quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

'A América nunca será um país socialista', diz Trump, em campanha à reeleição

SAUL LOEB / AFP/6-2-2019

SAUL LOEB / AFP/6-2-2019

WASHINGTON — O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a demonstrar sua habilidade para criar vilões que sirvam como adversários políticos. Em seu discurso sobre o Estado da União na terça-feira, ele apresentou os seus novos antagonistas: os socialistas.
Logo após conclamar à derrubada do governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, repudiando as “políticas socialistas” que reduziram o país a um estado de “pobreza abjeta e desespero”, ele voltou-se a território familiar, em sua própria casa.
— Aqui nos Estados Unidos, estamos alarmados com novos chamados para adotar o socialismo em nosso país — disse o presidente. —Esta noite, decidimos que a América nunca será um país socialista.
O discurso de terça-feira à noite indica qual pode ser a cara da campanha de Trump em 2020. O presidente falou muito sobre a economia, com referências à baixa taxa de desemprego, ao crescimento contínuo e ao corte de impostos aprovado pelo Congresso anterior, de maioria republicana. Trump também falou em abaixar os preços dos medicamentos que exigem receita médica e em combater o HIV, em possíveis acenos a eleitores de subúrbios que abandonaram os republicanos nas eleições legislativas de novembro do ano passado. Para seus seguidores mais linha-dura, ele defendeu o seu muro da fronteira.
A ameaça do socialismo foi algo novo. Mas pode se tornar dominante na retórica da campanha de 2020, como os ataques aos imigrantes o foram na campanha de 2016, quando ele  provocou sobressalto com seus ataques contra “estrangeiros ilegais e criminosos”.
Se evocar o fantasma do socialismo, Trump pode conseguir uma arma potencialmente eficaz para se confrontar com um Partido Democrata cada vez mais inclinado à esquerda. Seus ataques podem se concentrar no senador Bernie Sanders, de Vermont, e na deputada Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, que se descrevem como socialistas democráticos, assim como outros membros do partido que propagam políticas como uma alíquota de imposto de 70% para multimilionários e assistência médica para todos.
Embora essas políticas sejam de esquerda, não há evidência de qualquer onda socialista a varrer os Estados Unidos. Como uma filosofia política e uma ferramenta de organização, o socialismo teve raízes modestas no país, no final do século 19 e início do século 20, sem nunca ganhar um apelo generalizado. Eugene Debs, um líder trabalhista de Terre Haute, Indiana, foi cinco vezes candidato a presidente, sem jamais obter resultado eleitoral expressivo. Em 1916, conseguiu 6% dos votos.
— Realmente não há nenhum movimento socialista de qualquer tamanho e influência desde os anos 1930 — disse Michael Kazin, professor de história na Universidade de Georgetown e autor de uma história da esquerda americana. — É claro que esta é uma tentativa de retratar os democratas como radicais demais para os americanos e conectá-los à Venezuela, o que é obviamente uma coisa inteligente, já que a Venezuela está desmoronando sob um governo que é em vasta medida socialista.
Na televisão, a suposta ameaça do socialismo subterrâneo — e os perigos de alguém como Ocasio-Cortez — tornaram-se alvos favoritos de conservadores como Sean Hannity, apresentador da Fox News, que diz a seus telespectadores que o socialismo de extrema esquerda tomou conta do Partido Democrata. Trump alinha-se firmemente com esta visão.
— A maioria dos americanos obviamente não está consegue entender a diferença entre socialistas democráticos e comunistas — disse Kazin. — Ele, como outros conservadores que ao longo de décadas atacaram a chamada “ameaça vermelha”, está tentando confundir as duas coisas na cabeça das pessoas.
Mas não é assim que os conservadores entendem o retrato dos democratas que faz Trump.

— Do ponto de vista político, ele defende a livre iniciativa, dos mercados livres e da liberdade — disse Greg Mueller, um estrategista conservador. — Os democratas querem levar o país em direção ao socialismo, e estão divididos quanto a isso. Há uma grande disputa no partido para decidirem se são ou não socialistas. Esse é um grande debate para Trump promover em 2019 e na campanha de 2020.
Uma pesquisa da Gallup em agosto mostrou que os democratas tinham uma visão mais positiva do socialismo do que do capitalismo, de 57% a 47%. A sua visão tem sido relativamente estável desde 2010, mas as atitudes em relação ao capitalismo tornaram-se mais negativas, coincidindo com a crise financeira que alimentou a animosidade em direção aos grandes bancos e empresas de investimento, culpados pela devastação econômica.
— Cada nova proposta de política que adotamos e apresentamos ao povo americano tem sido extremamente popular — disse Ocasio-Cortez à MSNBC na terça-feira. Ela descartou as críticas de Trump. — Ele se sente derrotado nas discussões — acrescentou.
Mas não foi por acaso que Trump escolheu abordar pela primeira vez a ameaça socialista naquele que talvez seja o discurso de maior visibilidade de um presidente americano, dando o primeiro passo para apresentar os democratas como à esquerda demais, no mesmo momento em que o partido começa o seu processo para definir o seu candidato a presidente.
E até mesmo alguns dos críticos mais severos do presidente dizem que ele pode estar certo.
— A ideia de colocar o socialismo em pauta é politicamente astuciosa porque, no fim das contas, ela é suficientemente verdadeira para colar e interessar a muitos — disse Mike Murphy, estrategista republicano e crítico de longa data de Trump. — O Partido Democrata está tendendo cada vez mais para a esquerda. Pela primeira vez, de alguma forma, uma das declarações de Trump continha um pouco de honestidade. Ele estava se referindo à esquerda festiva.
Michael Tackett, do New York Times


Michael Tackett, do New York Times