quinta-feira, 17 de outubro de 2019

"Prisão após 2ª condenação X impunidade", por Thaméa Danelon

Thaméa Danelon. Foto: Arquivo Pessoal

Desde 1941 até o ano de 2009 o Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade da prisão após a segunda condenação; assim, réus condenados pela 2º instância já eram encaminhados ao cárcere quando as sentenças assim determinavam. Contudo, com a mudança do entendimento do STF em 2009, os condenados criminalmente seriam presos somente após o trânsito em julgado, ou seja, quando não mais existisse a possibilidade de interposição de recursos.
No ano de 2016, o plenário do STF reviu sua posição, passando a reconhecer a constitucionalidade da prisão após a segunda condenação, fato que implicou em visíveis avanços institucionais no que se refere ao combate à macro criminalidade, à corrupção e, principalmente, à impunidade.
Entretanto, na data de hoje, nossa Suprema Corte irá novamente se debruçar sobre essa questão, e eventual mudança no precedente fixado importará na soltura de milhares de presos com alta periculosidade, tais como homicidas, estupradores, pedófilos, traficantes de drogas e sequestradores; bem como de grande corruptos e criminosos de colarinho branco; resultando, assim, em um considerável retrocesso institucional, social e jurídico.
Sabe-se que um dos grandes problemas de nossa nação é o alto índice de impunidade referente aos crimes do colarinho branco, cujos agentes possuem elevado poder econômico e/ou político. Nossa recente história reflete a seguinte realidade: anteriormente à deflagração da 1ª fase da Operação Lava Jato apenas criminosos com baixo poder aquisitivo eram presos e permaneciam no cárcere, estando, assim, fora desta classificação políticos poderosos e empresários desonestos com elevado poder aquisitivo.
O caso Mensalão trouxe certa exceção a este cenário tão enraizado em nossa trajetória jurídica, todavia, poucos foram os políticos envolvidos em aludido escândalo presos e condenados. Por outro lado, a operação Lava Jato alterou positivamente esse panorama de impunidade disseminada, pois resultou em prisões e condenações de políticos de grande envergadura – tais como o ex Presidente da República; o ex governador do Rio de Janeiro; e o ex Presidente da Câmara dos deputados – e de responsáveis pelas maiores construtoras do país.
Além disso, os operadores da Lava Jato obtiveram ressarcimento aos cofres públicos na ordem de mais de 3 bilhões de reais, decorrentes de acordos de colaboração premiada e de repatriação. Assim, os resultados da maior operação de combate à corrupção do país são inegáveis, tendo contribuído, também, para uma mudança de paradigma no sentido de que poderosos que usualmente estiveram acobertados pelo manto da impunidade fossem também submetidos a uma devida prisão e ao ressarcimento dos cofres públicos quando condenados.
Uma análise comparativa com países desenvolvidos demonstra que nos Estados Unidos e na França, por exemplo, o criminoso poderá ser recolhido à prisão após a primeira condenação; já na Itália e na Alemanha, autoriza-se o encarceramento logo após a segunda sentença condenatória. Assim, questiona-se, por que o Brasil não poderia seguir o exemplo de países social e economicamente desenvolvidos? Onde a liberdade e os direitos humanos e sociais são tão assegurados e defendidos?
Certa corrente jurídica sustenta que o artigo 5º, inc. LVII da CF somente autorizaria a prisão por condenação quando houvesse o trânsito em julgado; entretanto esse não é nosso entendimento, pois aludido dispositivo refere-se à culpa e não à prisão, ao dispor que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Assim, nossa Carta Magna não estipula que ninguém poderá “ser preso” em cumprimento a sentença condenatória, até o trânsito em julgado, mas se refere à impossibilidade de inclusão do nome do condenado no denominado “rol dos culpados” (lista dos já condenados criminalmente) antes do término em definitivo de um processo penal.
Além disso, após a decisão de 2016, o STF já afirmou por outras três vezes a constitucionalidade da prisão após segunda condenação. Logo, pensamos ser injustificável juridicamente uma reapreciação deste tema, primeiramente pois não houve qualquer alteração fática ou social que implicasse na necessidade de adaptação do entendimento jurisprudencial máximo; além disso, decisões de Supremas Cortes – como no caso da americana – não são alteradas, usualmente, a cada dois ou três anos, diante da importância do compromisso com a segurança jurídica, que é inerente à qualquer corte constitucional. A falta de segurança jurídica resultará, invariavelmente, em instabilidade econômica e social, com diminuição da necessária confiança de um país no que se refere a investimentos, créditos e apoio de organizações internacionais, tais como OCDE e BID.
Evitando-se que tão importante matéria ficasse a mercê de decisões da nossa Suprema Corte, o Projeto Anticrime apresentado pelo Ministério da Justiça insere no texto legal (Código de Processo Penal) a possibilidade da prisão após a segunda condenação, ou até mesmo após a primeira quando se trata do Tribunal do Júri. Contudo, o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa referido projeto não aprovou essa alteração, embora poderá ser rediscutida em plenário. Na data de 15/10/19, percebendo a importância da sessão do STF que ocorrerá hoje, a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados pautou discussão da PEC (projeto de emenda constitucional) da prisão em 2ª instância, em uma tentativa de pacificar a questão.
Assim, na data de hoje, os 11 ministros do STF têm, a nosso ver, uma grande responsabilidade em suas mãos, pois (a) poderão contribuir para o avanço do combate à grande corrupção disseminada e sistematizada em nosso país; ou (b) retroceder aos primórdios de 2014, onde apenas os menos favorecidos cumpriam justamente suas penas.
Caso a Suprema Corte Brasileira entenda ser inconstitucional a prisão após a segunda condenação, disseminará a certeza aos criminosos que não há justiça no país, e que a impunidade continuará reinando, vez que uma condenação final (com trânsito em julgado) pelas cortes superiores poderá ser proferida somente após o decurso de 10, 15 ou 20 anos, tempo suficiente para o advento da chamada prescrição, ou seja, a “anulação” de todo o processo por conta do decurso do tempo, resultando em desamparo jurídico e reparatório às vítimas de crimes violentos e/ou graves. Por fim, a mudança de entendimento contribuirá, fatalmente, com o atraso que reveste nossa nação, atraso este social, econômico, jurídico, e moral.
Thaméa Danelon, Procuradora da República, ex-integrante da operação Lava Jato em SP, mestre em Direito Político e Econômico e professora de Direito Processual Penal

O Estado de São Paulo