sábado, 17 de agosto de 2019

Carta ao presidente de um juiz afastado

Eduardo Cubas


Eduardo Cubas. FOTO: DIVULGAÇÃO
Estimado presidente Bolsonaro, escrevo-lhe como presidente de associação – União Nacional dos Juízes Federais (Unajuf). Como deve ser do Vosso conhecimento, por coincidência, fui o primeiro Juiz brasileiro, após a Constituição de 1988, a ser afastado das funções judicantes em razão de uma decisão judicial imaculada. Oportuno dizer, decisão essa que foi mantida pelos juízes que me sucederam.
Era o caso da ação popular para realização de perícia em urnas eletrônicas, decidi que três delas seriam periciadas pela Polícia Federal, e outras determinei teste de funcionamento no âmbito de inspeção judicial a ser conduzida pelo Exército, uma por estado, justamente na eleição em que se sagrou vencedor. Pleito esse que, paradoxal e ao mesmo tempo, trouxe ao parlamento o maior número de deputados justamente do partido que V.Exa. combate.
Trago-lhe essa informação pois foi aprovado o projeto que cria a “censura de autoridade”, ou abuso, como chamaram, e que coloca uma verdadeira faca sobre o pescoço de todos os envolvidos no temário (in)segurança pública, como a esta se refere, menos sobre a do eventual bandido.
É dizer, não é mais o perigo da vida própria, do risco pessoal, da bala do fuzil ou da facada do bandido, como aquela adentrada em suas vísceras, que servirá de causa para o não enfrentamento do crime, mas uma lei, curiosamente, ordinária.
Aqui, presidente, vou lhe dizer claramente, a ideologia está querendo vencer! E não é a ideologia liberal, aquela tão defendida pelo senhor, teorizada pelo filósofo John Locke que tratou justamente do contrato social pela necessidade do povo abrir mão de certos direitos e dar-lhe ao estado, cuja obrigação básica é garantir a segurança de todos.
Não por experimentar na própria carne, afinal, sofri injustamente uma violação tamanha seja pessoalmente ou enquanto membro de poder de estado o mais grave abuso de autoridade do estado de direito, que é o atentado sobre o livre exercício de um poder, mas nem por isso ouso mudar de opinião sobre a necessária defesa da liberdade dos Juízes, da liberdade de atuação de nossos Policiais, da liberdade na formação da opinio delict do Ministério Público, pois todas elas são vinculadas à lei.
Senhor presidente, só os mortos não mudam de opinião, como já o fez em suas ideias relativas à previdência. O fez com razão pois o Brasil precisa. Mas não se vê razões para mudar suas ideias sobre a valorização da segurança pública, onde a própria excludente de culpa em atuação policial ainda é verberada em seus discursos.
Todavia, quero lhe lembrar, pois ainda quando Deputado Federal, autorizou a transformação em mandado de segurança parlamentar, impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal e advogando a causa o atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, dr. Jorge Oliveira, convertendo o requerimento de petição constitucional encaminhado pela Unajuf, quando àquela época a mesma Câmara de Deputados mudou as 10 medidas de combate à corrupção em medidas de incentivo à corrupção, como agora se fez, porém numa escala muito mais perigosa. Foi uma bela vitória.
Pontua-se, há dias atrás, presidente Bolsonaro, o senhor foi contra criminalizar abuso de autoridade. O senhor defendeu os Juízes do Brasil.
Não estou aqui para defender ou criticar a Lava-Jato, que foi a inspiração desse horrível projeto de lei, sabemos, mas cedo ou tarde ela vai acabar. Porém, presidente, se mantida essa lei, essa veio é para ficar: anos ou, quiçá, décadas.
Sobre os abusos, e há de vários aspectos, inclusive de imprensa para exemplificar, não se cogita jamais uma lei de censura ou controle de mídia, como essa da censura de autoridade, pois sempre haverá o Poder Judiciário como último guardião de reparação.
Já finalizando, presidente, cabe a mim informar que 99% dos inquéritos em tramitação no país não obedecem aos prazos estabelecidos no art. 10 do Código de Processo Penal para conclusão, de 30 dias como regra geral, sendo acima desse prazo constrangimento ilegal sobre o “cidadão de bem”.
Dura lex, sed lex, agora, deixar de conceder de ofício habeas corpus será crime do Juiz, se é manifestamente ou não não o excesso de tempo do inquérito pouco importa, é o prazo da lei, lembrando sempre que quando a política entra pela porta da frente nos Tribunais, a Justiça sai pela dos fundos. A cada inquérito e ação penal sob sua conduta, o juiz estará sujeito a responder criminalmente, invertendo a lógica da persecução penal, colocando o juiz a mercê de representações criminais por exercer seu ofício normal contra alguma autoridade que, por forças obscuras, seria supostamente intocável.
Meus pêsames ao Poder Judiciário.
Como porta-voz dos Juízes Federais de 1.º Grau, incomoda a insegurança que a aplicação desta lei pode ensejar, ao criminalizar condutas de forma muito ampla, em manifesto prejuízo da sociedade.
Cordiais saudações e roga-se o veto integral desse projeto. #vetabolsonaro.
*Eduardo Cubas, presidente União Nacional dos Juízes Federais (Unajuf)
O Estado de São Paulo