terça-feira, 16 de julho de 2019

Expulsão de 'rebeldes' como Tabata põe em risco dinheiro de partidos para eleições

Se o PDT expulsar a deputada federal Tabata Amaral (SP) por infidelidade partidária, depois de ela ter votado a favor da reforma da Previdência, estará perdendo mais do que uma integrante vista como símbolo de renovação e rejuvenescimento da sigla.
A legenda colocará a perigo também sua participação no fundo eleitoral, mecanismo de financiamento público de campanhas criado em 2017. Como o dinheiro é distribuído de acordo com o número corrigido de cadeiras do partido no Congresso, a diminuição da bancada teria impacto no caixa das candidaturas.
O PDT e o PSB, outra legenda que está às voltas com processos que podem culminar em expulsões, manteriam, contudo, os percentuais a que têm direito hoje tanto no fundo partidário quanto no tempo de propaganda na TV.
Nesses dois casos, o cálculo é diferente: considera o número de parlamentares eleitos pelo partido no pleito geral anterior, sem atualizá-lo.
A pendenga dos deputados que contrariaram o fechamento de questão (voto obrigatório) de suas siglas contra o projeto levou Tabata para o centro do debate desde a aprovação da reforma das aposentadorias, na semana passada.
Por causa da posição, a novata —que é fundadora do Acredito e participou do RenovaBR, organizações que pregam a oxigenação política— entrou em conflito com o ex-presidenciável Ciro Gomes e com outras cabeças do partido. Ciro defende a saída dela.
Se o PDT mandar embora todos os dissidentes ao fim do processo que pretende instaurar em sua comissão de ética nesta quarta-feira (17), perderá 30% de sua bancada —8 membros, de um total de 27.
No PSB, que iniciou nesta segunda-feira (15) procedimento que pode punir os infiéis com penas que vão de advertência até expulsão, 34% dos deputados estão na berlinda —11 de um grupo de 32. Entre eles está o estreante Felipe Rigoni (ES), colega de Tabata nas duas entidades de renovação.
Ele também votou a favor do texto, ignorando a decisão tomada pela executiva do PSB.
Outras legendas registraram defecções, mas em menor grau. Entre os casos está o de uma deputada do PSDB, Tereza Nelma (AL), que desobedeceu à ordem de dizer sim.
Com a expulsão, o parlamentar mantém o mandato e pode se filiar a outra sigla.
Se a decisão de PDT e PSB for mesmo excluir os dissidentes, as duas legendas terão direito a percentuais menores do fundo eleitoral, caso a lei que regula a repartição da verba continue como é hoje.
Na eleição do ano passado, a maior fatia do fundo foi distribuídalevando em conta o número de cadeiras que a legenda possuía até agosto de 2017.
Para as próximas campanhas, a lei prevê que seja considerado como parâmetro o total de parlamentares no Congresso que o partido tiver na última sessão legislativa do ano anterior à eleição.
Se chegarem ao fim deste ano desidratados, PDT e PSB poderão ver minguar os recursos à sua disposição para o pleito municipal de 2020.
As siglas receberam no ano passado, respectivamente, R$ 61 milhões e R$ 118 milhões. 
Nada garante, no entanto, que as regras serão mantidas, já que é normal haver alterações até o limite do prazo permitido. Mudanças eleitorais precisam ser aprovadas até um ano antes da eleição.
Líderes de PDT e PSB têm evitado cravar a expulsão dos infiéis como resultado final. Dizem que os processos contra os parlamentares nos conselhos de ética respeitarão os prazos e o direito de defesa. Podem durar mais de 45 dias.
Caso os deputados recebam punição mais branda e fiquem nos partidos, poderão ser penalizados com perda de cargos em comissões e remoção de postos de comando internos.
Outro castigo possível envolve o fundo eleitoral. Caciques poderiam fechar a torneira em represália a parlamentares que votaram em desacordo com a orientação. Os dirigentes têm autonomia para definir os critérios de repasses a correligionários. A única obrigação é reservar 30% da verba para mulheres.
Procurado pela Folhao presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, se surpreendeu ao saber que a redução da bancada pode interferir no acesso ao fundo eleitoral.
Ele disse estranhar o parâmetro diferente. “Se coerência e lealdade tiverem esse preço [perder recursos], isso não nos assusta nem nos faz mudar de opinião”, reagiu.
Lupi tem minimizado eventuais perdas de representantes no Congresso, falando que “não adianta ter deputado que não vota com o partido”.
O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, não foi encontrado pela reportagem nesta segunda. Ele tem dito que “o PSB não perde o que não tem” e chamou os rebeldes de “pessoas que traíram os ideais do partido e a população”.
O raciocínio que a legenda tem difundido é o de que vale mais uma bancada pequena, mas coesa, do que um grupo grande cheio de divergências.
Especialistas em direito que acompanham o desenrolar da situaçãoafirmam que as expulsões, se confirmadas, têm potencial para desencadear debates no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e no STF (Supremo Tribunal Federal).
Há margem, por exemplo, para que partidos contestem a regra diferenciada do fundo eleitoral e reivindiquem o direito de manter o percentual referente ao número de eleitos.
“Existe uma contradição que pode ser questionada”, diz Daniel Falcão, advogado da área de direito eleitoral e professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público).
Para ele, também é plausível que partidos que receberem os expulsos queiram aumentar a fatia a que têm direito no fundo partidário, reabrindo discussão já feita pelas cortes superiores. No âmbito legislativo, parlamentares podem apresentar projetos para modificar as regras.
Na opinião da advogada e docente Marilda Silveira, também especializada em questões eleitorais, existe espaço para se debater o assunto sob o ponto de vista econômico.
“Algumas correntes defendem que o dinheiro [recursos de fundos] e o tempo de TV teriam que ‘acompanhar’ o político que migra de partido. Hoje o que se tem são interpretações distintas”, diz.

Joelmir Tavares, Folha de São Paulo