sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

"A lareira de Roosevelt", por Rubens Penha Cysne

Há tempos o Brasil tem por vezes caminhado em círculos. Envelhece, mas pouco amadurece. Prossegue, mas não progride. Pula, mas não salta. Incha, mas não cresce.
No que diz respeito à segurança pública, à saúde, ao saneamento e ao crescimento, o país tem se alimentado de migalhas. Muito distante do obtenível. Ou do desempenho de países congêneres.
A cada quatro anos, entretanto, ressurge uma chance de colocar o país nos rumos. O capital político provido pela população enche o pote da esperança com mais de 57 milhões de votos.
Tal capital, entretanto, além de limitado, é refém de expectativas cada vez mais exigentes e impacientes. Por ser limitado, deve escolher bem onde ser usado. Por ser refém de expectativas, costuma decair rapidamente nos primeiros meses de governo.
Técnicos especializados e comparações internacionais apontam claramente para a necessidade de reformas. A da Previdência, em particular. Antecipam-se dificuldades no Congresso. Nesse ponto, surgem o caminho dos espinhos e o caminho das flores.
O caminho das flores se curva às injunções do dia a dia. Se não passa uma reforma ampla como um todo, fatie-se o todo. Encaminhe-se agora uma proposta e depois outra. Se determinados grupos têm capacidade política de resistir, evite-se mexer agora com tais grupos. É a vitória do que então se percebe como pragmatismo.
O caminho dos espinhos, alternativamente, tenta usar de pronto e de todo o capital político conquistado. Apresenta uma reforma robusta e duradoura. Defende os mais jovens, em particular aqueles que ainda não têm voto nem voz, e enfrenta diretamente os grupos de defesa de privilégios. É a vitória do que então se percebe como uma missão.
A análise puramente econômica não terá dúvida em indicar o caminho dos espinhos. A evolução das variáveis macroeconômicas e sociais é muito preocupante e requer pressa. Quando permeada com a análise política, entretanto, a decisão não é clara. Passa a depender do que se possa esperar da ação processual e da ação legislativa.
Ocorre que, fato bem percebido pelo governo vencedor das eleições, a reação do Legislativo não é imutável. Ela responde à opinião pública. E, esta, às informações. Nesse ponto entra em cena uma lição de Franklin D. Roosevelt.
Ao contrário do que se pensa, não foi o Presidente Donald Trump que inaugurou o uso de avanços tecnológicos para se comunicar diretamente com o povo. Mas sim Roosevelt, entre 1933 e 1944, ao iniciar suas famosas “conversas ao pé da lareira”.
Roosevelt, como agora Trump, desconfiava da intermediação da mídia, e usou com maestria o rádio (como Trump tenta usar o Twitter) para angariar suporte político. Usou um avanço tecnológico para criar um método.
Falava diretamente com os americanos, eleitores ou não. Sua primeira “conversa ao pé da lareira”, por exemplo, foi crucial para restabelecer a confiança dos depositantes no sistema bancário americano.
São muitas as diferenças de tecnologia, conteúdo, estilo e periodicidade nas comunicações de Roosevelt e do presidente Trump. Roosevelt fez apenas 30 comunicados por rádio entre 1933 e 1944. A parcimônia no uso da comunicação direta foi crucial para conferir à mesma a necessária sobriedade e seu grande poder de persuasão.
Passando ao Brasil, nosso presidente eleito demonstrou domínio no uso das redes sociais. A comunicação agora, entretanto, é de outra natureza, mais técnica e temática. Como nas comunicações de Roosevelt, requer aprendizado, planejamento, direcionamento e parcimônia.
Sob a batuta do presidente, formadores de opinião poderão também usar o método de Roosevelt para se comunicarem com as bases políticas do Congresso. Terão a possibilidade de ajudar, dessa forma, a fazer o caminho dos espinhos preponderar sobre o caminho das flores.
Se esse movimento for suficiente para gerar um ambiente favorável a reformas mais amplas, em consonância com as experiências internacionais bem-sucedidas, o atual capital político terá sido aplicado de forma mais eficiente. Sob tal perspectiva, resultados bastante positivos poderão surgir no Brasil com muito maior brevidade.
Rubens Penha Cysne é professor da FGV EPGE

O Globo