sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

"Trégua boa para o Brasil", editorial do Estradão

Se tiver juízo, o governo brasileiro dará muito mais atenção à política de juros do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), do que tem dado à localização da embaixada dos Estados Unidos em Israel. Cada novo aperto na política monetária do Fed pode representar crédito mais difícil para os emergentes, menos dólares disponíveis e maior pressão por juros mais altos no Brasil. Tudo isso é muito ruim quando as prioridades são a dinamização de uma economia ainda em marcha lenta e o ajuste de um setor público muito endividado. O quadro será ainda mais complicado se o Banco Central Europeu (BCE) avançar mais rapidamente pelo caminho da austeridade. Por isso, os sinais de uma possível moderação no aumento de juros nos Estados Unidos, a partir de agora, são uma notícia especialmente animadora.
Sinais de maior moderação no aperto das condições de crédito apareceram na ata da última reunião do Comitê de Mercado Aberto do Fed (Fomc), responsável pela condução da política monetária. Esses indícios coincidem com as manifestações de cautela do presidente do Fed, Jerome Powell, em seus últimos pronunciamentos públicos.
Se as boas expectativas se confirmarem, poderá haver apenas duas elevações de juros básicos nos Estados Unidos, em 2019, em vez das três previstas até recentemente. A possível “paciência” mencionada por membros do comitê será conferida na próxima reunião, nos dias 29 e 30 de janeiro. Na última reunião do Fomc, em dezembro, a taxa básica foi elevada para a faixa de 2,25% a 2,50% ao ano. O intervalo anterior era de 2% a 2,25%.
Participantes do encontro admitiram a conveniência de algumas altas graduais no futuro, mas a linguagem usada foi cautelosa. Na referência a possíveis novas elevações, a expressão “o comitê espera” foi substituída por “o comitê julga que novos aumentos”, etc. Na comunicação entre bancos centrais e mercado, variações de linguagem aparentemente pequenas e pouco significativas para a maior parte das pessoas podem ser muito importantes. O uso de expressões pouco mais leves ou pouco mais pesadas pode motivar, de imediato, em muitos países, variações importantes nos preços de ações, nos juros de mercado e nas taxas de câmbio.
Oscilações amplas em todos esses valores podem ter impacto na condução da política econômica. Nos piores casos, podem tornar bem mais complicada a execução de políticas de reativação econômica e de ajuste das contas públicas. Podem também afetar os preços, por meio do câmbio, e as contas externas, alterando a movimentação de capitais e as condições do comércio de bens.
Os sinais de cautela na ata do comitê e nos pronunciamentos do presidente Jerome Powell têm motivações importantes. Embora a economia americana continue vigorosa, o desemprego permaneça baixo e a inflação se mantenha moderada, perto da meta de 2%, sinais negativos têm sido captados em contatos com empresários e nas oscilações do mercado financeiro. Somam-se a isso as tensões no comércio internacional e os indícios de menor crescimento em várias economias de peso.
As próximas decisões sobre os juros americanos dependerão, como sempre, de uma avaliação dos dados econômicos e financeiros mais atualizados, mas por enquanto prevalece, nos mercados, a expectativa de moderação e de menor avanço dos juros neste ano.
Se isso se confirmar, será um bônus para o governo brasileiro em seu primeiro ano de mandato. Mas a avaliação de cenário apresentada na ata inclui a perspectiva de crescimento mais moderado na economia americana, em linha com a desaceleração global.
O risco das tensões comerciais permanece. Comunicados de americanos e chineses, depois das últimas conversações, indicam a manutenção da trégua e a disposição de continuar negociando. É mais um dado positivo e animador, embora a trégua possa terminar a qualquer instante. Cabe ao governo brasileiro aproveitar essa calmaria e avançar em sua política sem se perder em hesitações e em brigas internas.