sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Com Muro, Trump dobra a aposta, define agenda e luta por protagonismo

Trump: aposta dobrada no muro Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP
Trump: aposta dobrada no muro Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP

Donald Trump fez sua carreira política e sobrevive na Casa Branca com polêmicas. E justo em um momento em que ele estava sendo pressionado como nunca desde que chegou ao poder, decidiu dobrar a aposta em sua mais controversa proposta: o muro na fronteira com o México. Ao decidir declarar emergência nacional para levar adiante seu projeto, Trump tenta voltar a dominar o debate e retomar o protagonismo do país, em um tema que deverá ser central até as eleições de 2020.

O polêmico decreto deve ser questionado na Justiça assim que foi assinado pelo presidente. Como muitos especialistas e opositores alegam que a emergência não pode ser adotada neste caso — em um momento de queda de entrada de imigrantes pela fronteira sul americana —, o tema deverá ser alvo de uma disputa judicial instantânea, provavelmente com decisões que podem impedir que um tijolo ou barra de aço sequer avancem para separar os EUA da América Latina.

Mas nem mesmo uma decisão contrária da Justiça poderá ser considerada uma derrota de Trump. Ao contrário. Dará ao presidente a oportunidade de afirmar que tentou de todas as maneiras “garantir a segurança” dos americanos, mas que foi barrado pelo sistema, dominado pelos progressistas democratas. Pode mobilizar sua base, justo agora quando seu primeiro mandato caminha para o fim, as investigações sobre as supostas irregularidades de sua eleição chegam a um momento crítico e quando enfrenta algum tipo de rivalidade em Washington, com os democratas controlando a Câmara dos Representantes.
Para o presidente, pode ser uma oportunidade de ouro para reativar seu discurso. Vale lembrar que, nas eleições legislativas de novembro, chegou a voltar ao tema. Ele sabe que a imigração é uma questão apaixonante para sua base. Sabe que é um tema popular na “América profunda”, que sente ojeriza ao crescente número de imigrantes no país, principalmente aos que falam espanhol
Mas a medida não é boa apenas para Trump. Se em um primeiro momento serve de cortina de fumaça, por outro lado também mobiliza a base contrária. Os deputados da oposição agora têm força para investigar estas propostas, propor CPIs e pressionar a Casa Branca. Em um Partido Democrata que se mostra dividido entre adotar um discurso mais de esquerda ou uma postura conciliatória, a identificação automática do anti-Trump tende a ser útil. Em um exercício radical, pode ser até a base para processos contra o presidente, se os democratas conseguiram provar que ele foi frívolo, eleitoreiro e populista ao brincar com um decreto que não atende os princípios constitucionais de emergência.
O decreto e todos os seus desdobramentos se tornam, imediatamente, o grande tema das eleições de 2020. E, se não ocorrer nenhuma guerra, ato de terrorismo ou recessão, pode manter esta centralidade até as urnas. Mesmo que ele nunca saia do papel, separando os EUA do México com uma barreira física, ele já tem sacramentado uma divisão entre os americanos como há décadas não se via nos Estados Unidos.

Henrique Gomes Batista, O Globo