domingo, 17 de março de 2019

"A grande queda do juro nos países ricos", por Samuel Pessôa

Recente trabalho dos economistas Lukasz Rachel e Lawrence Summers, apresentado na semana passada no seminário semestral do Brookings Institute, documenta a queda da taxa de juros nas últimas décadas nas economias centrais e investigas as suas causas.
Nos últimos 40 anos, as taxas caíram de aproximadamente 4% ao ano para 0,5%-1%.
Essa queda ocorreu ao mesmo tempo em que a dívida pública cresceu muito e houve elevação, em razão do envelhecimento, do gasto público com saúde e aposentadoria.
O trabalho calcula que somente esses fatores causaram uma pressão de elevação da taxa de juros de equilíbrio nas economias centrais de 4 pp (pontos percentuais).
Assim, dado que, no período, os juros caíram 3 pp, algo pressionou para baixo as taxas de juros em 7 pp.
Diversos fatores associados ao setor privado produziram essa pressão para baixo de 7 pp. O trabalho encontra 6 pp desses 7 pp. No final, elabora sobre os fatores que faltam para chegar aos 7 pp.
Os seguintes fatores foram identificados para a redução dos juros:
1) a queda da taxa de crescimento da renda, fruto da diminuição da taxa de aumento da produtividade do trabalho, reduz a demanda por crédito, dado que o futuro não será tão melhor do que o presente;
2) a queda da taxa de crescimento populacional reduz a demanda por investimento, dado que a base produtiva e a infraestrutura requeridas serão menores;
3) a maior expectativa de vida estimula a poupança de acordo com a projeção de viver mais tempo sem capacidade de geração de renda;
4) o aumento da desigualdade eleva a poupança, pois a renda dos mais ricos, que consomem proporcionalmente menos, aumenta mais do que a dos mais pobres.
Esses quatro fatores explicam, segundo as simulações, uma queda de 6 pp nos juros. Dois fatores, que não foram considerados, devem responder pelo 1 pp restante.
Primeiro, o menor requerimento de poupança para gerar uma unidade de investimento (pense na baixa intensidade de capital que uma empresa como o Google tem em comparação à GE, por exemplo) das novas tecnologias; e, segundo, a maior demanda por ativos que sejam portos seguros, como é o caso dos títulos do Tesouro americano, com o crescimento dos países do Leste da Ásia, incluindo a China continental.
Duas conclusões podem ser tiradas do trabalho. A primeira é que o modelo tradicional de formação da taxa de juros —como um processo de escolha ao longo do tempo (ou intertemporal)— consegue explicar perfeitamente o fenômeno da queda da taxa de juros.
Em segundo lugar, a ação do setor público somente não produziu forte elevação das taxas de juros porque outras dinâmicas, relacionadas ao setor privado e às famílias, jogaram fortemente na direção contrária.
Teorias modernas que defendem a tese de que a capacidade de endividamento do setor público é ilimitada (ou quase ilimitada) não parecem explicar o fenômeno.
Provavelmente, a dinâmica política dos países centrais, ao sentir, por tateamento, o espaço para maior endividamento, levou ao longo do tempo à ocupação desse espaço.
Vale lembrar que o crescimento do endividamento nos países centrais tem ocorrido conjuntamente à forte tendência de estabilidade da inflação.
Para os que acham que esse fenômeno também ocorre por aqui, recomendo olhar o processo crônico inflacionário no qual a Argentina se meteu. É o que deveria bastar para nos convencer de que a realidade no nosso caso é bem diferente.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP

Folha de São Paulo