segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Idosos estão 'roubando' os empregos de adolescentes nas redes de fast-food nos EUA

Profissionais de 50 anos ou mais preparam hambúrgueres, anotam os pedidos e até mesmo fazem as entregas Foto: Bloomberg
Profissionais de 50 anos ou mais preparam hambúrgueres, anotam os pedidos e até mesmo fazem as entregas Foto: Bloomberg

CHICAGO — O adolescente mal-humorado que costumava  trabalhar em uma lanchonete depois da escola já foi um clichê da cultura pop do Estados Unidos, tão americano quanto as batatas fritas. Mas, hoje em dia, Brad Hamilton, o adolescente interpretado por Judge Reinhold no filme ‘Picardias Estudantis’, provavelmente seria jovem demais para trabalhar na lanchonete fictícia ‘Captain Hook Fish and Chips’. É que os idosos estão vestindo uniformes e ocupando o lugar desses jovens, seja preparando hambúrgueres, anotando os pedidos e até mesmo fazendo a entrega.

As redes de fast-food estão recrutando esta ‘nova’ força de trabalho em centros para idosos, igrejas e colocando anúncios no site da AARP, um grupo de defesa de americanos com mais de 50 anos. Recrutadores afirmam que os trabalhadores seniores têm competências subjetivas, tais como pontualidade e um comportamento amigável — que muitos jovens não têm.

Duas tendências poderosas estão em ação: a escassez de mão de obra em meio ao mercado de trabalho mais apertado em quase cinco décadas e a propensão dos americanos que estão vivendo mais tempo a continuar trabalhando — mesmo que seja em meio período — para complementar as escassas economias para a aposentadoria. 
Entre 2014 e 2024, projeta-se que o número de americanos com idades entre 65 e 74 anos inseridos no mercado de trabalho crescerá 4,5%, enquanto o número de trabalhadores na faixa de 16 a 24 anos deverá encolher 1,4%, de acordo com o Instituto de Estatísticas de Trabalho dos EUA (BLS, na sigla em inglês).
Stevenson Williams, de 63 anos, administra uma lanchonete da Church’s Chicken em North Charleston, na Carolina do Sul. Depois de começar trabalhando na limpeza da lanchonete e lavando louça, há cerca de quatro anos, Williams agora é responsável por 13 funcionários e, às vezes, trabalha até 70 horas por semana. Williams se aposentou como operário da construção civil e nunca tinha trabalhado em um restaurante antes, mas estava entediado de ficar em casa.
— É divertido por um tempo não ter hora para se levantar, não ter que bater ponto, não precisar sair da cama para trabalhar todo dia. Mas, depois de trabalhar a vida toda, não fazer nada cansa. Ir ao Walmart não preenche o tempo. Eu simplesmente gosto do Church’s Chicken. Gosto do ambiente, gosto das pessoas — contra Williams.
Contratar idosos é um bom negócio para as redes de fast-food. Elas ganham anos de experiência em troca do mesmo salário que pagariam para alguém décadas mais jovem — uma média de US$ 9,81 por hora no ano passado, de acordo com o BLS. Este é um benefício considerável em um setor pressionado pelo aumento dos custos de transporte e de matérias-primas.

Recrutamento mais fácil

A AARP se tornou um verdadeiro centro de recrutamento para este setor. Em junho, a American Blue Ribbon Holdings, proprietária de várias redes de restaurantes informais, pagou US$ 3.500 para oferecer empregos por hora e de gerência no site da organização sem fins lucrativos, e contratou cinco pessoas para suas marcas Bakers Square e Village Inn.
Bob Evans, uma rede com mais de 500 restaurantes que servem carne assada, biscoitos e outros produtos caseiros, também anunciou vagas recentemente na AARP. Os mais velhos normalmente são contratados como recepcionistas que acomodam os clientes e "combinam bem com nossa marca", diz John Carothers, vice-presidente sênior de Recursos Humanos.
Já a Honey Baked Ham está recrutando em igrejas e centros de idosos para tentar preencher suas 12 mil vagas de empregos temporários para o Dia de Ação de Graças e para o Natal deste ano. A companhia, que vende tênder e tem mais de 400 pontos de venda nos EUA, afirma que os americanos mais velhos são uma parte fundamental de sua equipe, especialmente devido à escassez de trabalhadores.
Toni Vartanian-Heifner, uma professora aposentada de 67 anos, trabalha meio período em um dos restaurantes Honey Baked Ham, no subúrbio de Kirkwood, Missouri, em St. Louis. Ela costuma trabalhar em turnos de quatro ou cinco horas, que começam às 7h, e ganha apenas US$ 10 por hora, mas recebe um desconto de 50% em alimentação. A professora aposentada está se preparando para a temporada de férias.
— Eu gosto da parte social desse trabalho. Acho que vou trabalhar por pelo menos mais cinco anos — afirma.
No caminho contrário dos trabalhadores acima dos 50 anos, jovens americanos do sexo masculino não estão trabalhando. É o caso de Nathan Butcher, de 25 anos, que segue o exemplo de muitos jovens de sua idade. Cansado do longo período de trabalho em que recebia salário mínimo, Butcher abandonou o trabalho em uma pizzaria em junho.
Ele quer um novo emprego, mas não para fazer algo que deteste. Por isso, com a esperança de mudar de vida, por enquanto, o nativo de Pittsburgh, pai de crianças pequenas, está morando com a mãe e estudando para se tornar técnico de emergência médica.
Dez anos após a Grande Recessão, os homens de 25 a 34 anos estão mais ausentes do mercado de trabalho do que qualquer outro grupo etário e gênero. Haveria cerca de 500 mil deles batendo ponto hoje se o índice de emprego retornasse aos níveis anteriores à crise.

Jovens deixam o mercado de trabalho

Muitos, como Butcher, dizem que estão estudando. Outros relatam falta de capacitação. Mas, em resumo, todos estão fora de um mercado de trabalho aquecido e de anos cruciais de trabalho, aqueles que normalmente são cheios de promoções e aumentos e que constroem a base para uma carreira.
— De certa forma, pode haver uma espécie de efeito geração perdida — disse David Dorn, economista da Universidade de Zurique. — Para aqueles que chegam aos 30 anos sem nunca ter tido um trabalho de verdade e sem formação universitária, fica muito difícil se recuperar.
Os homens — gênero que desfruta há muito tempo de privilégios econômicos nos EUA — têm sido perseguidos nas últimas décadas pelas altas taxas de encarceramento e de deficiência física. Eles foram perdendo os empregos de altos salários depois que a tecnologia e a globalização chegaram aos setores de manufatura e de mineração.
Os jovens têm se saído particularmente mal. Muitos foram do Ensino Médio para um mundo com escassez de oportunidades de trabalho de qualificação média e foram atingidos pela pior recessão desde a Grande Depressão. O emprego despencou em diversos setores durante a recessão de 2007 a 2009 e os homens de 25 a 34 anos acabaram deixados para trás por seus pares um pouco mais velhos.
A ausência desses profissionais no mercado de trabalho gera consequências econômicas maiores. É uma perda de talento humano que afeta o crescimento potencial. Os jovens com uma entrada difícil no mercado de trabalho enfrentam uma penalização salarial duradoura.
E os economistas atribuem parte da culpa pelo recente recuo no número de casamentos e pelo aumento dos nascimentos fora do casamento ao declínio dos homens empregados e aptos a casar. Essas tendências promovem insegurança econômica entre as famílias, o que pode piorar os resultados na próxima geração.
É difícil determinar, no entanto, se o grupo demográfico deseja permanecer à margem ou se é mantido nessa posição pela escassez de alternativas atraentes. Eles podem estar optando por ficar em casa ou se matricular em cursos porque é mais difícil encontrar empregos bem remunerados que não exigem diploma em setores como o de manufatura, por exemplo. Mas não está claro por que a perda de oportunidades afeta mais os homens.
Butcher, por exemplo, espera que o curso de técnico em emergência médica na Community College, do condado de Allegheny, seja o primeiro passo para uma carreira na área de saúde. Ele quer ganhar o suficiente para garantir segurança para o filho e a filha, que moram com a mãe deles.
— É um bom começo para uma carreira — afirma.
Bloomberg News