quinta-feira, 18 de abril de 2019

"Trump ganha de dez a zero: investigação não encontra crimes', por Vilma Gryzinski

É fácil resumir o relatório produzido pelo durão Robert Mueller sobre suspeitas de uma conspiração entre Donald Trump e os russos: nada, zero, bulhufas.
O ex-diretor do FBI, um grandalhão que poderia passar por uma versão contemporânea de Torquemada, levantou todas as pistas, olhou debaixo de todas as pedras, escavou e-mails, reconstituiu reuniões, interrogou quase 500 pessoas, levou umas poucas a acertar contas com a Justiça por motivos alheios ao inquérito.
Ou seja, fez o seu trabalho. Praticamente tudo do que investigou já tinha vazado para a imprensa, mas vale repetir sua conclusão: “A investigação não estabeleceu nenhum entendimento entre membros da campanha – ou entre estes funcionários e indivíduos ligados à Rússia – para interferir ou obstruir uma função legítima de um órgão governamental durante a campanha ou o período de transição.”
E mais: “A investigação não identificou evidência de que algum membro da campanha ou indivíduo relacionado a ela participou conscientemente e intencionalmente de uma conspiração” para praticar os crimes que se enquadrariam no caso.
A investigação certamente expôs um nível de incompetência que chega a ser cômico. Vladimir Putin e Donald Trump queriam se aproximar e melhorar as relações entre a Rússia e os Estados Unidos. Mas não sabia como fazer isso ou usaram intermediários quase patéticos.
Entre eles, Carter Page, um assessor periférico da campanha que havia trabalhado na Rússia e até sido sondado como eventual colaborador do serviço de inteligência. Segundo o recrutador, só estava interessado em ganhar dinheiro com o fabuloso sistema energético russo.
George Papadopoulos queria vender uma mercadoria que não tinha: altos contatos na cúpula russa. Teve uns encontros estranhos que deram em nada, inclusive por sua ingenuidade: acreditou que a mulher apresentada por um professor universitário de Malta com fama dúbia era sobrinha de Putin. Foi avisado, inclusive, para sair fora e não criar situações comprometedoras.
Personagens do Quirguistão e do Azerbaijão com muito dinheiro e nenhuma noção de como explorar os contatos com Trump entram e saem da história sem que haja tempo para fixar seus nomes.
Um dos casos mais bizarros envolveu Rob Goldstone, um empresário artístico britânico que representava um cantor pop filho de um milionário do Azerbaijão e levou uma russa suspeita para um encontro com Donald Trump Jr.
Supostamente, ela tinha informações sobre doações ilegais de russos para a campanha de Hillary Clinton, mas não entregou.
Goldstone reclamou num e-mail ao cantor que, diante da repercussão negativa, sua reputação tinha sido “basicamente destruída por causa dessa reunião idiota que seu pai insistiu para fazer”. Ainda por cima, o empresário agora estava sendo “pintado como um elo misterioso com Putin”.
A campanha de Trump não tinha ideia de como montar um programa de política externa. Quando Trump ganhou a eleição, uma assessora de imprensa não sabia se acreditava ou não numa mensagem congratulatória de Putin. Aliás, o todo-poderoso russo tinha mencionado num encontro com um banqueiro russo que gostaria de melhorar as relações com os Estados Unidos e principalmente reverter as sanções vigentes desde a intervenção na Ucrânia. Mas não sabia como chegar a ninguém do entorno de Trump.
O único contato em potencial foi um desastre. Paul Manafort, agora recolhido ao sistema prisional por trambiques variados, tentou contrabandear posições favoráveis ao partido ucraniano pró-Rússia, ao qual havia prestado serviços milionários como lobista não declarado. Acabou demitido como diretor de campanha.
Kirill Dmitriev,  presidente do fundo soberano russo que tentou fazer contato com o entorno de Trump,  apresentou o rascunho para um plano de reconciliação entre Rússia e Estados Unidos.
Entre os cinco pontos, constavam: lutar em conjunto contra o terrorismo, ação comum pela eliminação, de armas de destruição em massa, investimentos mutuamente benéficos e diálogo “honesto, aberto e constante”. Poderia existir coisa melhor?
E o pior? Trump realmente disse que estava ferrado, numa versão amena, com a abertura da investigação oficial. Medo de ser pego em contravenções? Não, era porque “todo mundo” dizia que um inquérito assim não acaba nunca e o manteria de mãos amarradas.
Golden shower? Michael Cohen, o advogado que se tornou um delator premiado, recebeu de um contato russo, o empresário Giorgi Rtskhiladze, uma mensagem dizendo que havia “interrompido o fluxo de tapes da Rússia, mas não tenho certeza se tem mais coisa”.
Estaria se referindo à suposta sessão em que duas prostitutas praticaram o ato bizarro para deleite de Trump num hotel de Moscou? O empresário de nome impronunciável disse ter ouvido falar que os tapes eram falsos.
O relatório é longo, existe uma nuvem de suspeição que os adversários de Trump jamais deixarão de explorar e são impressionantes os detalhes sobre a campanha suja feita via redes sociais pelo serviço militar de inteligência da russa para insuflar ânimos durante a campanha presidencial, geralmente em favor de Trump.
O uso do Wikileaks do santo Julian Assange para “desovar” e-mails da campanha de Hillary hackeados pela inteligência russa é amplamente confirmado.
Os russos queriam que Trump ganhasse? Estavam só treinando as artes negras da propaganda política? E no que se beneficiaram com isso tudo, visto que as relações bilaterais andam péssimas?
As dúvidas vão perdurar por muito tempo. No mais, dez a zero para Trump, que entra na campanha pela reeleição do ano que vem com uma ficha limpa assinada pelo homem que poderia simplesmente massacrá-lo.
Por enquanto, claro.
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