Várias reportagens em toda a grande imprensa tem veiculado a seguinte afirmação:
Desde 1º de janeiro até o dia 20 de agosto foram contabilizados 74.155
focos [de queimadas], alta de 84%, de acordo com dados do Programa Queimadas,
do Inpe.
O dado, em geral, é apresentado dentro de um clima alarmista que tem sido criado em torno
do tema durante os últimos dias.
Fiquei curioso para saber o que esse quantitativo realmente representa dentro da série histórica,
então resolvi visitar o próprio site do INPE, que você mesmo pode acessar aqui. O link
contém um tópico em que você pode selecionar “Brasil”, obtendo inúmeras informações
da série histórica desde 1998. O site é bastante amigável ao publico leigo, com três
gráficos que ajudam nas comparações.
Vejamos esses gráficos e tentemos perceber o que ele nos revela.
1 – Primeiro Gráfico: Comparativo Sazonal
Primeiramente, veja o seguinte gráfico que aponta: com as colunas azuis a quantidade
de focos de queimadasnos meses de 2019 (corrente ano); com a linha verde a quantidade
de focos no ano em que houve recorde positivo (isto é, menor número); com a linha
vermelha, o recorde negativo (maior número); e em amareço a linha que aponta a
média da série histórica.
Pelo gráfico, é fácil perceber que a coluna azul (referente ao ano atual) está abaixo
da média (linha amarela) desde maio. E se encontra muito distante da máxima
histórica em todos os meses, com exceção de março (único em que de fato houve
um recorde negativo, com cerca de 5.213 focos).
Mais: até abril, os números eram ligeiramente piores do que a média da série
histórica, o que demonstra um descolamento seletivo da cobertura midiática. À
medida que os resultados melhoraram em relação à média, as críticas se tornaram
mais violentas.
Frise-se que o fato de que as queimadas hoje estão mais ou menos em linha com a
série histórica também foi confirmado pela NASA, em postagem em seu site na rede
mundial de computadores, onde afirma que: “uma análise dos dados de satélites da
NASA indicou que a atividade total de incêndios na bacia amazônica neste ano
esteve próxima da média em comparação com os últimos 15 anos. (A Amazônia se
espalha por todo o Brasil, Peru, Colômbia e partes de outros países.) Embora a
atividade pareça estar acima da média nos estados do Amazonas e Rondônia,
até agora ela ficou abaixo da média em Mato Grosso e Pará, segundo estimativas
da o Global Fire Emissions Database, um projeto de pesquisa que compila e analisa
dados da NASA (tradução nossa).
Outro fato que pode ser extraído do gráfico acima é que o aumento do número de
queimadas entre julho e agosto deste ano são perfeitamente normais. O
movimento da linha amarela (média) mostra que a quantidade de focos de
queimadas cresce significativamente em julho e agosto, atingindo seu ápice em
setembro, após o que voltam a cair. Segundo as informações do INPE,
historicamente, mais de 80% das queimadas ocorrem entre agosto de dezembro.
Passemos agora para o segundo gráfico.
2 – Segundo Gráfico: série histórica ano a ano
O segundo gráfico que gostaríamos de explorar mostra a somatória do total de focos
de queimadas durante todo o ano. Veja:
Perceba que o pico histórico foi o ano de 2007, ano em que Marina Silva era ministra
do Meio Ambiente, e que teve mais de 393 mil focos de queimadas. Curiosamente
o partido da ex-ministra tem sido um dos que tem criticado de modo mais contundente as
queimadas neste ano (embora a performance seja muito superior à encontrada em sua
gestão).
Neste ano, até 22 de agosto, foram registrados 76.720 focos de queimadas, sendo
virtualmente impossível que o Brasil quebre seu recorde negativo.
Passemos, agora, ao terceiro gráfico, o mais completo deles.
3 – Comparação total de focos de queimadas
mês a mês
Este é o gráfico mais completo. Ele mostra o número de focos de queimadas mês a mês
de todos os anos desde 1998. Na última coluna da direita, aponta o somatório de focos
ano a ano. E nas últimas três linhas inferiores aponta os recordes negativos (linha vermelha),
a média (linha laranja) e os recordes positivos (linha amarela). Os quadros coloridos com
vermelho e amarelo no meio do gráfico apontam o mês em que houve o recorde
negativo ou positivo, respectivamente.
Bom, verificando os “quadrados vermelhos”, os quais registram as piores
marcas para os respectivos meses, é possível perceber que eles se concentram entre
2003 e 2016, sendo a maior parte entre 2003 e 2007, quando Marina Silva era
ministra do Meio Ambiente. Saliente-se que aquela administração, quando ainda
colhia péssimos resultados em 2007, já contava com quase 5 anos de trabalho,
provavelmente sem tantos percalços orçamentários como a atual gestão, que não conta
nem com 8 meses de trabalho.
Outro ponto, conforme registramos no início deste artigo, várias matérias tem ressaltado
uma suposta alta de 84%. Mas essa alta se refere estritamente ao mês de agosto de 2019
em relação ao mesmo mês de 2018. O que ocorre, todavia, é que esse foi um mês
atípico em 2018, no qual se registrou um resultado extremamente favorável: 22.774
focos, muito próximo do recorde positivo do mês (em 2013), com pouco mais de
21 mil focos. Perceba que os meses anteriores de 2018 ficam quase em linha com 2017,
e em agosto registra quase a metade do número de focos do ano anterior (agosto de
2017 registrou 37.380 focos de queimadas). Perceba que em relação à média do mês
de agosto (46.660), o ano de 2019 não atingiu a marca (ainda que o mês ainda não tenha
acabado). E o mês atual está muito distante do recorde negativo para o período, de 2007,
com mais de 90 mil focos num único mês (mais do que o total deste ano).
Conclusão
Após analisar os dados acima, ficam algumas dúvidas: se estamos muito melhor do que
no passado, com resultados muito distantes dos recordes negativos, por que o clima de
histeria que tomou conta da imprensa e de governos internacionais?
A situação é evidentemente grave. E todos os esforços têm de ser envidados para
melhorar os resultados. A questão é: esses resultados são negativos há anos e já
foram muito piores. Já sofreram várias oscilações negativas no passado, sem
qualquer reação comparável à atual.
Por que não se via manifestações nem próximas da violência das atuais até 2010 quando o
quadro das queimadas era muito pior?
Por que um ano com queimadas em média com a série histórica conta com manifestações,
cobertura midiática e pressão de grupos internacionais muito maiores do que a média de
outros anos?
Os dados parecem revelar que não há proporção entre os fatos e o clima alarmista que
tomou conta da cobertura sobre o tema.
São perguntas que deixo para o leitor responder.
André Borges Uliano, Gazeta do Povo
