mais de R$ 120 milhões em dez anos, impactou o bolso dos usuários de ônibus.
O ponto mais prejudicial aos passageiros foi o reajuste das tarifas das linhas intermunicipais em 2017. Segundo Lélis, a inflação no período, calculada pelo IPCA, foi de 6,99%, mas as empresas obtiveram 14,83% de aumento. A Fetranspor conseguiu um percentual maior alegando que seria para cobrir gratuidades concedidas a estudantes da rede pública e pessoas com necessidades especiais. Em 2015, segundo o delator, também houve reajuste acima da inflação graças ao pagamento de propina para Rogério Onofre e Alcino Carvalho, que presidiram o Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio (Detro). Onofre — que atuava no combate à circulação de vans — teria recebido pelo menos R$ 43,4 milhões, de acordo com registros de planilhas de propina do doleiro Álvaro Novis.
Os empresários do setor também foram beneficiados com a concessão de benefícios fiscais, como redução do IPVA e isenção de ICMS em 2014, quando políticos ligados ao ex-governador Sérgio Cabral (MDB) teriam recebido R$ 18 milhões. Dois ex-secretários estaduais de Transportes também são citados. Um deles é Júlio Lopes, que teria obtido R$ 7,9 milhões para suas campanhas eleitorais por meio de uma mesada de R$ 100 mil e de propina de R$ 900 mil embutida em um contrato fictício com um escritório de advocacia. O outro nome é o de Carlos Roberto Osorio, que também foi secretário municipal de Transportes. Ele teria recebido entre R$ 160 mil e R$ 200 mil por mês, de 2012 a 2015.
Entre os citados no esquema, além do grupo político do ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB), estão dois conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e três do Tribunal de Contas Município (TCM), que recebiam “agrados” para emitir decisões favoráveis ao setor. Em um dos casos citados na delação, o TCM arquivou um processo no qual havia suspeitas de que, em 2010, as empresas de ônibus formaram um cartel para participar de licitações da prefeitura. Os conselheiros Ivan Moreira, Nestor Rocha e Antonio Carlos Flores de Moraes, relator do processo, teriam votado a favor do setor em troca de dinheiro.
Lélis contou que o ex-governador Anthony Garotinho, o prefeito Marcelo Crivella e o ex-prefeito Eduardo Paes teriam recebido recursos para suas campanhas por meio de caixa dois. O total repassado a Garotinho teria chegado a R$ 4,3 milhões nas campanhas a deputado (2010) e a governador (2014).
Já Crivella teria recebido recursos quando concorreu à prefeitura em 2004, ao Senado em 2010 e de novo à prefeitura em 2016. Na última campanha, segundo Lélis, foram repassados R$ 2,5 milhões a Mauro Macedo, tesoureiro de Crivella.
Aguirre Talento e Luiz Ernesto Magalhães, O Globo